Escalada do petróleo agrava risco da gestão de preços da Petrobras

24/02/2021 08:01 - Valor Econômico

Por Stella Fontes — De São Paulo

Petróleo e derivados devem seguir valorizados nos próximos meses, na esteira da combinação de estoques reduzidos, oferta global ainda limitada e demanda em forte recuperação após o baque da pandemia, dando sequência ao ganho acumulado de 24% em 2021. No curto prazo, o preço da commodity pode rondar o intervalo de US$ 70 a US$ 80 por barril, acima dos níveis pré-covid-19, indicam as projeções mais recentes de consultorias especializadas e bancos de investimentos, que aceleraram a revisão de estimativas após a onda de frio que afetou a produção de óleo e gás no sul dos Estados Unidos.

Teoricamente, os preços dos combustíveis no mercado brasileiro deveriam acompanhar essa tendência e têm neste momento, portanto, viés de alta. Mas a interferência do governo federal no comando da Petrobras lançou dúvidas sobre o cumprimento da política de preços da estatal e não está claro se a administração do general da reserva Joaquim Silva e Luna, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro como substituto de Roberto Castello Branco no comando da petroleira, buscará a paridade, na avaliação de analistas e consultores ouvidos pelo Valor.

“A política de preços da Petrobras pode estar em risco”, diz o analista de energia e petróleo da XP Investimentos, Gabriel Francisco. Conforme o analista, os preços do diesel no mercado interno, após o reajuste que foi criticado pelo governo e culminou na crise com Castello Branco, seguem com defasagem de 8,3% em relação ao preço de paridade de importação, o que afeta negativamente os resultados da estatal. Nesta terça-feira, os contratos futuros do Brent para maio subiram 0,2%, a US$ 64,48. Na semana, a valorização chega a 3,8%.

Para o chefe de pesquisa da área de exploração e produção de petróleo da Wood Mackenzie na América Latina, Marcelo de Assis, a sinalização de interferência foi dada e o ambiente na estatal seguirá “tensionado”. “É preciso acompanhar se prevalecerá a política de preços ou o papel social”, afirma. A consultoria já trabalhava com estimativa de preço médio de US$ 50 a US$ 60 o barril em 2021, indicando a expectativa de recuperação após o choque da pandemia, quando os preços tocaram o menor preço em mais de duas décadas.

No mercado oriental, explica Assis, a demanda de petróleo e derivados voltou a mostrar vigor, contribuindo para a alta dos preços. No Ocidente, a retomada tem sido mais lenta, mas não há expectativa de medidas tão rigorosas de isolamento social quanto as tomadas no primeiro semestre do ano passado.

Ao mesmo tempo, a oferta de petróleo no mundo foi reduzida, por causa da decisão unilateral da Arábia Saudita de cortar produção e, mais recentemente, da onda de frio que afetou as operações no Texas. O especialista calcula que pelo menos 2 milhões de barris diários de óleo deixaram de ser produzidos como resultado desses dois eventos. Mas as estimativas de mercado mais pessimistas apontam que até 4 milhões de barris por dia foram perdidos em produção somente nos Estados Unidos.

Analistas e especialistas são unânimes, contudo, quanto à brevidade do efeito do gelo em solo americano. “O curinga do clima atacou novamente (...) Mas essa história é temporária”, destacou em nota Norbert Rücker, chefe de economia e pesquisa do banco suíço Julius Baer. Na avaliação do especialista, a oferta americana deve se normalizar nos próximos meses e coincidirá com um momento de demanda mais forte, influenciada pela recuperação das viagens e atividades de lazer.

Em linhas gerais, o Julius Baer acredita que a forte recuperação da demanda mais do que compensará a retomada da oferta de óleo e vê preços temporariamente acima de US$ 70 por barril no curto prazo, em particular em meados de 2021. Os preços atrativos devem levar a Arábia Saudita a rever seus níveis de produção e à aceleração da exploração de gás de xisto nos Estados Unidos, de forma que, no longo prazo, as cotações elevadas não devem se sustentar.

O Bank of America tem uma visão mais otimista para o médio prazo e projeta preço do Brent entre US$ 50 e US$ 70 o barril. Nos próximos três anos, aponta o banco, a demanda pode avançar o maior ritmo desde a década de 70, abrindo espaço para que as cotações atinjam pico de US$ 100 o barril. O BofA elevou a US$ 60 o preço médio projetado para 2021.

Aponta que o maior risco de curto prazo estaria em novo acordo com o Irã, reduzindo as tensões geopolíticas e trazendo 2 milhões de barris de óleo ao dia para o mercado. Para o UBS, os fundamentos de longo prazo sugerem que os preços devem girar entre US$ 60 e US$ 80, como se viu em 2019 e em 2020, antes da pandemia.

As atenções agora estão voltadas à reunião da Opep+, formada pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e aliados, no início de março, que pode decidir por elevação da produção em abril. Para Assis, da Wood Mackenzie, parece pouco provável que a Arábia Saudita despeje sua produção no mercado e derrube os preços.