24/08/2014 08:45 - Porto Gente
PAULO FILOMENO
Talvez poucos saibam, mas existe na Internet um site chamado
Geoportal, o qual mostra imagens aéreas de São Paulo (e várias cidades
vizinhas) do ano de 1958! Um verdadeiro "Google Maps” em preto e branco, que
nos dá ideia real do crescimento que a região metropolitana de São Paulo
experimentou em 55 anos.
Muita coisa cresceu e foi construída na cidade durante esse
período, mas uma coisa literalmente "sumiu do mapa” desde essa época. Foram os
pátios ferroviários que atendiam a cidade, nos quais eram realizadas carga e
descarga de mercadorias transportadas por via ferroviária. Presidente Altino,
Lapa, Barra Funda, Pari, Brás, Moóca, entre outros. Uns viraram espaço para
oficinas dos trens metropolitanos, outros Memoriais, alguns Feirinhas da
Madrugada e outros estacionamento de sucatas ferroviárias.
O Pátio do Pari em 1958 (fonte: Geoportal) e o mesmo local em 2013, com
os boxes da Feirinha da Madrugada
Ou seja, não se transporta mais nada por ferrovia dentro da
área metropolitana de São Paulo, com algumas exceções, como areia, ainda
descarregadas na Água Branca e Moóca, bobinas de aço, também na Moóca e alguma
coisa em moinhos em São Caetano e Santo André. E o governador já declarou que
não quer mais trens de carga circulando na área da CPTM.
Isso se deveu por dois fatos: O primeiro pelo gradual e
progressivo abandono das ferrovias para o transporte de carga geral, já que em
nosso país priorizou-se este modal para o transporte de gêneros unitários de
grande volume e baixo valor agregado. O segundo, mais recente, foi a decisão do
Governo do Estado, após a criação da CPTM, em melhorar a qualidade das linhas
metropolitanas, com mais trens e menor "headway” (intervalo entre trens).
Iniciativa louvável, sem dúvida, mas da forma que vem sendo executada, com
efeitos que afetaram e ainda afetarão a vida das cidades por onde passam as
ferrovias, sem contar o que implica tal fato no acesso ao Porto de Santos.
Os que ainda se lembram das ferrovias até meados dos anos
80, quando ainda existiam alguns desses pátios, certamente recordam que os
trens metropolitanos de então conviviam com os cargueiros (e também trens de
passageiros que ainda eram frequentes) e no caso das linhas da Santos-Jundiaí,
os "trens de subúrbio” (assim chamados) circulavam diretamente de Francisco
Morato a Paranapiacaba.
Ainda existiam diversos armazéns à beira da linha, bem como
desvios ferroviários atendendo indústrias e terminais diversos. Locomotivas
manobreiras eram comumente vistas andando para lá e para cá nas vias laterais.
Como exemplo, ao longo da Avenida Presidente Wilson, a qual
corre paralela à ferrovia, da divisa de São Caetano à Moóca, existem vários
armazéns, os quais tem acesso tanto para a avenida como para a ferrovia. Do
lado da ferrovia não há sequer um trilho para acesso aos armazéns (e onde
existem trilhos, existem vagões apodrecendo em cima). Do lado da avenida,
frequentemente carretas enormes interrompem o tráfego para poderem entrar nos
armazéns para carga e descarga.
Atualmente, além de cada vez menos circularem trens de
carga, as linhas de passageiros foram seccionadas, mesmo se investindo
pesadamente em novos sistemas de sinalização. É muito mais difícil hoje ir do
ABC à Lapa por trem do que há 20 anos. 2 baldeações são necessárias,
antigamente os trens eram diretos.
Em outros artigos já fiz críticas à nossa perda da cultura
ferroviária, o que implica na falta de conhecimento da operação ferroviária.
Como podíamos fazer conviver trens cargueiros e trens de passageiros enquanto
hoje, com tecnologias de controle e de sinalização muito superiores, não
conseguimos mais fazê-los conviver?
Não seria possível a construção de trechos paralelos às
linhas metropolitanas para que trens cargueiros voltassem a circular em condições
razoáveis de operação, para atender potenciais clientes que ainda teriam
interesse no transporte ferroviário, ao invés de simplesmente jogá-los ao modal
rodoviário, com o consequente aumento do tráfego nas já congestionadas ruas e
avenidas da cidade? Isso sem falar no aumento do tráfego do Sistema
Anchieta-Imigrantes e as implicações que o Portogente reporta quase que
diariamente.
Infelizmente neste caso, vestiu-se um santo e desvestiu-se outro. O investimento no transporte metropolitano de passageiros por ferrovia é realmente necessário para São Paulo e suas cidades vizinhas, mas infelizmente se esqueceram de que as ferrovias também transportam cargas com mais vantagem que qualquer outro meio de transporte terrestre. O certo era investir de forma que a ferrovia continuasse atendendo, dentro da região metropolitana, tanto cargas quanto passageiros.
Paulo Filomeno - Engenheiro
eletricista, especialista em sistemas metro-ferroviários, consultor da empresa
Trail Infraestrutura e ferreomodelista.