06/11/2013 12:00 - Estadão
RIO - Um País com 11.149 moradias fincadas em aterros sanitários, lixões e áreas contaminadas, 27.478 casas erigidas nas imediações de linhas de alta tensão, 4.198 domicílios perto de oleodutos e gasodutos, 618.955 construções penduradas em encostas. Sinais de precariedade, informalidade, improvisação e até perigo, em graus variados, ajudam a formar o retrato do Brasil desenhado pela pesquisa Aglomerados Subnormais - Informações Territoriais, divulgados nesta quarta-feira, 6, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O trabalho, uma espécie de mapa das habitações pobres e/ou à
margem dos serviços públicos do Brasil - favelas, mocambos, loteamentos e
outros - baseia-se no Censo 2010 e aponta, naquele ano, 3.224.529 domicílios
particulares ocupados por 11.425.644 pessoas nessas áreas à margem das regras
do planejamento urbano.
Para fins de pesquisa, um aglomerado subnormal é definido
como "uma área ocupada irregularmente por certo número de domicílios,
caracterizada, em diversos graus, por limitada oferta de serviços urbanos e
irregularidade no padrão urbanístico", diz o trabalho.
"É um conjunto de no mínimo 51 unidades habitacionais
carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo
ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou
particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa."
Os aglomerados são caracterizados por ocupação ilegal (atual
ou recente) da terra (quando existente, título de propriedade há menos de dez
anos), urbanização fora dos padrões e/ou precariedade de serviços essenciais.
"A pesquisa foi aplicada no País inteiro, mas em 323
municípios foram detectados aglomerados subnormais", explicou Maria Amélia
Vilanova Neta, técnica da Coordenação de Geografia do IBGE. As Regiões Sudeste
e Nordeste concentram a maior parte dos domicílios em aglomerados subnormais,
constataram os pesquisadores do IBGE.
O trabalho apontou, nessas cidades, 6.329 aglomerados
subnormais - para fins estatísticos, reuniram os dados de 15.868 dos cerca de
317 mil setores em que o País foi dividido para o Censo 2010. Isso não quer
dizer que não haja moradias precárias em outros municípios, mas que apenas nos
primeiros sua quantidade foi suficiente para se enquadrar nos critérios de
pesquisa do IBGE.
Em números menores, domicílios com essas características são
assunto de instituições estaduais ou municipais, por isso não entram nas contas
federais. Mesmo assim, é possível afirmar que a maior parte das moradias do
Brasil com essas características precárias e/ou informais foi mapeada no
estudo.
Perfil. A
pesquisa constatou que 77% dos domicílios dessas áreas de moradia informal,
precária, pobre e/ou com serviços precários ficavam, em 2010, em Regiões
Metropolitanas com mais de 2 milhões e habitantes. O IBGE descobriu ainda que
59,4% da população de aglomerados subnormais estava em cinco RMs: São Paulo
(18,9%), Rio de Janeiro (14,9%), Belém (9,9%), Salvador (8,2%) e Recife (7,5%).
Outros 13,7% acumulam-se em outras quatro RMs: Belo Horizonte (4,3%), Fortaleza
(3,8%), Grande São Luís (2,8%) e Manaus (2,8%). Essas nove RMs abrigam 73,1% da
população de áreas informais identificadas na pesquisa.
Em seu levantamento, o IBGE constatou que a imagem da favela
carioca pendurada em uma elevação íngreme não é o perfil majoritário desse tipo
de área no País. A pesquisa constatou que 1.692.567 (52,5%) dos domicílios em
aglomerados subnormais do País estava em áreas planas; 862.990 (26,8%) em
aclive/declive moderado; e apenas 68.972 (20.7%) em aclive/declive acentuado.
Curiosamente, foi na Região Metropolitana de São Paulo que
os pesquisadores do IBGE encontraram mais domicílios em áreas com predomínio de
aclive/declive acentuado (166.030). Em seguida, veio a RM de Salvador
(137.283). A Região Metropolitana do Rio de Janeiro é apenas a terceira nesse
quesito, com 103.750.
Entre as regiões nacionais, o Centro-Oeste se destacou com
47% de seus domicílios em aglomerados subnormais situados em áreas de aclive
moderado, enquanto Nordeste e Sudeste tinham 25%, cada um, em aclive acentuado.
