24/02/2021 07:50 - Folha de SP
Daniel Carvalho
Dentre as medidas que o governo Jair Bolsonaro (sem partido) estuda para reduzir o impacto do aumento dos preços dos combustíveis, sem interferir na política da Petrobras, está a criação de um "voucher caminhoneiro".
A ideia seria calcular uma média dos quilômetros rodados e do consumo de diesel. Quando o preço aumentasse, os profissionais teriam uma restituição do valor equivalente à tributação federal, hoje, PIS/Cofins.
Os defensores da medida dizem que a iniciativa é muito mais barata do que uma isenção para toda a população. No entanto, críticos apontam incoerência na criação de uma "bolsa caminhoneiro" quando o país busca uma solução fiscal para o auxílio emergencial.?
Auxiliares de Bolsonaro, porém, veem mais viabilidade em outra medida sobre a mesa: a criação de um fundo com excedentes de royalties para pagar a Petrobras e importadores quando houver oscilação nos preços.
A criação deste colchão foi discutida em 2018, durante a greve dos caminhoneiros no governo Michel Temer (MDB). O vice-presidente Hamilton Mourão disse nesta segunda-feira (22) ver a criação do fundo como a única saída.
"Na minha visão, a solução para isso é se a gente conseguisse criar um fundo soberano com base nos royalties do petróleo, e este recurso, quando houvesse essas flutuações, fosse usado para amortecer os aumentos. Não tem outra solução fora disso aí", disse Mourão.
A medida conta com apoio de representantes do primeiro escalão do governo, como o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, principal interlocutor do Palácio do Planalto com os caminhoneiros –categoria que, mesmo difusa, pressiona pela redução no preço dos combustíveis.
A iniciativa, porém, encontra resistência no Ministério da Economia. De acordo com integrantes do governo, a pasta é contra por ser refratária à criação de fundos.
Um pacote de bondades para os caminhoneiros está em estudo no Executivo, apesar de ainda não haver uma data para ser formalmente apresentado.
Uma das medidas sobre a mesa é alteração na regra da pesagem, reivindicação antiga dos condutores.
O governo pondera que, ao alterar a regra, haverá reação imediata das concessionárias de rodovias. Por isso, está sendo analisado como garantir o reequilíbrio dos contratos, que devem ser impactados em 2% a 4%.
Também está no radar do Executivo medida para reduzir o número de caminhões em circulação, o que poderia garantir um reequilíbrio no mercado, hoje com mais oferta que demanda.
A ideia é pedir para que, voluntariamente, caminhoneiros vendam seus veículos para o governo e façam cursos de requalificação no Sistema S.
Uma possibilidade seria usar recursos de compensação ambiental da Petrobras, já que a saída de circulação de caminhões antigos poderia ser enquadrada como medida de âmbito ecológico por causa da redução de CO2.
O temor de inferência na política de preços da Petrobras tomou o mercado nesta segunda (22) e fez a empresa derreter. As ações da petroleira caíram mais de 20% e derrubaram outras estatais.
Nesta terça as ações preferenciais (sem direito a voto) subiram cerca de 9%, e as ordinárias, cerca de 12%.
"O que eu interferi na Petrobras? O que eu falei para baixar o preço [dos combustíveis]? Nada, zero", disse Bolsonaro a apoiadores nesta terça-feira (23).
A crise começou por causa da comunicação truncada do presidente. Na live semanal de quinta-feira (18), ele disse que haveria mudanças na Petrobras.
Cerca de 24 horas depois, anunciou a intenção de substituir o atual presidente da petroleira, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim Silva e Luna?. A troca ainda precisa ser aprovada pelo conselho de administração, reunido nesta terça.
O mandato de Castello Branco já estava previsto para terminar em 20 de março. Auxiliares de Bolsonaro tentaram convencê-lo a fazer a troca de maneira menos traumática, mas não obtiveram sucesso.
Já no fim de semana, o presidente Bolsonaro afirmou ainda que pretende "meter o dedo na energia elétrica".
Sobre a Petrobras, o presidente relatou a pessoas próximas que havia perdido a confiança em Castello Branco e que vinha sendo surpreendido pelos sucessivos aumentos nos preços dos combustíveis, sendo informado pela imprensa, sem a possibilidade de preparar politicamente o terreno para a notícia.
Além disso, questões menores irritaram Bolsonaro. Ele se incomodou, por exemplo, com o fato de o presidente da Petrobras aparecer em reunião e entrevista ao lado dele com máscara e óculos de proteção.
O chefe do Executivo também não escondeu irritação com o fato de, por causa da pandemia de Covid-19, Castello Branco estar trabalhando de casa, em home office.
Bolsonaro ainda anunciou na semana passada isenção, a partir de 1º de março e por tempo indefinido, de PIS/Cofins do gás de cozinha. Também haverá isenção destes impostos para o diesel, mas apenas durante dois meses. O governo não indicou como fará a compensação destes benefícios.
Interlocutores do presidente da República argumentam que não há previsão de greve e que as iniciativas envolvendo os preços dos combustíveis têm cunho social e não visam apenas os caminhoneiros, mas também condutores de van, entregadores, motoristas de aplicativo e consumidores de gás.
No entanto, há viés eleitoreiro nas medidas que contrariam o mercado financeiro e acenam para uma categoria que é base política para os planos de Bolsonaro em 2022.