08/05/2020 09:12 - Folha de SP
Moradora de Los Angeles há cinco anos, a pesquisadora Juliana Torres, 30, estava acostumada a levar o cachorro a uma área para animais na vizinhança que ficava quase sempre deserta.
Isso mudou no período de quarentena por conta do coronavírus. “Antes via raramente um ou outro dono por lá. Agora vejo cinco, seis pessoas usando o espaço todas as vezes. Mas mantendo distância”, conta.
A explicação é uma questão de espaço: em Los Angeles, as calçadas são estreitas mesmo em avenidas famosas, o que dificulta o distanciamento social até para quem leva o cachorro para passear.
Por isso, os moradores organizaram uma campanha para pedir que a prefeitura fechasse algumas ruas para os carros, deixando o asfalto livre para quem quer caminhar ou pedalar —seja por lazer ou para ir trabalhar sem usar o transporte público.
“Se todos os vizinhos saírem para andar ou correr, não há espaço nas pequenas calçadas para que cada pedestre fique longe dos outros. É preciso ficar ziguezagueando entre a rua, onde carros passam em alta velocidade, e a calçada lotada. Os angelinos não deveriam ter de enfrentar esses obstáculos", pediu o jornal Los Angeles Times, em um editorial no qual defendeu o fechamento das vias.
Reticente aos apelos, o prefeito Eric Garcetti (democrata) diz temer que o fechamento de ruas possa gerar aglomerações e, assim, ajudar a espalhar a doença. "Temos que ser extremamente cuidadosos com isso", afirmou à mídia local.
Mas a abertura de ruas para pedestres durante a quarentena foi adotada em ao menos seis outras cidades da Califórnia em abril: Palo Alto, Oakland, Redwood, San Diego, San Francisco e San Mateo. Em outras partes do país, Boston, Denver, Minneapolis e Nova York criaram ações similares.
As mudanças são rápidas e baratas: basta colocar cones, cavaletes e placas temporárias. Se não der certo, é fácil voltar ao que era antes. Se funcionar, pode ser expandida facilmente.
Os bloqueios aos carros devem durar enquanto o período de isolamento for mantido. Na Califórnia, essa fase deve seguir ao menos até meados de maio. No entanto, ativistas pedem que a ideia seja prorrogada.
"Esta pausa tem permitido aos moradores a chance de ouvir, ver e sentir o que um potencial futuro com menos carros nas ruas pode parecer", escreveu Jonathan Berk, diretor na startup Patronicity, que elabora projetos de requalificação urbana.
Berk cita uma outra crise que motivou mudanças: o choque do preço do petróleo nos anos 1970, que levou o governo da Holanda a estimular o uso da bicicleta. O país se tornou referência nesse assunto.
A costa oeste americana, onde fica a Califórnia, foi urbanizada ao longo do século 20, quando o uso massivo do carro particular era visto por muitos como o futuro ideal. Assim, o desenho das cidades foi feito, desde o início, para priorizar os deslocamentos motorizados, com moradia, trabalho e lazer distantes uns dos outros.
“O comum por aqui é fazer exercícios em academias longe de casa. Para atividades ao ar livre, pega-se o carro para ir até a praia ou aos parques naturais, que ficam nos arredores da cidade. Como eles estão fechados agora, a única opção para estar ao ar livre é andar nas ruas”, conta Juliana.
A chegada do verão ao hemisfério norte, em junho, e o aumento do calor nas últimas semanas também estimulam as pessoas a fazer exercícios ao ar livre. “Muita gente segue achando que o verão será normal e quer ficar em forma”, comenta.
Ainda é cedo para dizer se a presença de pedestres nas ruas da Califórnia seguirá maior após a pandemia. Em Nova York, onde andar é uma prática consolidada —e inclusive uma atração turística—, trechos da região de Times Square foram fechados para a circulação de automóveis a partir de 2009, mas a expansão da ideia para outras partes da cidade é lenta, com idas e vindas.
Por outro lado, a provável ampliação do home office após a pandemia fará com que os moradores fiquem mais tempo em seus bairros e, assim, possam querer explorá-lo e fazer mais coisas pé ou de bicicleta, sem precisar dirigir.
“Depois de tanto tempo confinadas em casa, não acho que as pessoas vão querer ir para outros lugares fechados, como um shopping. As cidades terão de pensar em formas para atender a esses novos usos do espaço urbano”, avalia Luis Antonio Lindau, diretor do programa de Cidades do instituto WRI Brasil.
Lindau, no entanto, também aponta um risco: se a crise de saúde se prolongar, pode haver um estímulo para a compra de carros e motos, por serem mais seguros contra contaminações do que o transporte público. “O preço da moto no Brasil é muito atrativo, mas seu risco de segurança é imenso, com milhares de mortes de motociclistas por ano”, alerta.