Nos aglomerados subnormais com predomínio de áreas planas,
observou-se uma significativa predominância de construções de um pavimento,
quadras com lotes regulares e vias de circulação que permitiam a passagem de
caminhões e carros", afirma o texto. "Este padrão de aglomerado
subnormal é o mais característico, por exemplo, no município de Macapá, que
possui também grande espaçamento entre as construções." Já em áreas com
predomínio de aclives/declives moderados ou acentuados, o IBGE detectou forte
correlação com a predominância de construções de mais de um pavimento, baixa
presença de arruamento (predominantemente becos e vielas), com predomínio de
locomoção através de bicicleta/a pé ou motocicletas e de edificações sem
espaçamento.
"Na Região Metropolitana do Rio (...), foram identificados
muitos exemplos de aglomerados subnormais que reuniram tais
características", diz o estudo.
O levantamento do IBGE constata que 51,8% dos domicílios em
aglomerados subnormais ficavam em localidades onde as vias eram,
predominantemente, ruas (pelas quais era possível passar automóvel ou
caminhão). No Nordeste e no Sudeste, porém, predominavam escadarias, becos,
travessas e rampas - em correlação com a forte presença de aclives e declives
moderados e acentuados. As RMs de São Paulo e do Rio de Janeiro tinham metade
dos domicílios com acesso predominante por becos e travessas.
Córregos e rios."Em termos nacionais, a grande maioria dos domicílios em aglomerados subnormais do País apresentou predominância de nenhum espaçamento entre as construções (72,6%) e de verticalização de um pavimento (64,6%)", observa o estudo. "Nas Regiões Metropolitanas de Natal e Maceió, esse foi o padrão predominante em mais de 90% dos domicílios pesquisados."
Em termos regionais, porém, há variações. No Norte, Sul e
Centro-Oeste, a predominância nos domicílios de aglomerados subnormais é de
domicílios com espaçamento médio entre si e construções de um pavimento. Assim
são mais de 90% das construções encontradas em Rio Branco e Porto Velho, por
exemplo. No Nordeste e Sudeste, porém, há maiores porcentuais de domicílios
predominantemente sem espaçamento entre si e com dois ou três pavimentos.
"Exemplos desse padrão de ocupação foram encontrados
nas Regiões Metropolitanas do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Estas
regiões apresentaram uma expressiva quantidade de setores de aglomerados
subnormais em áreas não propícias à urbanização regular, como encostas, em
locais onde o solo possui menor valorização", observa o estudo.
Outra constatação do IBGE é que os sítios mais procurados
para o estabelecimento dos aglomerados subnormais é a margem de córregos, rios
ou lagos/ lagoas, com 12% dos domicílios do País. A liderança nesse ponto é da
Região Metropolitana de São Paulo, com 148.608 domicílios nessa condição.
SP tem 19% do total
de 'aglomerados subnormais'
RIO - Por região metropolitana do País, com 39 municípios,
São Paulo concentra a maior parte dos domicílios particulares ocupados em
aglomerados subnormais (596.479, ou 18,9% do total), onde moram 2.162.362
pessoas (17%).
Dois terços (66%) dessas construções à margem da cidade
legal ficam na capital, seguida de Guarulhos (10,7% dos domicílios), Santo
André e São Bernardo do Campo (8% das residências) e Osasco (3,9%). Seu padrão
de ocupação é basicamente periférico, embora haja, na região central
paulistana, "pequenas áreas dispersas" de ocupação precária/informal,
demonstra o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na pesquisa
Aglomerados Subnormais - Informações Territoriais, com base em números do Censo
2010, divulgada nesta quarta-feira, 6.
"São Paulo teve ocupação pelos aglomerados mais na
periferia do que salpicada em seu tecido urbano", explicou Maurício
Gonçalves da Silva, pesquisador da Coordenação de Geografia do IBGE.
Pesquisadores do IBGE dividiram a área em quatro grandes
pedaços, todos partindo da capital e avançando na direção dos municípios da
periferia paulistana, para analisar o fenômeno dos aglomerados subnormais em
São Paulo.
