As principais mudanças em São Paulo com a nova lei de zoneamento

03/06/2015 07:00 - O Estado de SP / Folha de SP

SÃO PAULO - A Lei de Zoneamento determina quais atividades podem ser desenvolvidas em cada terreno da cidade. É um complemento ao Plano Diretor Estratégico aprovado no ano passado, uma das principais bandeiras políticas da gestão Haddad.

Ao todo, a Prefeitura recebeu 7.629 contribuições. Foram realizadas 41 audiências e oficinas públicas, com participação de mais de 8 mil cidadãos. A nova lei vai orientar o desenvolvimento e o crescimento de São Paulo pelos próximos 16 anos.

A motivação de revisão da Lei nº13.885 de 2004 se dá pela recente aprovação do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo. Segundo a Prefeitura, a nova lei de zoneamento pretende instituir uma nova estratégia de ordenamento territorial para enfrentar desafios históricos e estruturantes.

Confira abaixo as principais mudanças da lei encaminhada por Haddad à Câmara:

1 = Uso e ocupação do solo

O território paulistano foi dividido em três áreas: territórios de transformação; territórios de qualificação; e territórios de preservação

2 = 'Santuários' residenciais

Há uma flexibilização das áreas residenciais, com a criação das chamadas Zonas Corredor (ZCor), que permitem usos diferentes nos 'santuários' ZERs, as zonas estritamente residenciais.

3 = Lote máximo

A lei inibe a construção de condomínios fechados e shoppings, pois institui tamanho máximo para lotes. Se superar o limite, é preciso fazer parcelamento do solo, com abertura de ruas. Ficam proibidos lotes com mais de 10 mil m² em zonas residenciais.

4 = Desenvolvimento econômico

Foram criadas as Zonas de Desenvolvimento Econômico (ZDE), que terão lote máximo limitado em 500 metros quadrados.

5 = Estímulo ao uso misto

A flexibilização nas regras dá maior permissão de uso nas zonas, de forma a estimular interação social e comércio.

6 = Áreas verdes

Áreas verdes públicas poderão ser ocupadas para a construção de creches, escolas, hospitais e postos de saúde. A medida deve beneficiar principalmente a gestão Haddad, que prometeu zerar o déficit de vaga de creches, mas esbarra na falta de terrenos.

7 = Regras mais simples

O novo zoneamento apresentado é mais enxuto - reduz o número de zonas das atuais 30 para 16. A ideia é simplificar as regras, acabando, por exemplo, com os estoques e muitas determinações de gabarito e recuos em diversos bairros

8 = Estímulo a bikes

Exige a reserva de um número mínimo de vagas para bicicletas em todos os novos empreendimentos a serem lançados na capital paulista. A regra surge acompanhada de outra condição: a construção de vestiários para os ciclistas.

9 = Edifícios-garagem

Edifícios-garagem deverão ser erguidos ao redor de estações de trem e metrô localizadas nos extremos das linhas e na integração com terminais de ônibus. Haddad quer evitar a circulação de automóveis particulares no centro expandido.

10 = Menos automóveis

Desencoraja o uso do automóvel particular por meio da redução na exigência de vagas em empreendimentos, com fim da exigência para uso residencial

11 = Recuos

Estão dispensados os recuos laterais e de fundo quando a altura da edificação for menor ou igual a 10 metros. A obrigatoriedade aplica-se somente às edificações novas e reformas que envolverem ampliação de mais de 50% da área construída total.

12 = Cota ambiental

A cota ambiental associa uma perspectiva de qualificação ambiental à produção imobiliária. A medida determina que lotes com área superior a 500 m² atinjam uma pontuação mínima para poderem obter o licenciamento.

13 = Zeis

O regramento de ZEIS estabelecido no Plano Diretor permanece exatamente como foi previsto. Quanto ao rebatimento territorial, foram feitos ajustes de perímetros, exclusões pontuais, com compensações e inserções de novas ZEIS.

14 = Novas zonas na periferia

Foram criados dois novos tipos de zonas na capital, ambas nas regiões periféricas da cidade. As zonas mistas de interesse social e as zonas de centralidade vão permitir que comércios e serviços ocupem áreas hoje voltadas para população de baixa renda.

10 perguntas e respostas sobre a nova lei de zoneamento de SP

1. Como ficam no novo zoneamento as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) previstas no Plano Diretor Estratégico (PDE)?

