Congestionamento deve voltar ao que era antes do isolamento

13/10/2020 09:12 - Folha de SP

Ariovania Soares / Maria Fernanda Salinet

SÃO PAULO e FLORIANÓPOLIS

“No início da pandemia, eu levava cerca de 30 minutos de casa [na zona leste de São Paulo] até o trabalho, na avenida Paulista. Agora, mesmo acordando mais cedo e procurando rotas alternativas, o tempo subiu para quase uma hora”, afirma o redator Cleber Felipe da Silva, 38. Segundo ele, vem ocorrendo um aumento gradual no trânsito, com mais carros nas ruas.

Os números confirmam essa percepção. Dados da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo) mostram que, no dia 6 de março, antes da quarentena, o maior índice de lentidão na cidade foi de 176 km. Durante o isolamento social, despencou para 11 km em 30 de abril e para 18 km em 29 de maio. A partir daí, voltou a subir gradativamente até alcançar 104 km, maior média registrada no mês de setembro, no dia 4.

A retomada das atividades econômicas explica esse retorno, mas as razões para a existência dos congestionamentos são bem anteriores. Uma delas é a maneira como as cidades cresceram, chamada de espraiamento urbano. Nesse modelo, muitos cidadãos vivem afastados dos locais de trabalho e são obrigados a fazer grandes deslocamentos.

Em Florianópolis, por exemplo, boa parte da população de baixa renda mora no continente, mas trabalha na ilha. O resultado é “perverso”, diz a doutora em Arquitetura e Urbanismo Maria Inês Sugai, da Universidade Federal de Santa Catarina. “As pessoas passam horas presas no congestionamento”, afirma.

“Uma das coisas que me deixa nervosa é saber que vou voltar a perder horas do meu dia e ficar estressada”, afirma Karine Iris Rosa, 29.

A designer, que mora em Palhoça, região metropolitana de Florianópolis, já chegou a passar quatro horas dentro do carro nas filas entre o continente e a ilha num único dia. Seu temor é que, com a volta à normalidade, a situação se repita.

Pesquisa do Instituto de Estudos Avançados da USP aponta que 58% da população planeja usar carro no pós-quarentena, principalmente por medo do possível contágio no transporte público.

O pesquisador Júlio Barboza Chiquetto, do IEA-USP, no entanto, acredita que o trânsito deverá ser semelhante àquele de antes da pandemia. “Teremos mais gente usando carro, mas menos pessoas nas ruas”, referindo-se à parcela da população que pode permanecer em home office e em distanciamento social.

Para diminuir os congestionamentos, especialistas afirmam que é preciso integrar as soluções de transporte à organização do território. Chiquetto cita como exemplo a “Cidade de 15 Minutos”, projeto da prefeita de Paris, Anne Hidalgo, que prevê os serviços e oportunidades dentro desse tempo de deslocamento, aproximando a moradia do trabalho.

De acordo com o também pesquisador do IEA-USP Paolo Colosso, uma das soluções é investir na implantação de corredores exclusivos para ônibus. “Eles aumentam a velocidade média e tornam os trajetos mais rápidos, transformando-se em uma saída efetiva para os engarrafamentos”, diz.

Para ele, o rodízio de veículos, praticado em São Paulo desde 1997, é ineficiente. “É enxugar gelo, porque não diminui a demanda por automóvel, já que muitos compram um segundo carro”, afirma.

Em vigor em Londres, a taxa de congestionamento se mostrou eficiente em tirar carros do centro, mas, por ser impopular, sequer é cogitada pelos governantes brasileiros. “Também falta um transporte público decente que compense a restrição, o que faz dos congestionamentos um problema cíclico”, diz Chiquetto.

Flávio Emir Adura, diretor científico da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego), alerta ainda para os danos à saúde devido à longa exposição aos poluentes lançados pelos veículos automotores.

?“O monóxido de carbono causa tonturas e alterações no sistema nervoso, e o dióxido de enxofre provoca coriza e danos aos pulmões”, explica.