A primeira região identificada pelo estudo, ligada aos
primeiros ocupantes, fica no centro paulistano, onde se concentram os distritos
com maiores densidades de domicílios em setores censitários de aglomerados
subnormais da Região Metropolitana de São Paulo. São áreas de pequeno porte e
densamente ocupadas (em média, 300 domicílios por hectare). Na região leste,
está a segunda área da pesquisa que incluiu Guarulhos e Itaquaquecetuba.
No sul da capital paulista, projeta-se a terceira região dos
aglomerados subnormais da Região Metropolitana do Estado, que avança para
Diadema, São Bernardo do Campo, Santo André e Mauá. O destaque é para o
aglomerado subnormal Cantinho do Céu, que se divide em várias partes numeradas
diferentemente.
"Cantinho do Céu I, por exemplo, apresentou
predominantemente domicílios de um pavimento, sem espaçamento entre si,
acessíveis por ruas e becos, e regularidade de lotes e ruas na menor parte dos
setores. Sua localização predominantemente é às margens da represa de
Guarapiranga", diz o estudo.
É no Cantinho do Céu que o mecânico Valdemir Vieira (na foto
acima com a mulher), de 33 anos, mora desde 2004. Cansado de ver sua casa, que
fica em um nível abaixo das outras, encher toda vez que chovia ele mesmo cavou
uma espécie de canal. "Represava muita água aqui. Até hoje toda vez que
chove, eu tenho que limpá-lo para que a água escorra", disse. Ele mora com
a mulher Ana Geralda de Lemos, de 35 anos, em uma rua de terra que dá acesso à
Represa Billings.
O acesso até a casa é difícil e o casal reclama que o
asfalto ainda não chegou por ali. "Falta um representante aqui da
comunidade. Os políticos só vêm em época de eleição e falam de possíveis
soluções que não chegam", afirma Valdemir que se juntou com alguns
moradores para pôr concreto no chão da rua enquanto o asfalto não chega.
Para Ana Geralda, falta informação por parte das
autoridades."Instalaram o relógio de água e nós temos luz, mas não são
todas as casas que tem esses serviços. A gente fica sem entender o que vai
acontecer aqui no Cantinho", diz Ana Geralda.
Meio ambiente. No
estudo divulgado nesta quarta, o IBGE também constatou que a Região
Metropolitana da São Paulo concentrava a maior quantidade de domicílios de
aglomerados subnormais localizados predominantemente em aterros sanitários,
lixões e outras áreas contaminadas (1.984); de habitações perto de gasodutos,
oleodutos (2.282); e de linhas de transmissão (10.816).
"A ocupação permanente também é proibida em áreas de
preservação ambiental, devido a seus impactos negativos sobre o meio ambiente.
Esse é o caso das ocupações em Unidades de Conservação. A Região Metropolitana
de São Paulo se destaca como o local que possuía o maior quantitativo de domicílios
em áreas predominantemente nesse tipo de sítio", afirma o texto.
Rio tem 4 de 5
domicílios subnormais na capital
Quatro em cada cinco domicílios em aglomerados subnormais na
Região Metropolitana do Rio ficavam na capital, constataram pesquisadores do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na pesquisa Aglomerados
Subnormais - Informações Territoriais, baseada no Censo 2010 e divulgada nesta
quarta-feira, 06.
O trabalho afirma que estavam na cidade do Rio de Janeiro
82% (426.965 dos 520.260) das residências nessas áreas à margem da cidade. E
desfaz um mito: o de que as regiões de ocupação irregular carioca estão
majoritariamente em encostas. De acordo com o trabalho, mais da metade dos
domicílios em aglomerados subnormais da capital está em áreas planas.
"Para o Rio, o que a gente observou é que esse padrão
(aglomerados subnormais em morros) não é majoritário", disse Maria Amélia
Vilanova Neta, Maria Amélia Vilanova Neta, técnica da Coordenação de Geografia
do IBGE. "No Centro e parte da zona norte e na zona sul, a gente tem
topografia mais acidentada, com encostas e domicílios mais densos, mais
próximos entre si e com verticalização maior. Na outra parte da zona norte, ao
longo da Avenida Brasil, e na zona oeste, tem outro padrão, mais plano e com
verticalização não tão elevada. Desmistificamos um pouco aquela coisa de favela
no Rio ter morro."
