24/03/2016 07:00 - Folha de SP / O Estado de SP
GIBA BERGAMIM JR.
O prefeito Fernando Haddad (PT) sancionou nesta quarta-feira (23) a nova lei de zoneamento sem vetar as mudanças mais polêmicas feitas durante a tramitação do projeto na Câmara de São Paulo.
A lei, que valerá pelos próximos 13 anos, define o que pode ser construído e que tipo de atividade pode existir em cada rua da cidade.
Com a sanção, o novo projeto urbanístico da cidade prevê mais áreas mistas (que juntam residência e comércio), prédios mais altos nas grandes avenidas com estrutura de transporte e mais terrenos voltados à construção de moradias para a população de baixa renda -previstas inclusive em áreas verdes da cidade. A lei já foi publicada no "Diário Oficial da Cidade" e, portanto, está valendo.
Embora o conceito geral do projeto original de Haddad tenha sido mantido, após pressões de associações de moradores, da Igreja e de construtoras, parte do texto foi mudado no Legislativo. Mesmo assim, o prefeito disse, nesta manhã (23), que a cidade "tem a legislação urbanística mais moderna do país", citando um estudo internacional sobre o tema.
Uma das mudanças no texto foi a proibição de bares e restaurantes nas regiões dos Jardins, Pacaembu e City Lapa, que são tombados (protegidos pelos órgãos de patrimônio histórico) por suas características urbanísticas e de vegetação. O texto original previa mais áreas comerciais nessas áreas, o que gerou protestos de moradores que exigiam a manutenção das características estritamente residenciais.
Após reclamações, o Jardim Marajoara (zona sul) conseguiu o mesmo benefício, que havia sido pleiteado também por moradores do Sumarezinho, Perdizes (oeste) e Planalto Paulista (sul) –nesses últimos, os corredores comerciais foram mantidos.
Outra alteração feita às vésperas da votação definitiva –em 25 de fevereiro– permite que sejam construídos apartamentos maiores que os previstos anteriormente (de até 80 m² para até 120 m²) e com mais de uma vaga na garagem nas grandes avenidas de São Paulo dotadas de transporte público. Isso, porém, só será válido num período de três anos improrrogáveis após a sanção da lei.
A novidade ocorreu após pleitos do mercado imobiliário, que considerou o modelo previsto no projeto original inviável num momento de crise. Para a prefeitura, a mudança interfere em apenas 2% da produção imobiliária na cidade. De acordo com Haddad, esta estratégia foi escolhida para induzir o mercado imobiliário a olhar para os eixos de transporte. "É como se houvesse um preconceito de mercado para os eixos".
A lei também libera templos religiosos com capacidade para até 500 pessoas em ruas estreitas da cidade, além de permitir cultos a partir das 6h –a permissão hoje é a partir das 7h.
A regularização ocorreu em meio a pedidos da Igreja Católica, que montou uma comissão interna para elaborar sugestões de artigos à lei.
O texto final também libera os chamados puxadinhos na periferia - em lotes de até 250 metros quadrados que misturem residência e comércio, passam a ser permitidos imóveis de até três pisos (comércio no térreo e mais dois andares residenciais).
Em entrevista à Folha no mês passado, o secretário de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, classificou as alterações como "falsas polêmicas". "A cidade é muito complexa, tem inúmeros interesses legítimos e conflitantes, e o texto resulta desse processo", disse.
O secretário afirmou nesta terça (22) que é impossível que 100% da população esteja satisfeita como a nova lei. "Mas a grande maioria se viu contemplada", disse Franco.
INOVAÇÃO E VETOS
A gestão Haddad defende que a nova lei incentiva a transformação urbana, prioriza o transporte público, qualifica o espaço para pedestres e cria uma cota ambiental nas construções para reduzir a sobrecarga nos sistemas de drenagem.
Para a administração, a nova lei também cria melhores condições de desenvolvimento econômico, incentiva a diversificação do uso do solo em bairros com famílias de baixa renda, além de regularizar indústrias e fortalecer o processo de proteção ambiental e cultural de São Paulo.
O prefeito vetou 16 itens pontuais que haviam sido incluídos por parlamentares.
Dez deles tratam-se de áreas demarcadas originalmente como zonas de proteção ambiental, mas foram aprovadas na Câmara com finalidade diferente (zonas para moradias populares, por exemplo).
A prefeitura devolveu a demarcação original.
Outras seis estavam demarcadas como zonas de interesse social (moradias populares) e foram trocadas por outros tipos de uso pelo vereadores.
Também retornaram para o zoneamento previsto antes.
Ao justificar os vetos, Haddad disse que vetou todas as alterações que estavam em desacordo com o escopo geral da lei. "Segui 100% das recomendações dos técnicos da secretaria de Desenvolvimento Urbano. Acatei tudo", afirmou.
Segundo a prefeitura, o processo de discussão –que durou quase dois anos– teve a participação de 16.022 pessoas, que deram 13.100 sugestões para a lei.
