Camelôs aproveitam brecha e falta de fiscalização e invadem as estações do Move

11/05/2015 08:14 - Estado de Minas

Sob pressão da fiscalização nas ruas, o comércio de produtos alimentícios praticado pelos camelôs encontrou nas estações do BRT/Move em Belo Horizonte um terreno fértil. Beneficiados pelo movimento constante de passageiros do sistema, que fez um ano em março, eles vendem balas, chocolates, outras guloseimas, água e até produtos como acessórios para celular, atividade que é proibida pelo regulamento do transporte coletivo e pelo Código de Posturas de BH. Fiscais da prefeitura admitem que, como os terminais são fechados, têm mais dificuldade para atuar, mesmo com a Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização informando que as estações são extensões das ruas e como tal devem ser fiscalizadas. Não foi o que constatou a equipe do Estado de Minas, que encontrou ambulantes em todos os tipos de terminais da capital: nos de integração, os maiores do sistema; nas cabines de transferência, ao longo das avenidas Pedro I, Antônio Carlos e Cristiano Machado; assim como nos módulos maiores, nas avenidas Paraná e Santos Dumont.

Depois da grande ação de retirada dos camelôs dos espaços públicos da capital, no início dos anos 2000, a pressão pela volta do comércio clandestino ocorre em diversos setores. No caso do transporte público, o que se percebe é que os ambulantes atuam na brecha deixada pela administração do sistema, que não providenciou estruturas para venda de alimentos aos passageiros. Atualmente, o BRT/Move tem quatro estações de integração: Venda Nova, Vilarinho, Pampulha e São Gabriel. Na Pampulha, ambulantes chegam a montar pequenas bancas, sempre perto de pilastras. Nelas, mantêm o estoque, que normalmente varia entre balas, chicletes, chocolates, chips e outros. Mas também há venda de quinquilharias e outros tipos de guloseimas. Um dos camelôs foi visto próximo às escadas rolantes da estação vendendo carregadores para celular. Outro anunciava picolés nas plataformas das linhas alimentadoras. Bem ao lado, outro vendedor abordou a equipe de reportagem oferecendo doces caseiros. Já no terminal São Gabriel não é necessário passar pelas catracas para chegar aos passageiros. A configuração do terminal permite que se ande pelo lado de fora até as grades, encontrando clientes dispostos a pagar por alimentos.

Já na Estação São Paulo da Avenida Santos Dumont, no Centro, um vendedor aproveita o movimento das 17h para circular sem ser incomodado no terminal. Quando um ônibus chega, ele vai até as portas e aguarda a passagem das pessoas. A alguns quarteirões dali, um colega oferece água gelada em uma caixa de isopor aos usuários da Estação Carijós da Avenida Paraná. Questionada, uma das agentes, que pede anonimato, diz que nada pode fazer. "Normalmente, eles desembarcam dos ônibus. Ficam rodando e param por aqui, pela concentração de pessoas, maior no Centro. Como vamos largar as catracas para falar alguma coisa?”, diz a funcionária da Transfácil, responsável pela bilhetagem.

Uma fiscal integrada da PBH, responsável pelo monitoramento de camelôs, diz que atuar nas estações acaba atrasando o trabalho, já saturado. "Encontramos muitas dificuldades em fiscalizar as ruas da cidade. Para entrar nas estações há toda uma burocracia, é necessário pedir autorização. Somos poucos fiscais para muitas demandas”, afirma ela, que não quis se identificar. Para o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos de Belo Horizonte (Sindibel), Israel Arimar, pelo fato de as estações serem fechadas, o mais certo seria usar vigilância particular. "Primeiro, temos que lembrar que a fiscalização não vai resolver o problema, porque demandaria um fiscal em cada um dos terminais e não há efetivo para isso. Como há empresas que exploram o serviço de ônibus, o mais certo seria ter seguranças nesses lugares”, afirma o presidente do sindicato.

Em nota, a BHTrans afirma que cabe à Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização (Smafis) o controle do comércio informal nas estações. A empresa diz ainda que funcionários da Smafis estão presentes no Centro de Operações da Prefeitura de BH e têm acesso às imagens das câmeras de segurança dos terminais do Move, podendo direcionar as ações para locais onde ocorrem as infrações. A empresa esclarece também que cabe punição aos consórcios cujos funcionários não impedirem o comércio dentro dos ônibus, apesar de não informar os dados de multas por esse motivo.

