RIO - Papel e caneta nas mãos, o presidente da Associação de
Moradores de Rio das Pedras, Fabrício José dos Santos, desenha uma casa que se
transforma em prédio. Ele responsabiliza pessoas de fora da comunidade, que se
apresentam como construtores, pelo crescimento desordenado desse complexo de
favelas, o mais populoso na região de Barra e Jacarepaguá, onde estarão as
principais instalações olímpicas dos Jogos de 2016. Numa área de solo frágil, o
Censo do IBGE registrou um salto de 69% no número de domicílios em Rio das
Pedras, de 13.092 para 22.142, entre 2000 e 2010. No mesmo período, o número de
moradores passou de 42.731 para 63.482, uma alta de 48%.
— A infraestrutura do local não foi projetada para receber
tantos moradores — avalia Santos.
Os supostos construtores geralmente derrubam o imóvel e
constroem um prédio no lugar, dando ao antigo dono apartamentos no novo
empreendimento — em geral, com o dobro da área da casa demolida — e ficando com
o restante para venda ou aluguel. Uma troca que enche os olhos dos
proprietários. Afinal, o aluguel de uma quitinete no lugar pode chegar a R$ 500,
e a venda de um pequeno imóvel varia de R$ 30 mil a R$ 45 mil.
Dados da associação mostram que a média dos prédios da
comunidade, hoje, é de quatro andares. Mas há edificações com até oito
pavimentos, na localidade conhecida como Pinheiro. Uma verticalização que o
biólogo Mário Moscatelli qualifica de monstruosa, ao analisar fotos aéreas
feitas pelo GLOBO. Uma imagem de 15 anos atrás mostra uma favela com casas de
um andar, no máximo dois. De 1998 para cá, Rio das Pedras ainda expandiu seu
território em direção ao Maciço da Tijuca e à Lagoa da Tijuca. Sem falar no
visível assoreamento do canal que deságua na lagoa.
— Esse canal está obstruído por gigogas, vegetação que se
alimenta de esgoto e prolifera — lembra Moscatelli.
Tamanho adensamento de Rio das Pedras impressiona o
coordenador de Geografia da Diretoria de Geociências do IBGE, Claudio Stenner.
Mas outras favelas da região, ainda de acordo com os dados dos Censos de 2000 e
2010, também explodiram. É o caso da Tijuquinha, no Itanhangá, cujos domicílios
quase triplicaram, de 762 para 2.061, enquanto os moradores mais que
duplicaram: de 2.433 para 5.837. Perto dali, a Vila da Paz passou de 113 para
183 casas e de 367 para 551 moradores. Já a Vila Autódromo — que deverá ser
removida para um condomínio que está sendo construído em Jacarepaguá — foi de
236 para 356 casas (crescimento de 51%) e de 939 para 1.252 moradores (34%) em
dez anos.
Das 13 favelas pesquisadas pelo IBGE a pedido do GLOBO, só
uma — a Floresta da Barra da Tijuca — perdeu casas e moradores entre 2000 e
2010. Somada, a amostra revela aumento de 69% dos domicílios (de 20.643 para
34.930) e de 41% da população (de 73.002 para 103.030).
Mas uma favela do Itanhangá, o Sítio do Pai João, não
permite a comparação, porque, segundo Stenner, a área analisada pelo IBGE em
2000 é diferente da vistoriada em 2010, devido a alterações de metodologia.
Olhando-se as fotos, porém, vê-se um crescimento morro acima.
Quanto a Rio das Pedras, o engenheiro civil Antonio Eulalio
Pedrosa, especialista em estruturas e conselheiro do Conselho Regional de
Engenharia e Agronomia (Crea-RJ), é categórico: os imóveis não deveriam passar
de um andar. No ano passado, quatro prédios tiveram de ser derrubados pela
Defesa Civil por risco de desabamento.
— O solo de Rio das Pedras é de argila mole (formado pela
decomposição de rochas) ou de turfas (decomposição vegetal). Construir ali requer
fundações especiais e caras — adverte o engenheiro.
Sem infraestrutura para tantas pessoas e sem um controle
efetivo do poder público para limitar sua expansão, Rio das Pedras virou uma
cidade, cheia de problemas. Esgoto escorrendo por ruas, lixões, vias sem
pavimentação, lojas que se expandem na calçada... Há até população de rua. E os
fios dos "gatos” de energia formam verdadeiros túneis nas vielas.
