09/06/2022 08:30 - Valor Econômico
O pacote do governo para reduzir o preço dos combustíveis deverá baixar a inflação e estimular a economia no curto prazo, durante o período eleitoral, mas vai devolver boa parte desses ganhos no ano que vem, tornando mais desafiador o cenário do novo mandato presidencial.
“A melhor definição para este pacote é ‘populismo fiscal’”, afirma o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore. “Primeiro, derruba a inflação no ano eleitoral, com o objetivo de aumentar a popularidade do presidente. Transfere inflação para o próximo ano, dado que o pacote não pode ser prorrogado se tiverem um mínimo de responsabilidade. Isso não é política econômica. Não há objetivos econômicos nem sociais.”
A definição consagrada entre os economistas para populismo é justamente políticas que trazem ganhos no curto prazo, ajudando nos índices de aprovação dos governantes, mas que não se mostram sustentáveis no médio e longo prazos.
Os economistas do mercado financeiro estão fazendo as contas para medir o efeito que o pacote teria. Considerando que as medidas alcancem todos os objetivos esperados pelo governo, a inflação neste ano poderia ficar cerca de três pontos percentuais menor que o previsto, segundo cálculos do Itaú Unibanco, que está em linha com a estimativa de outras instituições financeiras.
O problema é que pelo menos uma parte das medidas é temporária. O governo Bolsonaro anunciou a intenção de ressarcir os Estados que cortarem o ICMS incidente no diesel e no gás de cozinha de 17% para zero. Também pretende zerar a alíquota de impostos federais até o fim do ano.
Essas medidas, nas contas do Itaú, teriam um impacto baixista de cerca de 0,9 ponto percentual na inflação de 2022. Mas, como só valem para este ano, provocariam um incremento também de 0,9 ponto percentual na inflação de 2023, que hoje é o principal alvo da política monetária.
Considerando os dois efeitos, a inflação neste ano cairia dos cerca de 9% estimados pelo mercado para 6%, garantindo um alívio para o presidente Bolsonaro durante o período eleitoral. Mas, no ano que vem, a inflação poderia passar dos 4,39% previstos pelo mercado para cerca de 5,4%. Dessa forma, vai se distanciando da meta de inflação, de 3,25%.
Um ex-diretor do Banco Central diz que o impacto inflacionário em 2023 e anos seguintes poderá ser ainda mais severo. Estados e municípios estão abrindo mão de ganhos de arrecadação não permanente e teriam que recompor receitas com aumentos de impostos assim que a forte alta de preços de commodities tiver passado.
A economista-chefe do Credit Suisse, Solange Srour, afirma que o acirramento do risco fiscal provocado pela medida também poderá turvar o cenário inflacionário. “O risco fiscal está aumentando e cria um novo problema para a nova administração, seja quem for o presidente”, afirma.
Segundo ela, o corte de impostos pelos Estados, feito em cima de um ganho de arrecadação que não tende a ser permanente, poderá enfraquecer sua situação fiscal mais adiante. “Quando os Estados estão em dificuldades, o governo federal sempre é chamado a socorrê-los.”
As medidas de curto prazo, por outro lado, dão apenas um alívio de curto prazo em alguns preços, mas na essência não mudam a dinâmica da inflação. “O Banco Central não deveria se sentir mais confortável para encerrar o ciclo de alta de juros”, opina.
O Itaú estima que todo o pacote para a redução de impostos teria um impacto fiscal de 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB), considerado nas contas também o projeto de lei que limita a 17% a alíquota de ICMS incidente sobre energia elétrica, telecomunicações e combustíveis.
Do ponto de vista da atividade econômica, o pacote teria impacto inicial de estímulo. Cortes de impostos ampliam a renda disponível da população e tendem a abrir espaço para mais gastos no orçamento das famílias. Mas, num segundo momento, a economia tenderá a sentir os impactos da piora nas condições financeiras. Com isso, as perspectivas de expansão do PIB para 2022 podem melhorar, em relação aos 1,2% previstos pelo mercado no boletim Focus. Mas, para o ano que vem, pode ficar abaixo da estimativa de 0,76%.
Por ora, diz Solange Srour, a reação do mercado tem sido relativamente contida, em juros, câmbio e bolsas. Mas poderá haver um acirramento dos riscos à medida que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) for discutida no Congresso e for ficando mais claro que o primeiro ano dos próximos governos federal e estaduais será mais difícil.
“Nas discussões sobre a PEC, devem aumentar as pressões para oferecer uma compensação maior e por mais tempo para os Estados, além de outras demandas”, afirma ela.
O sócio-diretor da Reach Capital Igor Barenboim tem visão diferente - para ele, não pode se descartar a possibilidade de as medidas terem um efeito positivo mais duradouro. “Pode ser bom para a inflação, pode ser bom para a atividade econômica”, afirma ele.
Ele argumenta que o Brasil está sendo impactado por um choque de preços de commodities, com desdobramentos tanto positivos quanto negativos. Do lado negativo, está a inflação, particularmente severa nos preços dos combustíveis. Mas há também um impacto positivo na economia que favorece a arrecadação.
Para Berenboim, é aceitável que as forças políticas utilizem uma parte desses ganhos para atenuar os impactos negativos do choque. Um outro economista de um grande banco diz que, mesmo com o programa lançado pelo governo, o resultado primário será bem melhor do que se esperava.
Há alguns meses, a estimativa desse economista era de um déficit primário de R$ 100 bilhões. Com a surpresa na arrecadação e o leilão da Eletrobras, a perspectiva passou para um resultado positivo de R$ 80 bilhões. A nova despesa com o pacote dos combustíveis pode levar a equilíbrio ou um déficit primário, mas não tão alto como se previa antes.
Barenboim diz que os impactos de uma eventual piora dos riscos fiscais na inflação e na atividade não são garantidos. Neste primeiro momento, a reação dos mercados foi contida, e a economia real já teria reajustado os preços levando em conta uma taxa de câmbio mais depreciada que a atual.