O que diz a lei

O Código de Posturas de Belo Horizonte (Lei 8.616/2003) diz que o comércio em espaço público sem licença da prefeitura é proibido. A multa pelo descumprimento pode chegar a R$ 1.612,50, além da apreensão das mercadorias e utensílios usados no comércio. O regulamento do transporte público da capital mineira, que é regido pelo Decreto 13.384/2008, também veta o comércio ambulante ou a mendicância dentro dos ônibus. Nesse caso, as empresas cujos empregados permitirem essas atividades podem ser punidas com advertência e multa de R$ 103,51 a partir da primeira reincidência.

Invasão de vendedores conta com tolerância popular

Investida de ambulantes nas estações do Move, embora às vezes provoque insegurança, não é repudiada por usuários, que sentem falta de estruturas apropriadas de venda nos terminais

Encorajados pela falta de estrutura para oferta de produtos alimentícios nas estações do BRT/Move de Belo Horizonte, os camelôs invadiram esses espaços e conquistaram a tolerância da população que usa os terminais diariamente. Como os passageiros não encontram lanchonetes ou outros tipos de comércio nos terminais, acabam encontrando nos ambulantes uma prestação de serviços conveniente. E, como normalmente não são incomodados, os usuários do transporte não questionam a atividade, que é proibida por lei. As exceções ocorrem apenas quando os vendedores clandestinos transmitem uma sensação de insegurança, pois pulam para as estações sem passar pela roleta.

As duas estações de integração do BRT/Move da Região de Venda Nova contam com estrutura para atender passageiros. A Estação Vilarinho tem um shopping, embora ele não fique perto das plataformas de embarque e desembarque. A Estação Venda Nova conta com pontos de venda de alimentos e outros produtos. Já na Estação São Gabriel, as únicas possibilidades de compra estão próximas ao acesso ao metrô, relativamente distantes das plataformas do BRT. Na Pampulha não há nenhuma estrutura oficial para oferta de produtos. O projeto prevê um restaurante e estabelecimentos comerciais, mas essa parte ainda não foi concluída, atraso que os ambulantes agradecem. A Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) informa que a previsão de término da obra é para este semestre.

Um dos vendedores de balas e outras guloseimas que atuam na Estação Pampulha argumenta que eles estão ali porque o passageiro não tem oferta no local. "Quem chega aqui não tem uma loja para comprar nada. A gente tenta trabalhar de uma forma organizada, sem atrapalhar o caminho de ninguém, e acho que deveríamos ter uma chance”, diz, evitando se identificar. A cozinheira Venisa Adriana Damasceno, de 48 anos, usa o terminal com frequência e não vê problema na presença dos camelôs. "Estão trabalhando de forma honesta. Imagina se você chega com uma criança e precisa de alguma coisa? As vezes, eles podem ajudar, já que aqui não tem nada”, constata.

A estudante Mariana Magalhães, de 18, diz que as pessoas sentem falta de opções de alimentação, porque muitas vezes estão com pressa e saem de casa sem tempo para fazer um lanche. "É a questão da falta de oferta. Não vejo problema no trabalho dos ambulantes, devido a essa ausência de opções”, diz. A opinião é compartilhada pela cabeleireira Zelia Almeida Silva, de 51. "Não me incomoda em nada, até porque na Estação Pampulha eles não atrapalham ninguém. Já que não temos absolutamente nada aqui, viram uma opção”, argumenta.

INVASÃO

Apesar de a maioria das pessoas não se incomodar, as atitudes de alguns camelôs acabam disseminando uma sensação de insegurança. Na Estação Silviano Brandão, que fica na Avenida Cristiano Machado, o EM flagrou um grupo vendendo balas. Segundo um dos funcionários da bilheteria, a turma costuma entrar no terminal sem pagar a passagem. "Eles pulam por um vão que existe próximo das pilastras que sustentam o viaduto e é protegido apenas por uma grade baixa”, diz o funcionário.

Depois, ficam com os produtos sentados no chão ou apoiados nos corrimãos da estação. "O fato de entrarem sem pagar e ficar todos juntos no chão ou nas grades dá um certo medo. Até hoje nunca tive problemas, mas que a gente fica com um pé atrás, isso fica, principalmente com a violência que temos presenciado atualmente”, diz a manicure Janaína Gonçalves, de 32, que usa a Estação Silviano Brandão três vezes por semana. A Regional Nordeste da Prefeitura de BH informou apenas que tem fiscalizado a presença de ambulantes no terminal, por meio do projeto Patrulha Fiscaliza BH.

