Como o Uber interferiu em leis na Europa

11/07/2022 09:30 - O Estado de SP

O Uber interferiu na legislação de diversos países europeus para acelerar a expansão internacional da startup americana, apontam documentos revelados ontem pelo jornal britânico The Guardian em consórcio com outros veículos de imprensa estrangeira. Ao todo, 124 mil arquivos de 2013 a 2017 foram expostos na série batizada de “Uber Files”, composta por mensagens, e-mails e apresentações de executivos da empresa.

Segundo a documentação, o Uber encontrou-se com ao menos seis líderes mundiais para acelerar o lobby em seus países, incluindo o então vice-presidente americano Joe Biden (hoje presidente dos EUA), o então ministro da Economia da França Emmanuel Macron (hoje presidente francês) e o então primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu, além de membros da Comissão Europeia.

O Uber tinha o objetivo de alterar legislações locais para acomodar seu negócio, que muitas vezes operava fora da lei devido ao modelo batizado de “economia criativa”, em que demanda e oferta encontram-se em plataforma digital. A movimentação foi comandada pelo fundador e presidente executivo Travis Kalanick, figura controversa substituída em 2017 pelo atual CEO, Dara Khosrowshahi.

Em 2014, Kalanick encontrou-se ao menos quatro vezes com Macron para iniciar pela França a expansão europeia da empresa. Com o lançamento do Uberpop no país, o então ministro prometeu reformar a legislação para permitir a operação após a explosão de protestos de taxistas franceses contra o aplicativo. Meses depois, Macron assinou uma legislação regulamentando o cadastro de motoristas.

Segundo os documentos, o Uber também incentivou a violência contra os próprios motoristas, alvos de protestos de taxistas em diversos países, como França, Itália, Bélgica, Espanha e Holanda. Para os executivos, esses casos ajudariam a popularizar a plataforma. “Violência garante sucesso. E esses caras (taxistas) devem ser confrontados, não?”, escreveu Kalanick.

Em nota à reportagem do The Guardian, o Uber diz que “milhares” de livros, reportagens e “até série de televisão” foram feitos sobre a história do Uber até 2017. “Esses erros levaram ao mais infame acerto de contas da América corporativa. Isso levou a um enorme escrutínio público, processos, investigações de governos e a demissão de diversos executivos”, escreve a empresa americana, que destaca a contratação de Dara Khosrowshahi como um movimento que teria transformado essa realidade. “Quando dizemos que o Uber é uma companhia diferente hoje, dizemos isso literalmente: 90% dos funcionários atuais chegaram à empresa depois de Dara”, diz a nota. “Não vamos e não iremos dar desculpas por comportamentos passados que claramente não estão de acordo com nossos valores atuais.”