COMO FICA A DIVISÃO
O Estado de SP
Haddad sanciona zoneamento com mudanças no Plano Diretor
São Paulo, 23 - A nova Lei de Zoneamento foi sancionada pelo prefeito Fernando Haddad (PT) com todas as alterações no Plano Diretor aprovadas pela Câmara Municipal. A partir desta quarta-feira, 23, estão liberados, por exemplo, apartamentos maiores e com mais de uma vaga de garagem nas avenidas com oferta de transporte público, assim como prédios com o dobro de altura em 8% do território da capital. Incluídas no projeto cinco dias antes da votação, as regras são citadas em ação civil pública apresentada na segunda-feira à Justiça pelo Movimento Defenda São Paulo, que pede a suspensão da lei.
Formado por moradores de bairros das zonas sul e oeste, como Jardim das Bandeiras, Ibirapuera e Alto de Pinheiros, a entidade alega que as mais de 50 audiências públicas realizadas pelo Executivo e pelo Legislativo perderam importância, já que a versão final foi divulgada horas antes da votação, realizada em 25 de fevereiro, sem anuência da população.
"Vamos ter de buscar nossos direitos no Judiciário porque não fomos ouvidos apesar de todas as audiências públicas. Depois da primeira votação, ano passado, foram feitos outros três textos sem que se divulgassem as alterações e quem as pediu", reclama a arquiteta e urbanista Lucila Lacreta.
A ação civil pública cita ainda problemas no mapa da lei. Para o Movimento Defenda São Paulo, a sociedade não sabe até agora o que de fato está valendo. "Nem se o mapa não será alterado depois", completa Lucila. Diferentemente do zoneamento elaborado na gestão de Marta Suplicy, em 2004, essa revisão não traz os perímetros delimitados em texto. Para o vereador Gilberto Natalini (PV), só esse fato já basta para anular todo o processo. O parlamentar já tem uma ação em andamento na Justiça com esse objetivo. A Prefeitura, no entanto, alega que as novas tecnologias incorporadas, como a possibilidade de mapas georreferenciados, só dão mais segurança ao processo.
Publicada na edição desta quarta do Diário Oficial da Cidade, a revisão da lei que permite os tipos de uso e ocupação do solo na cidade também amplia o leque de atividades permitidas nos corredores comerciais em bairros residenciais como Planalto Paulista, Brooklin, Jardins, Pacaembu, City Lapa. Esses três últimos, no entanto, conseguiram no fim do processo vetar a instalação de bares, restaurantes e baladas, por exemplo - benefício não estendido às demais Zonas Estritamente Residenciais (ZERs), o que aumentou a polêmica.
Com mudanças de última hora, a lei foi aprovada com o apoio de 45 dos 55 vereadores. Após nove meses de debates e quatro versões diferentes de texto, o novo zoneamento deve ser protestado judicialmente ainda por outras 17 associações de moradores de ZERs que não aprovam a versão final.
Para o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, apesar de a lei não agradar a 100% das pessoas que participaram do processo, ela foi construída com grande participação popular. "Há de se esperar que tenha gente insatisfeita, mas esse foi um trabalho de pactuação e mediação de conflitos", afirma. Franco também refuta a tese de que o zoneamento altera o Plano Diretor. Segundo ele, a liberação de uma garagem extra nos eixos de transporte, por exemplo, é necessária pela situação econômica do País. "Essa é uma regra transitória, que valerá por três anos improrrogáveis e só impactará em 2% do território de eixo".
Anistia. A partir desta quarta, com a sanção do novo zoneamento, uma série de atividades consideradas hoje irregulares ganham anistia da Prefeitura, como igrejas que funcionam em vias estreitas e com torres altas, indústrias em bairros residenciais e imóveis da periferia usados ao mesmo tempo como comércio e residência.
Pressionados pelos setores do comércio e do mercado imobiliário, Prefeitura e Câmara ainda aceitaram criar eixos secundários de verticalização em 8% do território da capital, onde a altura máxima dos prédios dobrará de 8 para 16 andares, e afrouxar as regras da fiscalização de estabelecimentos irregulares. Um bar aberto após 1h, sem isolamento acústico, passará a pagar multa de R$ 8 mil - valor 80% menor que o atual.
Já os níveis permitidos de ruído foram ampliados na lei. Em todas as áreas classificadas como zona mista (ZM), que corresponde basicamente ao miolo dos principais bairros da cidade, como Vila Madalena e Pinheiros, na zona oeste, o limite máximo passa de 40 para 50 decibéis.
Vetos. O prefeito Haddad vetou a classificação de 16 terrenos da cidade por discordar do uso definido pelos vereadores ao longo do processo de votação. Como resultado, dez dessas áreas ficarão sem zoneamento. São locais que, segundo o diretor do Departamento de Uso do Solo da Prefeitura, Daniel Montandon, têm características ambientais e por isso devem ser protegidos. Na Câmara, essas localidades foram transformadas em zonas para construção de moradia popular ou funcionamento de indústrias, por exemplo. As outras seis áreas vetadas seguirão a classificação dada pelo Plano Diretor de 2014 e voltarão a ser Zonas de Interesse Social (Zeis).