Fraude da Mitsubishi põe em xeque testes das montadoras

22/04/2016 09:14 - Valor Econômico

Yuko Kubota / The Wall Street Journal

A admissão da Mitsubishi Motors Corp. de que fraudou testes de economia de combustível coloca em evidência a intensa concorrência em busca de maior eficiência no consumo pelo mundo e, especificamente, em segmento de mercado único do Japão, o dos minicarros, conhecidos como "kei" no país.

As consequências da revelação se disseminaram ontem, com as ações da empresa caindo mais de 20% em Tóquio, após desvalorização de 15% registrada na sessão anterior. Autoridades japonesas fizeram uma batida em um escritório da Mitsubishi na região central do Japão pelo segundo dia consecutivo, em busca de evidências.

A Mitsubishi admitiu manipular dados em quatro modelos, todos minicarros - veículos baratos e funcionais, com motores de 660 centímetros cúbicos ou menos e formatos que se assemelham a uma caixa. Em 2015, o segmento representou 38% das vendas automotivas no Japão, que somaram cerca de cinco milhões de veículos. Há dez anos, a parcela era de 30%.

O maior rigor da regulamentação e o aquecimento mundial tornaram os consumidores em muitas partes do mundo mais zelosos quanto ao consumo de gasolina. Governos na Europa e o dos Estados Unidos pressionaram as montadoras a assumir metas ambiciosas de consumo para todos seus veículos, enquanto os da China e Índia introduziram padrões de economia de combustível.

No Japão, onde a média de idade da população vem ficando mais alta, os consumidores trocam seus carros antigos por modelos menores à medida que envelhecem e seus filhos saem de casa.

Por anos, o mercado de minicarros foi dominado pela Suzuki Motor Corp. e pela Daihatsu Motor Co., que ainda detém, somadas, cerca de 60% de participação. O crescimento do segmento, no entanto, levou outras marcas, como a Mitsubishi e a Nissan Motor Co., a criar novos modelos, o que desencadeou a concorrência ferrenha.

Uma forma de atrair a atenção dos clientes é com recordes na economia de combustível. Em setembro de 2011, a Daihatsu lançou seu primeiro carro a gasolina a percorrer mais de 30 quilômetros com um litro, como medido nos padrões japonesas. Três meses depois, a Suzuki lançou um carro que atingiu a marca de 30,2 quilômetros por litro e, em seguida, as duas passaram superar constantemente uma à outra com novos modelos.

Concorrentes menores no segmento, como a Mitsubishi e a Nissan, decidiram que queriam uma fatia desse bolo. Em 2011, as duas empresas formaram um empreendimento conjunto para desenvolver e construir minicarros. O acordo permitiu à Mitsubishi usar parte de sua capacidade de produção ociosa no Japão para fornecer minicarros à Nissan, que vendia os veículos sob a marca Nissan para sua rede de concessionárias.

Cerca de 75% dos 625 mil carros afetados pelos dados manipulados eram da marca Nissan.

O relacionamento Mitsubishi-Nissan expandiu-se e tornou-se um aliança mais ampla em 2013, com o compartilhamento de produtos, tecnologia e capacidade produtiva, incluindo também a Renault, parceira da Nissan.

A Mitsubishi fixou metas internas de economia de combustível e empenhou-se em equiparar os resultados das rivais. Na Mitsubishi, o chefe de desenvolvimento de produtos fixava a meta em encontros com a alta gerência, que, então, a aprovava, disse o vice-presidente executivo da firma, Ryugo Nako, em entrevista na quarta.

"Estamos falando sobre um mundo de concorrência. A equipe de desenvolvimento deve pensar alto e fixar metas desafiadoras, mas isso não significa que a gerência está pressionando por metas que não são sustentadas por evidências tecnológicas", disse.

Para um dos modelos em questão, o eK Wagon ano 2014, a meta interna aprovada pela gerência foi de 29,2 quilômetros por litro, atingida quando o carro ficou disponível para venda. O consumo do novo eK Wagon foi divulgado como de 30,4 quilômetros por litro. De acordo com a Mitsubishi o número foi superestimado em 5% a 10%.

Os funcionários que manipularam os números provavelmente o fizeram para atingir a meta interna de consumo da empresa, segundo Nakao. O executivo disse que a empresa investiga se as metas eram impossíveis de serem atingidas sem a manipulação.

Em agosto de 2015, a Nissan pediu à Mitsubishi para que realizasse uma investigação conjunta, o que foi levado a cabo em fevereiro. A Mitsubishi analisou os resultados em março e confirmou a discrepância. Na esteira do escândalo, a Mitsubishi comunicou que vai discutir indenizações para a Nissan, que disse não ter planos, por enquanto, para alterar a parceria.

Os maiores acionistas da Mitsubishi Motors são membros do grupo Mitsubishi de empresas, que têm história comum e laços informais, além de participações societárias cruzadas. Coletivamente, os membros do grupo Mitsubishi têm 34% da Mitsubishi Motors, depois de um pacote de socorro financeiro realizado em 2004.