O regramento de ZEIS estabelecido no PDE permanece exatamente como foi previsto. Quanto ao rebatimento territorial foram feitos ajustes de perímetros, exclusões pontuais, com compensações e inserções de novas ZEIS bem como a previsão dos serviços de administração pública serem implantados nestas zonas, tal como previsto no PDE para outros serviços públicos.

2. Meu terreno está localizado em uma ZEIS. Posso ser desapropriado?

A desapropriação é um instrumento que pode ocorrer para implantação de melhorias urbanísticas: corredores de ônibus, produção de Habitação de Interesse Social (HIS), abertura de viário, parques, entre outros. Sua aplicação não está vinculada à existência de uma ZEIS, podendo ocorrer em qualquer zona. Vale lembrar que as desapropriações ocorrem somente em locais onde existe um decreto de utilidade pública ou decreto de interesse social com previsão da ação pública a ser executada envolvendo a devida indenização. Logo, um proprietário de terreno em ZEIS não será necessariamente desapropriado.

3. Quem promove a transformação da ZEIS?

Nas ZEIS 1, é o poder público que promove o plano de urbanização, envolvendo sempre a comunidade local. Nos demais tipos de ZEIS, a transformação ocorre do mesmo modo como ocorre nas demais zonas: são iniciativas de agentes privados, que adquirem terrenos por meio da compra direta, para promoverem projetos de interesses diversos, mas sempre respeitando as regras das ZEIS. E caso utilizem recursos de programas habitacionais federais, estaduais ou municipais, devem obedecer as regras desse programas.

4. O novo zoneamento flexibiliza os usos não residenciais nas Zonas Exclusivamente Residenciais (ZER)?

Não. Nas ZER somente os usos residenciais são permitidos, havendo algumas exceções, como no caso dos usos institucionais na implantação de novos loteamentos e a atividade museu. Vale lembrar que as zonas corredores são constituídas por lotes localizados nas ZER que são lindeiros a vias com fluxo viário mais intenso. As zonas corredores que constam da proposta foram demarcadas a partir dos corredores existentes (Zonas Centralidade Linear em ZER) com adição de alguns novos trechos de vias.

5. O lote máximo varia conforme a zona?

Sim. Algumas zonas estabelecem o limite de 500m² (Zona de Desenvolvimento Econômico - ZDE), outras de 10 mil m² (Zona Exclusivamente Residencial - ZER, Zona Predominantemente Residencial - ZPR, e Zona Corredor - ZCor), a maior parte delas o limite de 15 mil m² e algumas delas o limite não se aplica, como na Zona Especial de Proteção Ambiental (ZEPAM).

6. O lote máximo incide para todos os usos?

Não. Ficam isentos do atendimento do lote máximo: praças e parques públicos; os usos classificados nos grupos de atividade de serviços públicos sociais; aqueles classificados na subcategoria de uso INFRA; base militar; corpo de bombeiros e similares; cemitérios; clubes esportivos e clubes de campo; estádios; usos classificados na subcategoria de uso Ind-2; dentre outros casos.

7. A Cota Ambiental incide em todos os lotes?

Não. Somente para os lotes com área superior a 500 m², excluídos os lotes localizados inseridos nas Macroáreas de Contenção Urbana e Uso Sustentável e de Preservação dos Ecossistemas Naturais.

8. E a taxa de permeabilidade?

Sim, para todos os lotes em função do perímetro de qualificação ambiental em que se localizam e da área do lote, inclusive para os lotes inseridos nas Macroáreas de Contenção Urbana e Uso Sustentável e de Preservação dos Ecossistemas Naturais, pois a Zona Especial de Proteção Ambiental (ZEPAM), Zona de Preservação e Desenvolvimento Sustentável Rural (ZPDSr), Zona de Preservação e Desenvolvimento Sustentável (ZPDS) e Zone Exclusivamente Residencial (ZER) têm taxas de permeabilidade específicas.

9. Como fica o número mínimo obrigatório de vagas de estacionamento no novo zoneamento?

Fica dispensado para usos residenciais e obrigatório para usos não residenciais com as seguintes exceções: lotes com áreas até 250m² não precisam atender o número mínimo de vagas para usos não residenciais; lotes com área até 250m² não precisam atender a vaga para carga e descarga, exceto quando localizados nas Macroáreas de Urbanização Consolidada e de Estruturação Metropolitana (alguns subsetores), onde permanece a obrigatoriedade.

10. Como ficam as restrições contratuais e convencionais dos loteamentos?

As restrições convencionais e contratuais referentes a dimensionamento de lotes, recuos, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, altura e número de pavimentos das edificações deverão ser atendidas quando mais restritivas que as regras estabelecidas na Lei de Uso e Ocupação do Solo, apenas para a Zona Exclusivamente Residencial (ZER), a Zona Corredor (Zcor) e Zona Predominantemente Residencial (ZPR).

