02/05/2018 08:10 - O Estado de SP
Depois de anos dependendo quase que exclusivamente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), as empresas começam a buscar novas alternativas para financiar seus projetos de infraestrutura, sem subsídio estatal. Com a queda da taxa de juros, a inflação controlada e a nova política do banco de fomento, as captações no mercado de capitais têm conseguido competir em igualdade com as modalidades públicas, algo inimaginável há dois anos.
Nesse ambiente, já tem sido possível financiar 100% de projetos de infraestrutura sem nenhum centavo do BNDES. No mês passado, por exemplo, o fundo de investimento Pátria levantou R$ 1 bilhão no mercado para bancar as obras de uma concessão rodoviária arrematada em 2017. A Alupar, empresa de energia elétrica, analisa algumas modalidades de captação privada para financiar projetos de transmissão, que vão somar investimentos de R$ 5 bilhões em quatro anos e meio.
Esse movimento tem ocorrido tanto pela queda da taxa Selic, hoje em 6,75% ao ano, como pela adoção da Taxa de Longo Prazo (TLP), que substituiu a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) nos contratos do BNDES. Sem o subsídio do Tesouro Nacional, que perdurou durante décadas nos juros cobrados pelo banco estatal, a taxa hoje está em torno 7,3% – o que dá competitividade nas demais modalidades do mercado. Na outra ponta, estão investidores de títulos públicos que antes eram remunerados a 14% ao ano e agora precisam buscar alternativas para melhorar a rentabilidade de suas aplicações.
“De um lado temos fundos e investidores institucionais querendo tomar crédito de longo prazo. Do outro, uma indústria de capitais com uma dinâmica melhor”, afirma o diretor da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), José Eduardo Laloni. Nesse ambiente, as debêntures viraram uma das grandes apostas das empresas para levantar recursos.
Esses papéis já começaram a atrair investidor estrangeiro e devem ganhar atenção dos fundos de pensão, que têm mais de R$ 1 trilhão em títulos públicos, para cumprir as metas atuariais, diz o presidente do Banco Fator, Gabriel Galípolo. No primeiro trimestre deste ano, houve um aumento de 75% no volume de debêntures emitidas no País. O setor de infraestrutura foi responsável 45% das emissões.
“A queda dos juros abre espaço para uma série de ferramentas, que estamos estudando para financiar os projetos dos próximos cinco anos”, diz o diretor financeiro da Alupar, Marcelo Costa. “O importante é que agora não há uma solução única. Podemos ter uma parte de capital e outra de financiamento.”
Além das debêntures, bonds (títulos no exterior) e empréstimos de órgãos multilaterais, como Banco Mundial, e agências de crédito à exportação (Ecas) devem ganhar espaço no mercado, afirma Edson Ogawa, responsável pela área de project finance do Santander. Segundo ele, até 2017, 80% dos volumes financiados em infraestrutura eram do BNDES, que assumia o risco da operação.
Os bancos comerciais atuavam como repassadores do banco de fomento e financiadores dos chamados “pontes” – empréstimo de médio e curto prazo que cobre o período até a concessão do crédito de longo prazo. A expectativa é que o apetite por essa modalidade aumente daqui para frente, prevê o responsável pela área de project finance do Itaú BBA, Marcelo Girão. Ele vê o banco mais ativo nos últimos meses, sobretudo em energia elétrica.
“Embora não seja papel dos bancos ser financiador de projetos de longo prazo, as instituições privadas estão assumindo o risco de capital na estruturação de debêntures de infraestrutura”, disse.
Outra forma de os bancos atuarem será como investidor, comprando debêntures. “As perspectivas para o ano de 2018 são de maior participação dos bancos privados em projetos de infraestrutura, diante de um estoque de projetos de geração e transmissão de energia e novos projetos de logística (aeroportos, rodovias e mobilidade urbana) que foram licitados em 2017-2018 e que demandarão soluções de financiamento de curto e longo prazos”, afirma Rui Gomes da Silva Junior, responsável pela área de project finance do banco de investimento do Bradesco, o Bradesco BBI.
Juliane Yung, responsável por “corporate banking” no Banco MUFG Brasil (antigo Banco de Tokyo-Mitsubishi UFJ) afirma que o espaço deixado pelo BNDES é uma questão aberta. O MUGF analisa a possibilidade de trabalhar no País com “project bonds”, espécie de título de crédito para grandes obras de infraestrutura com vencimento entre 20 e 30 anos.
Os executivos, porém, fazem questão de destacar que o BNDES continuará sendo uma das principais fontes de financiamento do País. Só que agora terá companhia de peso em prazos e custos. A diretora do banco de fomento Marilene Ramos concorda: “Continuaremos sendo o principal financiador de infraestrutura, mas não seremos os únicos”. Segundo ela, além de financiador, o banco também incentiva múltiplos instrumentos para financiar o mercado.
A instituição criou um fundo de investimento que vai comprar debêntures de energia renovável. A captação foi de R$ 500 milhões, sendo que o banco se compromete a adquirir 50% das cotas do fundo. Outros fundos estão nos planos do banco.