Em dez anos, número de imóveis em Rio das Pedras (RJ) aumenta 69%

21/07/2013 11:32 - O Globo

Problemas de cidade. Em Rio das Pedras já é possível ver várias construções com quatro pavimentos. E o canal está assoreado - Foto: Custódio Coimbra

RIO - Papel e caneta nas mãos, o presidente da Associação de Moradores de Rio das Pedras, Fabrício José dos Santos, desenha uma casa que se transforma em prédio. Ele responsabiliza pessoas de fora da comunidade, que se apresentam como construtores, pelo crescimento desordenado desse complexo de favelas, o mais populoso na região de Barra e Jacarepaguá, onde estarão as principais instalações olímpicas dos Jogos de 2016. Numa área de solo frágil, o Censo do IBGE registrou um salto de 69% no número de domicílios em Rio das Pedras, de 13.092 para 22.142, entre 2000 e 2010. No mesmo período, o número de moradores passou de 42.731 para 63.482, uma alta de 48%.

— A infraestrutura do local não foi projetada para receber tantos moradores — avalia Santos.

Os supostos construtores geralmente derrubam o imóvel e constroem um prédio no lugar, dando ao antigo dono apartamentos no novo empreendimento — em geral, com o dobro da área da casa demolida — e ficando com o restante para venda ou aluguel. Uma troca que enche os olhos dos proprietários. Afinal, o aluguel de uma quitinete no lugar pode chegar a R$ 500, e a venda de um pequeno imóvel varia de R$ 30 mil a R$ 45 mil.

Dados da associação mostram que a média dos prédios da comunidade, hoje, é de quatro andares. Mas há edificações com até oito pavimentos, na localidade conhecida como Pinheiro. Uma verticalização que o biólogo Mário Moscatelli qualifica de monstruosa, ao analisar fotos aéreas feitas pelo GLOBO. Uma imagem de 15 anos atrás mostra uma favela com casas de um andar, no máximo dois. De 1998 para cá, Rio das Pedras ainda expandiu seu território em direção ao Maciço da Tijuca e à Lagoa da Tijuca. Sem falar no visível assoreamento do canal que deságua na lagoa.

— Esse canal está obstruído por gigogas, vegetação que se alimenta de esgoto e prolifera — lembra Moscatelli.

Tamanho adensamento de Rio das Pedras impressiona o coordenador de Geografia da Diretoria de Geociências do IBGE, Claudio Stenner. Mas outras favelas da região, ainda de acordo com os dados dos Censos de 2000 e 2010, também explodiram. É o caso da Tijuquinha, no Itanhangá, cujos domicílios quase triplicaram, de 762 para 2.061, enquanto os moradores mais que duplicaram: de 2.433 para 5.837. Perto dali, a Vila da Paz passou de 113 para 183 casas e de 367 para 551 moradores. Já a Vila Autódromo — que deverá ser removida para um condomínio que está sendo construído em Jacarepaguá — foi de 236 para 356 casas (crescimento de 51%) e de 939 para 1.252 moradores (34%) em dez anos.

Das 13 favelas pesquisadas pelo IBGE a pedido do GLOBO, só uma — a Floresta da Barra da Tijuca — perdeu casas e moradores entre 2000 e 2010. Somada, a amostra revela aumento de 69% dos domicílios (de 20.643 para 34.930) e de 41% da população (de 73.002 para 103.030).

Mas uma favela do Itanhangá, o Sítio do Pai João, não permite a comparação, porque, segundo Stenner, a área analisada pelo IBGE em 2000 é diferente da vistoriada em 2010, devido a alterações de metodologia. Olhando-se as fotos, porém, vê-se um crescimento morro acima.

Quanto a Rio das Pedras, o engenheiro civil Antonio Eulalio Pedrosa, especialista em estruturas e conselheiro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RJ), é categórico: os imóveis não deveriam passar de um andar. No ano passado, quatro prédios tiveram de ser derrubados pela Defesa Civil por risco de desabamento.

— O solo de Rio das Pedras é de argila mole (formado pela decomposição de rochas) ou de turfas (decomposição vegetal). Construir ali requer fundações especiais e caras — adverte o engenheiro.

Sem infraestrutura para tantas pessoas e sem um controle efetivo do poder público para limitar sua expansão, Rio das Pedras virou uma cidade, cheia de problemas. Esgoto escorrendo por ruas, lixões, vias sem pavimentação, lojas que se expandem na calçada... Há até população de rua. E os fios dos "gatos” de energia formam verdadeiros túneis nas vielas.

