Com obra em reta final, ciclovia da Paulista vai 'espremer' pedestre

14/06/2015 08:40 - Folha de SP

André Monteiro

A ciclovia que vai marcar a entrada definitiva da bicicleta na avenida Paulista não vai mudar apenas a cara do mais famoso cartão-postal da cidade. A nova pista de bicicletas vai mexer na vida de quem passa por lá, sejam eles pedestres, ciclistas, motoristas ou usuários de ônibus.

O que resta saber é se todos vão ganhar com a novidade, que será inaugurada no dia 28 de junho.

A chance de conflito entre bicicletas e pedestres é o que mais preocupa especialistas e técnicos da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).

Se os ciclistas comemoram porque vão trafegar com mais conforto e segurança pelo tapete vermelho, há temor de que falte espaço para acomodar os mais de 1,5 milhão de pedestres que circulam diariamente pela avenida.

"Conflito vai existir, e é sempre em detrimento do mais fraco", afirma Luiz Célio Bottura, consultor de trânsito e ex-ombudsman da CET.

Para ele, a relação entre ciclista e pedestre tende a ser complicada e não pode ser encarada apenas com otimismo. "Na altura da Augusta, por exemplo, em alguns momentos do dia o fluxo de pessoas é uma verdadeira avalanche. Não sei se o ciclista vai ter paciência de esperar. Serão os únicos semáforos que eles vão respeitar?", indaga o engenheiro.

As bicicletas vão circular em duas mãos pelo canteiro central, paralelas ao trânsito dos carros, motos e ônibus. Isso implica cruzar todas as faixas de pedestres e seguir os semáforos, que serão os mesmos que regulam o fluxo dos veículos motorizados.

TRAVESSIA

Não é raro as pessoas não conseguirem atravessar a Paulista de uma vez -apesar da programação dos semáforos ser feita com esse objetivo. Ao parar no canteiro para esperar, o pedestre terá que ficar rigorosamente no espaço destinado a ele -que ficou ao menos 1 m mais estreito- para não invadir as ciclovias.

"O que vai acontecer é que o pedestre é que terá que se adaptar para evitar acidentes", afirma Bottura.

A prefeitura diz que o pedestre foi a prioridade do projeto e que o espaço é suficiente. "Em todos os lugares, a área de espera, em metros quadrados, ficou maior", diz Suzana Karagiannidis, do Departamento de Planejamento Cicloviário da CET.

A explicação é que, apesar de mais estreitas, as ilhas de pedestres ficaram mais longas com a ciclovia -o que aumenta a área total.

Ela diz ainda que serão feitas ações educativas, como um manual, para orientar ciclistas e pedestres.

Carros vão perder faixa e ganhar semáforo

Ponto de parada perto da Haddock Lobo servirá para travessia de ciclista

Não serão só os pedestres que terão que se adaptar às mudanças na avenida Paulista por causa da ciclovia. Motoristas habituados a dirigir pela congestionada via terão que se acostumar com uma condição mais "apertada".

As faixas de tráfego serão reduzidas em até 20 centímetros --as larguras variam, mas em média elas terão 2,8 m. Entre a Consolação e a Haddock Lobo, no sentido Paraíso, uma faixa será extinta.

As faixas exclusivas de ônibus também perderão espaço e ficarão com 3,3 m cada.

O trânsito da Paulista ainda terá um novo ponto de parada, pois vai ganhar um semáforo na altura da Haddock Lobo. O equipamento servirá para que ciclistas atravessem a via e será o único com programação oposta para veículos motorizados e bicicletas.

Inicialmente, o semáforo só seria ligado por um botão acionado por ciclistas, mas a prefeitura desistiu da ideia.

Especialistas se dividem sobre o impacto dessas mudanças para o tráfego. Para o consultor Sergio Ejzenberg, o estreitamento das faixas reduz a capacidade da via e "provoca aumento de acidentes e congestionamentos". Sua principal preocupação é com as motos que trafegam no corredor entre os carros.

Luis Fernando Di Pierro, mestre em planejamento de transportes pela Universidade de Londres, escreveu um artigo técnico criticando a obra. Entre outras considerações, ele diz que a Paulista ficará ainda mais saturada, por isso a ciclovia deveria ter sido feita em vias paralelas. "Na Paulista, a ciclovia é tecnicamente inviável", afirma.

Hugo Pietrantonio e Orlando Strambi, professores da USP, estimam que, desde que o estreitamento das faixas seja o previsto no projeto, o impacto no trânsito não deverá ser muito significativo.