Sindicalista teme volta da desordem com ação de ambulantes

Redução do quadro de fiscais é um problema que pode abrir brecha para o retorno dos vendedores

A presença dos camelôs nas ruas de Belo Horizonte é uma situação que preocupa o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte (Sindibel), Israel Arimar. Ele acredita que a diminuição do quadro de fiscais é um problema que pode abrir brecha para o retorno dos ambulantes para as vias da capital mineira de uma forma desordenada, como no início dos anos 2000. "Hoje temos uma insuficiência de fiscais, o que pode motivar o retorno da ocupação irregular. Isso seria um retrocesso, porque depois de décadas BH conseguiu controlar os camelôs, tornando-se uma das cidades mais organizadas do país em termos de ocupação”, diz Israel.

Segundo o presidente do sindicato, hoje são cerca de 250 fiscais em campo, com atribuições de controle ambiental, limpeza urbana, obras, posturas e vias urbanas. "Quando o cargo de fiscal foi unificado, em 2011, o quadro deveria ter começado com 600 fiscais. Porém, o início foi com 350 e a expectativa é de que até o fim de 2016 serão apenas 200, diante das aposentadorias”, diz ele, chamando a atenção para a necessidade de concurso público.

Em nota, a Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização (Smafis) diz que conta com 380 fiscais integrados. As ações respeitam um planejamento prévio, o monitoramento de locais onde há reincidência de reclamações e demandas da população registradas no Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC). Além disso, a secretaria informa que faz um trabalho integrado com o Centro de Operações da Prefeitura (COP-BH), responsável pela vigilância da cidade e todas as ocorrências que demandam intervenções das instituições integradas.

"Para reforçar o trabalho da fiscalização, é desenvolvido o projeto Patrulha Fiscaliza BH. Equipes percorrem vias das nove regiões, de segunda-feira a sábado, para combater a obstrução do espaço público, a poluição visual e a sujeira”, diz texto encaminhado pela pasta responsável pela fiscalização. Sobre a realização de um concurso público, a Secretaria de Recursos Humanos informou que não há previsão para a abertura de vagas de fiscal integrado.

VIGILÂNCIA PODE SER SOLUÇÃO

Tanto o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra/BH) como a BHTrans acreditam que a conclusão da licitação que vai contratar vigias para os terminais de transferência de passageiros do BRT/Move é uma alternativa importante para garantir o uso correto das estações e, consequentemente, inibir a venda de produtos sem licença. O edital está em curso para contratação de 192 vigilantes, sendo que cada terminal terá pelo menos um segurança. O Setra/BH informa que é responsável apenas pelas bilheterias, sistema de bilhetagem e pela manutenção das catracas e portas automáticas.

Enquanto a contratação de seguranças não é com cretizada, a Regional Centro-Sul da Prefeitura de BH diz que as ações serão intensificadas nos terminais das avenidas Paraná e Santos Dumont. A Regional Nordeste diz que fiscaliza a presença de ambulantes na Estação São Gabriel. "Para se ter ideia do trabalho, no dia 1º de maio foram apreendidos diversos produtos como água mineral, biscoitos, salgadinhos e balas, resultando em uma quantidade de aproximadamente dois metros cúbicos, acondicionados em uma caminhonete e em uma Kombi”, afirma a regional.

A Regional Pampulha diz que entre as 9h e as 17h, com intervalo para almoço, realiza plantões de fiscalização na Estação Pampulha e diz que a situação está controlada nesse horário. "Esclarecemos que a maior parte das reclamações refere-se à permanência de ambulantes na Estação durante os fins de semana ou após as 18h. Na tentativa de minimizar o problema, a Patrulha Fiscaliza BH realiza incursões periódicas na estação, em horários e dias diversificados, sem comunicado prévio, realizando apreensões das mercadorias e dos equipamentos porventura encontrados”, diz a pasta.

Confrontos devido à atuação de ambulantes no sistema de transporte de Belo Horizonte já causaram pelo menos uma morte, que resultou em protestos na capital. No fim de março, um vendedor de balas foi morto por um ônibus do Move, na Avenida Cristiano Machado. Tudo começou com a atitude de um baleiro que entrou no coletivo e não quis pagar passagem. Depois de brigar com o motorista, o ambulante foi expulso do veículo. Em outro trecho da via, amigos do jovem tentaram parar o coletivo, quando um deles foi atropelado. O condutor fugiu, sendo preso na garagem. Dias depois, um grupo de 50 pessoas interrompeu o tráfego na Cristiano Machado, próximo ao Minas Shopping, protestando contra a morte.