Medo como passageiro

11/07/2015 08:27 - O Globo

Às 12h55m, o auxiliar de serviços gerais Alexandre Oliveira, de 46 anos, entra na estação de metrô da Uruguaiana. Ele desce as escadas e é seguido por três bandidos A Estação Uruguaiana do metrô estava lotada quando, às 12h57m de ontem, o burburinho e o andar apressado de passageiros deram lugar a estampidos, gritos e correria. Vários passageiros se jogaram ao chão. "O clima era de pânico generalizado”, contou o comerciante Ricardo Alexandre Calazans. Em frente à bilheteria, o auxiliar de serviços gerais Alexandre Oliveira, de 46 anos, agonizava, baleado no pescoço e no peito. Ele não resistiu aos ferimentos. De acordo com as primeiras investigações da Divisão de Homicídios (DH) da Polícia Civil, o passageiro foi mais uma vítima do crime conhecido como "saidinha de banco”. O assassinato em um dos locais mais movimentados do Centro logo ganhou grande repercussão nas redes sociais. Mensagens de cariocas preocupados com parentes e amigos que costumam viajar de metrô foram enviadas em profusão, reforçando a impressão de que ali, naquela hora, a vítima poderia ser qualquer um.

 

Foram três disparos. Dois deles atingiram Alexandre no pescoço e no peito. Funcionário de uma firma de entregas, ele carregava uma bolsa na qual havia dinheiro para o pagamento de funcionários de uma empresa. Um terceiro disparo atingiu outro passageiro, Diogo Muinos, de 34 anos, ferido de raspão na perna direita. O crime foi praticado por três criminosos, que escaparam — com a bolsa de Alexandre — sem serem notados por guardas municipais e policiais civis que faziam uma operação de repressão à pirataria no camelódromo da Uruguaiana, ao lado da estação do metrô. Toda a ação foi registrada por câmeras de segurança, e os suspeitos aparecem com nitidez nas imagens.

SEGURANÇAS NÃO REAGIRAM

A estação do metrô ficou quase três horas fechada para o trabalho de peritos. Diretor da DH, o delegado Rivaldo Barbosa acredita que Alexandre foi vítima de latrocínio (roubo seguido de morte), mas não descarta outras possibilidades. Pelo WhatsApp do GLOBO (21 99999-9110), passageiros enviaram várias imagens que mostram o auxiliar de serviços gerais ensanguentado no chão. De acordo com relatos de alguns deles, no momento do ataque, havia alguns seguranças no local, mas, como trabalham desarmados, eles não reagiram à ação dos criminosos.

Alexandre morava no Morro de São Carlos, no Estácio, e trabalhava na CoopSeg, empresa de transporte de valores do Méier. Tinha mais de 20 anos de experiência na função e, segundo sua ex-mulher, Mônica dos Santos, sabia dos riscos que corria. A tarefa dele era fazer saques em agências e levar o dinheiro até os clientes. Costumava fazer o serviço acompanhado de um segurança, mas ontem, excepcionalmente, estava sozinho.

— Ele tinha medo de andar com muito dinheiro e sempre dizia que, se fosse assaltado, entregaria tudo, não reagiria — disse a ex-mulher do auxiliar de serviços gerais.

Mônica foi casada com Alexandre por 18 anos. Separados desde 2006, eles mantinham uma boa relação. O auxiliar de serviços gerais deixa uma filha de 24 anos e duas netas.

— Mataram um trabalhador. É um absurdo ele ter sido assaltado e morto dentro de uma estação do metrô, com vários policiais do lado de fora. E os bandidos ainda conseguiram escapar — lamentou Mônica.

Ex-concunhado de Alexandre, o taxista Aricarlos Silva Carvalho esteve no local para reconhecer o corpo. Ele chorava muito quando chegou à estação.

— A família está chocada. Ele era uma Os três bandidos fogem com a bolsa de Alexandre. Policiais civis que faziam uma operação no camelódromo da Uruguaiana realizam buscas, sem sucesso pessoa muito querida por todos, amava intensamente as duas netinhas. Era como um um irmão para mim — disse Aricarlos, muito emocionado.

Segundo Rosilene Santos da Silva, excunhada de Alexandre, não foi a primeira vez que ele sofreu um assalto. No ano passado, o auxiliar de serviços gerais foi abordado por bandidos quando entrava em um prédio no Centro. Na ocasião, estava com um segurança e nada sofreu.

Ontem, o comerciante Pablo Rodrigues estava desembarcando de um trem do metrô quando ouviu os disparos. Ainda assustado, ele fez um desabafo:

— Os seguranças, em vez de socorrerem a vítima que se debatia no chão, ficaram preocupados em esvaziar a estação e impedir que as pessoas registrassem o ocorrido com seus celulares.

Em uma nota, a concessionária MetrôRio negou: "Os seguranças fizeram o atendimento às vítimas imediatamente”.

O Procon estadual informou que vai abrir um processo administrativo para investigar a responsabilidade da concessionária no assalto. O objetivo é apurar se houve falha na segurança da estação.