Segundo a CET, as faixas menores não vão comprometer a segurança. E simulações feitas em computador apontaram que as mudanças não irão resultar em mais congestionamento na avenida.

Em ladeira, 29 ciclistas passam em uma hora

Na ladeira da rua Dr. Cândido Espinheira, onde uma ciclovia liga os bairros de Higienópolis e Perdizes, 29 ciclistas passaram pela reportagem em uma hora --média de um a cada dois minutos. No mesmo período, das 17h30 às 18h30 de quinta-feira (11), foram 206 na avenida Faria Lima --mais de três por minuto.

Para os críticos do plano cicloviário da gestão Fernando Haddad (PT), a diferença aponta a ociosidade de algumas ciclovias e falta de estratégia na escolha dos trechos. "Há ciclovias colocadas em lugares sem demanda, apenas por questão política", diz o consultor Sergio Ejzemberg.

Na avaliação de outros técnicos, porém, as diferenças de fluxo são normais em um plano que visa criar uma rede com vias de maior demanda conectadas entre si por vias secundárias.

A ciclovia da Cândido Espinheira, inaugurada em setembro do ano passado, fica no nível da rua e faz a ligação da av. Sumaré com o centro.

Na contagem, 15 dos 29 dos ciclistas subiam a ladeira. Já a da Faria Lima, que existe desde 2012, na gestão Gilberto Kassab (PSD), fica no canteiro central e é usada tanto como conexão de bairros quanto para acesso ao metrô.

O consultor Luis Fernando Di Pierro defende que ciclovias sejam implantadas "de forma que possam ser utilizadas pelo maior número de pessoas, e as declividades das vias configuram os maiores empecilhos para isso".

A CET diz escolher os percursos mais confortáveis para o ciclista, evitando subidas íngremes, e diz que está definindo um método para a contagem periódica de ciclistas em dez pontos da cidade.

Monociclo elétrico ganha calçadas e ruas de São Paulo

Equipamento de uma roda e sem guidão tem alcance de 23 km e custa cerca de R$ 3.000

Da casa de Rogério Bueno dos Santos, 47, na zona norte de São Paulo, Rafaella, 14, e Renata, 10, partem se equilibrando sobre uma roda.

Vão à padaria, não são equilibristas. Fazem parte da cerca de duas dúzias de paulistanos que se deslocam pela cidade com um monociclo elétrico, sem selim.

"Comprei um em dezembro, de presente de Natal, para minhas duas filhas, mas elas adoraram e já estava saindo até discussão entre elas para ver quem andaria por mais tempo. Acabei comprando outro", diz o comerciante.

Não foi o suficiente. Para acompanhar as meninas foi preciso ainda um terceiro, para ele. Cada um custa cerca de R$ 3.000.

O Airwheel --nome oficial do monociclo-- pesa 11 quilos e se move de acordo com a inclinação do corpo. A velocidade máxima é de 18 km/h e a autonomia da bateria é de 23 quilômetros.

"No começo foi bem difícil aprender a andar, minhas filhas sofreram um pouco. Passaram uns três dias treinando até que pegassem o jeito", afirma Rogério.

Durante a semana, o veículo é usado pelas meninas para pequenas distâncias. "Só não uso para trabalhar porque trabalho longe de casa e não tem como ir de monociclo, senão iria", diz.

Nos finais de semana, porém, é comum ver os três pelas ruas em distâncias maiores. "Usamos muito as ciclovias", diz Rogério, que revela também a preferência pelas calçadas da avenida Paulista e da praça Charles Miller, no Pacaembu.

OCUPAÇÃO

Rogério, Rafaela e Renata repetem assim o que skatistas já fazem --ocupar as ciclovias da cidade.

"Existe um desejo muito latente na cidade, e a gente vê: qualquer infraestrutura que você põe na cidade vira uma infraestrutura que as pessoas querem ocupar", diz Suzana Karagiannidis, do Departamento de Planejamento Cicloviário da CET.

"Aí fica a história: para quem? As ciclovias estão despertando isso, todo mundo quer circular nelas. É o skatista, é o cara de patins...", completa ela.

O analista de mídias sociais Emanuel Takahashi Farias, 38, usa a ciclovia da República para ir ao trabalho.

Funcionário da Câmara, ele reduziu o tempo de deslocamento de 50 minutos a pé para 10 minutos se equilibrando sobre o monociclo.

Parte do trajeto ele faz pela calçada mesmo. "Acaba se tornando uma extensão da gente. Faço tudo aqui pelo centro com ele", afirma.