08/06/2022 09:40 - Valor Econômico
A quantidade de poluentes emitidos por um único carro fabricado em 1992 equivale ao que emitem 23 veículos novos. O cálculo, feito pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), é um dos argumentos que a indústria tem levado a vários ministros para convencer o governo a expandir, para automóveis, o plano de renovação da frota que começou a ser preparado para caminhões. O ministro Adolfo Sachsida, de Minas e Energia, receberá representantes do setor hoje, em Brasília.
À primeira vista, a comparação de modelos zero-quilômetro com veículos com 30 anos pode parecer exagerada. Mas não é. Total de 3,6 milhões de veículos que rodam no país hoje têm acima de 20 anos, segundo o mais recente estudo do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes (Sindipeças), uma das pesquisas mais respeitadas nessa área.
Segundo o estudo do Sindipeças, até 2021, a frota em circulação no Brasil somava pouco mais de 46 milhões de veículos. Desse total, 24,2% tinham idade média de até cinco anos. Outros 57,4%, entre seis e 15 anos e 18,3% acima de 16 anos, em média.
Para chegar à conclusão de que o nível de emissões de um carro fabricado hoje é 23 vezes menor do que um de 1992, a Anfavea recorreu a normas fixadas nas primeiras e na mais recente fase do Proconve (Programa de controle de emissões veiculares), ligado ao Ministério do Meio Ambiente.
Poluentes que carros mais velhinhos lançam no ar tendem a ser mais elevados do que o calculado se for considerado que, com o passar do tempo, o sistema de controle de emissões perde eficiência. O diretor técnico da Anfavea, Henry Joseph Jr, destaca que a mais recente fase do Proconve, que entrou em vigor em janeiro, exige que o controle de emissões tenha durabilidade mínima para o carro rodar 160 mil quilômetros. É o dobro do que estabelecia a fase anterior.
Em fase de tramitação, a Medida Provisória 1112/22 criou um programa (o Renovar) para tirar os caminhões mais antigos das ruas e estradas. Inicialmente, o programa prevê incentivos para caminhoneiros autônomos trocarem os veículos. Mas falta ainda definir muitos detalhes da iniciativa.
O presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, considera urgente, porém, ampliar a inciativa para a frota de veículos leves. “Caso contrário, vamos passar o tempo enxugando gelo”, afirma, referindo-se aos planos de descarbonização voltados aos veículos fabricados hoje. Segundo ele, a indústria concorda em desenvolver veículos cada vez mais limpos e promover a descarbonização total do transporte. “Mas é tanto esforço para trabalhar numa ponta enquanto a outra, que é a vilã, põe tudo a perder”, diz.
Crises econômicas agravam o problema à medida que levam o consumidor a adiar a troca do carro. No Brasil, a frota tem envelhecido. Em 2013, os automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus que rodavam no país tinham, em média, oito anos e cinco meses, segundo o Sindipeças. Em 2021, a frota brasileira estava com dez anos e três meses. A frota de motocicletas também ficou mais velha. Passou de cinco anos e oito meses para oito anos e cinco meses, na mesma base de comparação.
É antiga a discussão em torno da criação de programas de renovação da frota e de inspeção veicular para punir proprietários de veículos inseguros e poluentes, como fazem os países desenvolvidos. Mas, em geral, os políticos costumam fugir de medidas que, a seu ver, são impopulares.
Nas conversas com o governo, que têm abordado também os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Joaquim Leite, do Meio Ambiente, entre outros, a Anfavea tenta ainda estimular a discussão em torno da futura matriz energética para veículos. O setor quer se planejar para saber se continuará produzindo veículos a combustão, híbridos a etanol - como grande parte dos dirigentes do setor defende - ou se haverá espaço para a venda de carros 100% elétricos, como fazem os países desenvolvidos.
Além disso, as montadoras têm discutido com o governo meios de atrair para o país investimentos na indústria de semicondutores, os pequenos chips eletrônicos cuja produção se concentra na Ásia e a escassez tem levado à paralisação da produção de veículos, várias vezes, nos últimos meses.
Balanço divulgado pela Anfavea ontem indicou que de janeiro a maio, houve 16 paralisações de fábricas, num total de 331 dias inativos - 20, em média, por fábrica. Isso fez com que 150 mil veículos deixassem de ser produzidos no país no período.
A produção aumentou 6,8% em maio na comparação com o mesmo mês do ano passado, num total de 205,9 mil veículos. Mas no acumulado do ano, o volume caiu 9,5%, com 888,1 mil unidades.
Para Leite, a falta de semicondutores agora se soma à escassez de outros itens, como borrachas e resinas. Apesar disso, o dirigente afirma que “a situação é menos crítica” do que meses atrás.
A produção acumulada de janeiro a maio ainda está abaixo do que foi, no mesmo período no ano anterior ao início da pandemia. De janeiro a maio de 2019 foram produzidas 1,2 milhão de unidades.
Além da falta de componentes, o dirigente aponta a crise logística e outras questões agravadas pelo conflito na Ucrânia e os “lockdowns na China”. “Quem dormia oito horas passou a dormir seis e quem dormia seis está agora dormindo quatro”, afirma Leite.
O resultado das vendas internas de veículos em maio ficou 0,99% abaixo do mesmo mês de 2021, num total de 187,1 mil unidades. Os dirigentes do setor avaliam, no entanto, o resultado de forma positiva, já que na comparação com abril houve crescimento de 27%. Segundo argumentam, há um ano foi o pico da escassez de semicondutores. No acumulado até maio, a venda de 740 mil veículos representou retração de 17% em relação a igual período de 2021.
Segundo Leite, o desafio do setor tem sido “entender qual é a demanda”, já que a falta de componentes atrapalha uma análise mais precisa. “Levando em conta a alta de juros e restrições de acesso ao crédito o resultado de maio foi impressionante”, diz.