08/06/2016 08:14 - Valor Econômico
Após seis anos testando a segurança dos carros vendidos na América Latina, a Latin NCap chegou à preocupante conclusão de que o Brasil está duas décadas atrasado em relação às regras que visam proteção dos usuários de veículos na Europa e avalia que a pressão das montadoras vem impedindo avanços nesse campo.
Para Alejandro Furas, secretário-geral da organização, a Anfavea, principal entidade da indústria automobilística, atua em Brasília para adiar ou flexibilizar de forma desnecessária a implementação de normas, praticando também um lobby que impede a adoção de regulamentos das Nações Unidas que significariam um salto em segurança veicular para o país.
"Implementar normas, não 'brasileirizadas', mas sim do sistema de certificação das Nações Unidas seria o primeiro grande passo [para melhorar a segurança dos veículos]. Mas há que ter vontade política para tomar a decisão e o problema é que a indústria tem, no Brasil, um lobby muito forte, em nossa forma de ver muito próximo do limite de um lobby limpo", diz o especialista. "Isso, sem dúvida, fez com que o Brasil não pudesse avançar como poderia nas normas de segurança veicular", acrescenta.
A Anfavea nega ser contra a evolução na segurança automotiva, mas desde que os fabricantes tenham tempo de adaptação. "A indústria automobilística vive o ciclo de seus produtos, que levam muitas vezes três anos de desenvolvimento. É muito ruim mudar a legislação durante esse ciclo", afirma Antonio Megale, presidente da entidade. Segundo ele, o que a associação tem pedido ao governo é que, a favor da previsibilidade, as mudanças nos protocolos de segurança aconteçam de forma gradual, "assim como foi feito em países desenvolvidos."
Pressões sobre custos num mercado sensível a preços e a possibilidade de ter que aposentar modelos populares não compatíveis com novas tecnologias - como aconteceu na obrigatoriedade dos airbags a partir de 2014 - também contribuem para a resistência dos fabricantes à obrigatoriedade de dispositivos de segurança.
No caso dos airbags, última grande medida em equipamentos de segurança compulsórios, o governo deu quase cinco anos para que as montadoras produzissem todos os veículos com o dispositivo, junto com os freios ABS. Ainda assim, perto do prazo final, sua aplicação foi ameaçada quando o então ministro da Fazenda Guido Mantega cogitou dar dois anos a mais para a indústria, algo que não ocorreu por pressão da sociedade.
Mais recentemente, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) publicou em dezembro resolução que determina a instalação do sistema eletrônico de controle de estabilidade nos automóveis. Porém, apenas em 2020 a tecnologia será obrigatória em novos projetos das montadoras. A obrigatoriedade a todos os demais veículos só vale a partir de janeiro de 2022.
"O controle eletrônico de estabilidade é desde 2014 obrigatório em todos os carros zero quilômetro na Europa. Muitos anos antes, era obrigatório em novos projetos [no mercado europeu]", compara Furas, que vem ao Brasil para participar amanhã de um seminário da SAE Brasil, entidade que reúne engenheiros da indústria da mobilidade, em São Paulo.
Entre outras diferenças elencadas pelo especialista, ele cita que as montadoras europeias são obrigadas a fazer testes da segurança dos automóveis em batidas laterais - no Brasil, testam-se os impactos de colisões frontais e traseiras - e projetam os veículos para também proteger pedestres em caso de acidentes. "Ou seja, o carro é projetado para que, no caso de atropelar um pedestre, a lesão seja a menor possível."
Desde 2010, a Latin NCap faz testes de colisão dos veículos produzidos ou importados na América Latina. Para simular o choque frontal de dois veículos parecidos, os automóveis são submetidos a impactos contra uma barreira fixa a uma velocidade de 64 quilômetros por hora. O impacto da batida aos ocupantes é detectado por sensores de bonecos - os "dummies" - instalados nos lugares onde ficariam motorista e passageiros. Quanto maior o nível de segurança do carro, maior é sua pontuação medida em estrelas conferidas pela Latin NCap, podendo variar de zero a cinco estrelas.
Dos modelos produzidos no Brasil, os utilitários esportivos HR-V, da Honda, e Renegade, da Jeep, "gabaritaram", com a pontuação máxima de cinco estrelas tanto na segurança a adultos dos bancos dianteiros quanto na proteção de crianças que viajam atrás no assento infantil. Mas também houve resultados insatisfatórios, como o Onix, da General Motors (GM) - hoje, o modelo mais vendido no Brasil -, que numa bateria de testes feitos em novembro de 2014 recebeu três e duas estrelas.
Para Furas, existem dois movimentos divergentes no país: um de marcas que estão investindo em ter no mercado brasileiro carros globais próximos ao nível de segurança que oferecem no primeiro mundo; e outro formado por marcas que produzem modelos que estão longe de replicar o padrão de segurança oferecido nos mercados maduros, grupo que, segundo ele, estão incluídas a GM e a Renault. A montadora americana não quis comentar a declaração. Já a Renault disse que todos seus veículos atendem à regulamentação em vigor em cada um dos mercados onde são comercializados.