Folha de SP

Proposta de zoneamento cede aos interesses imobiliários, diz urbanista

O zoneamento proposto é subserviente aos interesses imobiliários e do capital e deveria ter sido decidido pela população, em um processo de discussão mais longo que aquele conduzido pela Prefeitura de São Paulo antes da apresentação do projeto de revisão do uso e ocupação do solo entregue nesta terça-feira (2) na Câmara dos Vereadores por Fernando Haddad (PT).

Para o urbanista e ex-professor da Faculdade de Arquitetura de Urbanismo da USP Luiz Carlos Costa, 79, a proposta "não dá indícios de que vá neutralizar as tendências desastrosas da cidade", sintetizadas na crise nos setores de transporte e de habitação. "Se São Paulo se deixar guiar pela lógica do mercado imobiliário, vão se agravar todos os problemas que já tornaram os cidadãos vítimas da própria cidade."

Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.

Folha - Como o Sr. avalia a proposta de revisão da lei de zoneamento?

Luiz Carlos Costa - A proposta dá concessão ao setor imobiliário de construir edifícios em áreas muito extensas, praticamente dobrando o adensamento anteriormente permitido. Isso é feito em um contexto de crise urbana, particularmente de transporte e de habitação. Ou seja, essa concessão vai implicar num agravamento dos problemas críticos da cidade. Ficarão comprometidas as questões de mobilidade, de habitabilidade e do meio ambiente. Seria necessário alterar o processo de produção da cidade, que é orientado para o interesse econômico, do capital imobiliário, que quer fazer o máximo possível de empreendimentos lucrativos, independente dos efeitos que eles causam para indivíduos e para a coletividade.

Quais são esses efeitos?

A grande necessidade da cidade é controlar o processo urbano em benefício dos interesses coletivos essenciais de qualidade de vida e eficiência técnica, algo que é condicionante do desenvolvimento econômico e social da cidade. Qualquer analista urbano sabe que São Paulo não está num processo tranquilo de crescimento e reorganização. A situação tende a piorar, e essa proposta de zoneamento não dá indícios de que vá neutralizar essas tendências desastrosas da cidade. Ao contrário, vai conceder novos benefícios para o setor imobiliário produzir em regiões já congestionadas e saturadas, sem enfrentar esses problemas e sem nenhuma defesa para o conjunto da população, que é consumidora da cidade. É a ditadura do processo produtivo imobiliário mais interessado em oportunidades de acumulação do capital.

O que precisaria ser considerado?

Sabe-se que esses empreendimentos que convêm ao setor imobiliário, que são os mais volumosos e verticais, vão produzir demanda por todos os serviços públicos, particularmente de transporte. Isso só é possível de ser acomodado numa perspectiva de transformação radical da estrutura urbana, o que não está posto. Portanto, os problemas serão agravados tanto para os que conseguem ficar nessas áreas adensadas como para as populações que são expulsas sistematicamente para as áreas periféricas, já que esses empreendimentos tem viés elitista, que é o perfil mais rentável.

A demarcação de Zonas de Interesse Social (Zeis) em áreas do centro expandido não contornam o problema da expulsão de populações mais vulneráveis?

As Zeis demarcadas não são desprezíveis, mas precisam ser aperfeiçoadas e ampliadas. Se está oferecendo habitação popular em áreas precárias e distantes, acelerando o processo de periferização, o que significa perpetuar a obrigação dos trabalhadores de menor renda de gastarem uma parcela enorme do seu tempo nas conduções e no deslocamento. A fatalidade é essa: nas áreas mais atraentes, vai haver um esforço de autodefesa dos condomínios em relação aos problemas ligados à segurança enquanto o grosso da população estará condenado a viver nesse espaço de exclusão.

Como o Sr. avalia a ampliação dos usos comerciais em corredores localizados nas zonas residenciais?

 

Esse projeto procura reduzir a extensão e a qualidade de vida interna desses bairros, permitindo a invasão do comércio e dos fluxos de transporte de passagem. Como são zonas importantes qualitativamente mas desimportantes quantitativamente, seria razoável deixar esses bairros como estão e cuidar da recuperação dos bairros de classe média, impedindo a invasão das frentes imobiliárias que criam problemas insolúveis na medida em que elas não são acopladas a uma ação pública capaz de multiplicar infraestrutura, serviços e equipamentos sociais.