A associação de moradores apresenta números mais gordos que
os do IBGE: cerca de 140 mil moradores e 40 mil casas. Há sempre pessoas vindo
do Nordeste, por meio de pelo menos quatro agências de viagem. Cristiane de
Souza Rodrigues Ferreira, de 27 anos, chegou de Teresina (PI) há seis meses em
busca de um emprego melhor. Conseguiu salário de R$ 1.200, o dobro do que
ganhava em sua terra. Agora chegaram sua mãe e sua filha.
O posto de empregos criado pela associação de moradores
recebe de cem a 200 pessoas diariamente. Segundo o pastor Alexandre Pedro
Nascimento, que trabalha no local, cerca de cem pessoas são encaminhadas por
semana.
Falta regulamentar
uso do solo
Há 48 anos morando na favela, Jorge Moreth, de 65 anos,
conta que havia poucos barracos quando chegou, vindo de São Fidélis, no
interior do Estado do Rio. Na comunidade, Jorge teve quatro filhos, ficou viúvo
e se casou de novo:
— Aqui parece cidade do interior, uns ajudando os outros. O
que falta é autoridade. A polícia passa e vai embora. Tenho visto até venda e
consumo de drogas, o que não existia antes. Também não contamos com atendimento
de saúde.
Segundo a Secretaria municipal de Urbanismo, Rio das Pedras
é Área Especial de Interesse Social (Aeis) e ainda não dispõe de legislação que
regulamente o uso e a ocupação do solo. O decreto das Aeis proíbe novas
construções, exceto públicas, só autorizando reformas.
Para o subprefeito de Barra e Jacarepaguá, Thiago Mohamed,
as favelas da área não avançaram horizontalmente de forma significativa nos
últimos quatro anos. Ele pede colaboração, com denúncias, para sustar novas
construções.
Em 2 anos, casas em terreno do Itanhangá saltam de 6 para
35. Moradores argumentam que loteamento tem por objetivo evitar ocupação do
local por milicianos
Da Estrada do Itanhanguá pode-se perceber o movimento de
obras. Mas é do alto que se tem a verdadeira dimensão: uma área próxima à Lagoa
da Tijuca — de 5.900 metros quadrados, da qual se vê o shopping Downtown — foi
loteada e está sendo ocupada. Em terrenos da União, seis casas viraram 35, de
até dois andares, a maioria ainda em construção, nos dois últimos anos. Do
total, 29 contam até com relógio de luz, instalado pela Light. É a chamada Vila
do Itanhangá, que está ganhando forma nos números 1.685, 1.687 e 1.689 da
estrada. Algumas das construções devem virar lojas.
Moradores admitem que as obras são irregulares e não têm licença
da prefeitura. Uma das casas, dizem, chegou a ser embargada pelo município. Mas
eles garantem que os terrenos foram cedidos pela Secretaria do Patrimônio da
União (SPU) há 60 anos a seis pessoas e estão em processo de regularização
fundiária. E argumentam que os terrenos foram distribuídos para parentes e
amigos a fim de evitar que milicianos da Muzema, uma favela próxima, se
apossassem do lugar.
— Milicianos estiveram aqui. Queriam ficar com nossa área.
Deram até tiro. Fomos à polícia e registramos — conta o pedreiro Augusto Nunes,
de 33 anos, que mora na vila com a mulher e o filho, de 1 ano.
Por e-mail, a SPU confirmou que a unidade do Rio concedeu a
inscrição de ocupação dos terrenos, embora apenas para um morador. A outorga da
inscrição, segundo a SPU, só foi feita em 1997. Com relação ao processo de
regularização fundiária, "a SPU/RJ está no aguardo das informações, que serão
levantadas por meio de um cadastro econômico-social, para iniciar a discussão
do assunto”.
Por meio de levantamento, o órgão identificou que as 35
famílias ocupam a área irregularmente. Em maio, a SPU entrou com pedido para
reintegração de posse da área e agora espera a decisão para tomar as
providências cabíveis.
Na defesa do loteamento, o técnico de informática André
Oliveira, de 43 anos, assegura que não se trata de invasão e que o meio
ambiente está sendo preservado:
— O nosso esgoto vai para um sumidouro. Não jogamos esgoto
na lagoa (da Tijuca). Também mantemos a faixa de proteção da lagoa. Construímos
um muro e não permitimos que nenhuma casa fique a menos de 17 metros da lagoa.
O subprefeito da Barra e de Jacarepaguá, Thiago Mohamed,
afirmou que desconhece o loteamento irregular. Prometeu, no entanto, mandar
fiscais ao local.
NÚMEROS
140 mil moradores - Estimativa da Associação de Moradores de Rio das Pedras
40 mil casas - Estimativa da associação
R$ 500 mensais - Valor do aluguel de quitinetes na favela