Nas redes sociais, revolta com crime em local que era tido como seguro

Passageiros dizem que começam a ter medo de utilizar o transporte

Os passageiros do metrô sempre se sentiram a salvo nos vagões refrigerados. Debaixo da terra, a sensação de segurança prevalecia, mesmo depois de alguns episódios de arrastões. Por isso, a notícia de que um homem morrera durante um assalto na estação da Uruguaiana, ontem, fez com que as redes sociais fossem tomadas por mensagens que misturavam espanto e indignação. No Twitter, uma moça mostrou sua perplexidade: "Nunca tive medo de andar de avião, mas estou começando a ficar com medo de andar de metrô”.

O ator Bruno Mazzeo também postou na rede: "Sextafeira, 13 horas, Centro do Rio. Metrô, estação Uruguaiana. Tá lá mais um corpo estendido no chão”. Outro usuário reclamou: "Não aguento mais ver essas barbaridades. Uma hora da tarde no metrô. Quem poderá nos defender?”. Nos posts, algumas críticas também ao policiamento da região: "Em cima, centenas de policiais fechavam o camelódromo. Os ladrões mataram e escaparam na frente deles”.

Amigos de quem costuma saltar na Uruguaiana também demonstram preocupação. A designer de joias Tatiana Bravo, por exemplo, contabilizou 25 telefonemas e mensagens por WhatsApp de amigos que queriam saber se ela, que vai diar iamente à área, estava a salvo.

Para o sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, ainda não se pode afirmar que houve uma piora no nível de segurança dentro das estações.

— Historicamente, o metrô é um lugar seguro, mas, nos últimos meses, aconteceram vários episódios de violência. A gente não sabe se isso é uma mudança real ou se foi uma casualidade. Temos que esperar para ver. O que se pode fazer é aumentar a vigilância e a rapidez da comunicação. Identificar essas pessoas e prendê- las é o melhor caminho. O que a gente tem que evitar é tiroteio dentro do metrô.

NENHUM LUGAR A SALVO

O antropólogo Paulo Storani, ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), afirma que os crimes ocorridos dentro do metrô mostram o nível de ousadia dos bandidos, que podem ser reconhecidos pelas câmeras de segurança do sistema.

Segundo o antropólogo Roberto Kant Lima, da UFF, o metrô não é diferente de outros espaços da cidade, apesar do sistema de monitoramento e dos seguranças:

— Todos os espaços da cidade partilham da mesma dose de segurança ou de falta de segurança. O metrô é um lugar mais difícil de acessar, de entrar e sair. Então, devem achar que não é um bom lugar para assaltar. Mas em nenhuma cidade do mundo existe um lugar que se pode dizer que está a salvo. É uma ilusão carioca achar que o metrô é inexpugnável.

TRAGÉDIA MARCOU UMA ÉPOCA

Não é a primeira vez que ocorre uma morte dentro de uma estação de metrô. A estudante Gabriela Prado Maia, de 14 anos, foi baleada durante um assalto em 25 de março de 2003. Por volta de 15h30m, um grupo de assaltantes roubou R$ 619 da bilheteria da Estação São Francisco Xavier, na Tijuca, além de bilhetes de viagem e vales-transporte. Dois bandidos, com armas de fogo, renderam dois bilheteiros e um segurança e os fizeram entregar todo o dinheiro. Outros dois ladrões, também armados, permaneceram perto das bilheterias para garantir a execução da ação.

Quando estava em fuga, o grupo rendeu um policial que descia uma escada. Houve troca de tiros, que feriram o policial e mataram a estudante Gabriela, que também descia as escadas no momento. Logo em seguida, três dos criminosos roubaram um veículo e os demais fugiram pelos trilhos do metrô. Na época, o caso provocou grande comoção entre a população.

Com o crime, teve início uma campanha para mudar o Código Penal. Mais de um milhão de assinaturas foram obtidas, e o documento acabou sendo encaminhado ao Congresso Nacional. Ao mesmo tempo, uma foto de Gabriela, simulando uma pomba como as mãos, virou símbolo de uma mobilização popular contra a violência intitulada "Gabriela sou da paz”. O movimento tinha como principais articuladores os pais de Gabriela, os psicólogos Cleyde Prado Maia Ribeiro Santiago e Carlos Santiago. Cleyde, que encabeçou outras ações sob o slogan "Do luto à luta”, morreu em 2008, vítima de um AVC. Ela participava ativamente de debates voltados para a melhoraria da segurança na cidade e chegou a ganhar a Medalha Tiradentes da Assembleia Legislativa por sua incansável militância.

Depois de um período de normalidade, o metrô voltou a ser cenário de cenas violentas. Este ano foram registrados assaltos dentro de composições, mas os que mais assustaram foram arrastões. Em março, pelo menos sete pessoas foram vítimas de um arrastão em um vagão, no trajeto entre as estações Glória e Catete, por volta das 23h. Quatro criminosos, um deles armado, assaltaram os passageiros, levando, entre outros objetos, celulares, bolsas e carteiras. Os bandidos saltaram no Catete e impediram que os passageiros deixassem o vagão. As vítimas desceram em Botafogo e registraram queixa na delegacia do bairro. No mesmo mês, 16 pessoas já tinham sido assaltadas, entre as estações Largo do Machado e Flamengo, em direção a Ipanema. O crime foi às 21h45m. A ação, segundo os passageiros, foi violenta. Durante o assalto, os bandidos ordenaram que todos baixassem as cabeças e fizeram ameaças. Como foram dois assaltos em um curto intervalo de tempo e no mesmo mês, a polícia suspeitava que os os crimes foram executados por uma mesma quadrilha.