Como em São Paulo, a história ajuda a compreender as
diferenças nas ocupações, por aglomerados subnormais no Rio. Nas áreas mais
antigas, ocupadas primeiro (zona sul, Centro e zona norte próxima das áreas
centrais), predominavam em 2010 favelas menores, em morros - áreas que ficaram
livres da ocupação mais caras das áreas regulares, na cidade regular.
As exceções são algumas favelas grandes, como Rocinha,
Vidigal, Borel, Coroa/Fallet/Fogueteiro, São Carlos. Ocupando no alto a área
que "sobrou" da expansão da população mais rica e de classe média, lá
embaixo, os moradores mais pobres se estabeleceram em casas predominantemente
de dois ou três pavimentos, "coladas" umas às outras e com becos,
travessas ou escadarias basicamente como vias de acesso.
Para o norte da cidade, seguindo a expansão das linhas
férreas e a Avenida Brasil, estabeleceram-se grandes aglomerados subnormais nos
Complexos do Alemão, Maré, Lins, Manguinhos e na favela do Jacarezinho. Embora,
proporcionalmente, as ocupações em morros tenha sido predominante, a região tem
grandes áreas com aglomerados predominantemente planos, como Vigário Geral,
Ramos e Maré, "onde mais de 80% dos domicílios encontravam-se em áreas
planas", diz o estudo. Nessas regiões, com densidade de ocupação elevada,
predominaram construções sem espaçamento de dois e mais pavimentos e vias que
não permitem a circulação de carros e caminhões.
Já na zona oeste, eixo de expansão urbana mais recente,
ocupações menores e mais dispersas de estabeleceram. As exceções foram
aglomerados de grande porte, como Rio das Pedras, em Jacarepaguá, e o conjunto
de aglomerados da Fazenda Coqueiro, em Bangu. Na região, com densidade de
ocupação menor, há domicílios com espaçamento médio entre as construções, com
um ou dois pavimentos e ruas que permitem carros e caminhões.
"Nos subdistritos localizados na zona oeste da cidade,
por exemplo, mais de 80% dos domicílios em aglomerados subnormais estavam em áreas
predominantemente planas", diz o estudo.
O IBGE também identificou grandes concentrações de
aglomerados subnormais nas cidades de Niterói, Duque de Caxias, São João de
Meriti e Belford Roxo. "O padrão de verticalização predominante
identificado na maior parte dos municípios da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro foi o de construções de um pavimento. Porém nos Municípios do Rio de
Janeiro e de Niterói, que concentravam o maior número de domicílios em
aglomerados subnormais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o padrão das
construções era predominantemente mais verticalizado com alta ocorrência de
domicílios de dois ou mais pavimentos", afirma o trabalho.
IBGE: Belém tem o
maior foco de favelas na área urbana
Das cinco principais regiões metropolitanas do Brasil, a de
Belém, com seis municípios e 2,1 milhões de habitantes, é a que tem maior
proporção de aglomerados subnormais em seu espaço urbano, segundo a pesquisa
"Aglomerados Subnormais - Informações Territoriais", baseada no Censo
2010. Mais da metade de sua população vivia nessas áreas em 2010.
A capital concentra maior número de domicílios nessas
condições, 66%, e eles tendem a ocupar terrenos de grande extensão. A área
central da cidade é a de melhor oferta de serviços e infraestrutura e é a mais
valorizada também por ser seca (a região é cortada por rios, riachos e canais).
Os aglomerados fixaram-se primeiro nas proximidades do
centro, e mais recentemente em bairros mais distantes, destinados à habitação
pelo governo, porém de estrutura menos desenvolvida. São comunidades muito
adensadas, com pouco espaçamento entre as residências.
As casas mais precárias, em geral palafitas, ficam em áreas
alagadas, para as quais a população mais pobre foi "empurrada" por
causa do alto preço do metro quadrado nas zonas mais nobres. Em períodos de
chuva, a água invade as residências, que não contam com saneamento básico. Os
moradores são, em grande parte, migrantes que se deslocam do interior do Pará
para Belém em busca de emprego.
Marituba, cidade-dormitório da Região Metropolitana, tem a
mais elevada proporção de moradores em aglomerados subnormais do País: 77,2% da
população. É um município de alta densidade demográfica e que exporta sua
mão-de-obra para Belém, distante onze quilômetros, por não oferecer postos de
trabalho suficientes.