Ao saber de uma chacina, a imprensa corre para dar manchetes. Por que então a opinião pública não é avisada sobre o massacre de 120 pessoas todos os dias no Brasil?
O Estado de São Paulo, o mais rico do país, assiste inerte diariamente à perda de 12 vidas; na capital, três paulistanos morrem todo dia, sem chocar ninguém.
O trânsito é a nossa chacina silenciosa de cada dia. Ele assassina por ano mais gente do que os americanos mortos no Vietnã em toda a guerra, de mais de uma década; mais do que as vítimas de conflitos entre israelenses e palestinos desde o início da Intifada no final dos anos 1970...
Não há no mundo paradigma para a violência dos carros brasileiros, ainda que ocorrências menos dramáticas frequentem a capa da Folha ou o "Jornal Nacional", com maior destaque.
Pior: a cada morte no trânsito, o Denatran registra 20 outros acidentes com vítimas não fatais, frequentemente com sequelas importantes.
São 900 mil ocorrências com vítimas por ano. Você pode ter certeza que do início da coluna alguém foi atropelado e, até o final, será a vez de outra. Alguém pode morrer, outro ficar paralisado para sempre.
Para comparar os países, independentemente do tamanho de suas populações, as estatísticas comparam acidentes a cada 100 mil habitantes. A Suécia, com 2 mortos no trânsito a cada 100 mil habitantes por ano, tem o menor índice mundial. O Brasil, com 22 mortos por 100 mil/ano, é um campeão mundial.
A Alemanha pode achar que é legal ter feito 7x1 no futebol, mas não está nem perto da liderança: no trânsito, a taça de morte é nossa!
Desde o início da década, a ONU mantém campanha para reduzir os mortos no trânsito, até 2020, à metade dos números de 2011. Vários países fizeram a lição de casa: a Suécia achou vergonhoso tentar matar "só" uma pessoa a cada cem mil e quer zerar o número. A Espanha atingiu a meta em 2015; quer chegar a 2020 com metade da metade.
E nós? Desde 2011, estamos estáveis. A cidade de São Paulo teve uma redução importante nos últimos anos, chegando em 2015 a 992 mortos no trânsito no ano, contra 1.249 em 2014 (queda de 20%). Em relação a 2011, a redução foi de 28% em cinco anos. Ou seja, fizemos em cinco anos metade da lição de casa...
Por que o Brasil não avança? Segundo o estudioso Osias Baptista, fundador da BHTrans (a CET de Belo Horizonte), todos os países que obtiveram bons resultados atuaram em duas frentes que patinam em nosso país: redução da velocidade dos automóveis a 50 km/h ou menos; e combate ao consumo de álcool por motoristas.
"Na França, cada carro tem que ter um bafômetro. Se o motorista não tiver, na hora da blitz é preso; se não quiser soprar, é preso; se soprar e der positivo, é preso", diz. A pessoa só não é detida se der negativo. A medida foi implantada pelo conservador Nicolas Sarkozy.
O Brasil foge das medidas fundamentais. São Paulo reduziu a velocidade máxima a 50 km/h e o prefeito quase sofreu impeachment; o país trata as blitze de lei seca como afronta à fluidez do trânsito (indicar locais de fiscalização nas redes sociais é considerado simpático).
Não há como aceitar a chacina silenciosa. Direta ou indiretamente, um dia nos atinge. E a imprensa deveria publicar todo dia em manchete a chacina de nosso trânsito.