A associação de moradores apresenta números mais gordos que os do IBGE: cerca de 140 mil moradores e 40 mil casas. Há sempre pessoas vindo do Nordeste, por meio de pelo menos quatro agências de viagem. Cristiane de Souza Rodrigues Ferreira, de 27 anos, chegou de Teresina (PI) há seis meses em busca de um emprego melhor. Conseguiu salário de R$ 1.200, o dobro do que ganhava em sua terra. Agora chegaram sua mãe e sua filha.

O posto de empregos criado pela associação de moradores recebe de cem a 200 pessoas diariamente. Segundo o pastor Alexandre Pedro Nascimento, que trabalha no local, cerca de cem pessoas são encaminhadas por semana.

Falta regulamentar uso do solo

Há 48 anos morando na favela, Jorge Moreth, de 65 anos, conta que havia poucos barracos quando chegou, vindo de São Fidélis, no interior do Estado do Rio. Na comunidade, Jorge teve quatro filhos, ficou viúvo e se casou de novo:

— Aqui parece cidade do interior, uns ajudando os outros. O que falta é autoridade. A polícia passa e vai embora. Tenho visto até venda e consumo de drogas, o que não existia antes. Também não contamos com atendimento de saúde.

Segundo a Secretaria municipal de Urbanismo, Rio das Pedras é Área Especial de Interesse Social (Aeis) e ainda não dispõe de legislação que regulamente o uso e a ocupação do solo. O decreto das Aeis proíbe novas construções, exceto públicas, só autorizando reformas.

Para o subprefeito de Barra e Jacarepaguá, Thiago Mohamed, as favelas da área não avançaram horizontalmente de forma significativa nos últimos quatro anos. Ele pede colaboração, com denúncias, para sustar novas construções.

Em 2 anos, casas em terreno do Itanhangá saltam de 6 para 35. Moradores argumentam que loteamento tem por objetivo evitar ocupação do local por milicianos

Da Estrada do Itanhanguá pode-se perceber o movimento de obras. Mas é do alto que se tem a verdadeira dimensão: uma área próxima à Lagoa da Tijuca — de 5.900 metros quadrados, da qual se vê o shopping Downtown — foi loteada e está sendo ocupada. Em terrenos da União, seis casas viraram 35, de até dois andares, a maioria ainda em construção, nos dois últimos anos. Do total, 29 contam até com relógio de luz, instalado pela Light. É a chamada Vila do Itanhangá, que está ganhando forma nos números 1.685, 1.687 e 1.689 da estrada. Algumas das construções devem virar lojas.

Moradores admitem que as obras são irregulares e não têm licença da prefeitura. Uma das casas, dizem, chegou a ser embargada pelo município. Mas eles garantem que os terrenos foram cedidos pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) há 60 anos a seis pessoas e estão em processo de regularização fundiária. E argumentam que os terrenos foram distribuídos para parentes e amigos a fim de evitar que milicianos da Muzema, uma favela próxima, se apossassem do lugar.

— Milicianos estiveram aqui. Queriam ficar com nossa área. Deram até tiro. Fomos à polícia e registramos — conta o pedreiro Augusto Nunes, de 33 anos, que mora na vila com a mulher e o filho, de 1 ano.

Por e-mail, a SPU confirmou que a unidade do Rio concedeu a inscrição de ocupação dos terrenos, embora apenas para um morador. A outorga da inscrição, segundo a SPU, só foi feita em 1997. Com relação ao processo de regularização fundiária, "a SPU/RJ está no aguardo das informações, que serão levantadas por meio de um cadastro econômico-social, para iniciar a discussão do assunto”.

Por meio de levantamento, o órgão identificou que as 35 famílias ocupam a área irregularmente. Em maio, a SPU entrou com pedido para reintegração de posse da área e agora espera a decisão para tomar as providências cabíveis.

Na defesa do loteamento, o técnico de informática André Oliveira, de 43 anos, assegura que não se trata de invasão e que o meio ambiente está sendo preservado:

— O nosso esgoto vai para um sumidouro. Não jogamos esgoto na lagoa (da Tijuca). Também mantemos a faixa de proteção da lagoa. Construímos um muro e não permitimos que nenhuma casa fique a menos de 17 metros da lagoa.

O subprefeito da Barra e de Jacarepaguá, Thiago Mohamed, afirmou que desconhece o loteamento irregular. Prometeu, no entanto, mandar fiscais ao local.

NÚMEROS           

140 mil moradores - Estimativa da Associação de Moradores de Rio das Pedras

40 mil casas - Estimativa da associação

R$ 500 mensais - Valor do aluguel de quitinetes na favela