19/11/2020 10:00 - Valor Econômico
Poucos dias antes da eleição de domingo passado, o candidato a prefeito de uma cidade do interior de São Paulo usou redes sociais para expor ideias sobre mobilidade. A cidade que ele pretendia governar deveria ter as calçadas reformadas, grande extensão de ciclovias e muitos corredores exclusivos para ônibus. O transporte coletivo, hoje demorado e caro, deveria ser prioridade. E, como última tentativa de convencer o eleitor de que era merecedor do voto, defendeu a redução do preço da tarifa do transporte público.
O tal candidato perdeu a eleição. Embora nada indique que o resultado tenha algo a ver com seu plano de governo para o transporte, não é difícil imaginar que o eleitor não se convenceu de que todas aquelas promessas seriam cumpridas.
Mobilidade costuma ser um dos temas mais encantadores numa campanha municipal sob a ótica do discurso. Mas colocar as ideias em prática, sobretudo nos grandes centros urbanos, é um grande desafio.
Muitos se perdem no óbvio quando questionados sobre o assunto. Dizer que o caminho do pedestre precisa ser mais bem iluminado ou que as linhas de ônibus devem oferecer agilidade e conforto a preço acessível é como dizer que o bandido tem de ser preso.
Mais uma vez, a última campanha serviu para a triste constatação de que nem todos compreendem o sentido de mobilidade urbana, que, acima de tudo, é um assunto diretamente ligado à qualidade de vida da população.
Propostas soltas, vagas ou com soluções que fogem da esfera municipal rechearam muitos dos programas de governo de candidatos que quiseram fazer bonito ao falar de um tema que seduz.
Mas, de modo geral, faltam nos municípios brasileiros planos para repensar o modo de vida na cidade. O caos que marca a vida urbana do brasileiro está, em boa parte, ligado à sucessão de erros do passado. Se uma cidade tem congestionamento “é porque as autoridades falharam na missão de prover transporte público”, disse, em recente entrevista o pesquisador Sergio Ejzenberg, mestre em transportes.
Entre os que já se elegeram ou seguiram para a disputa em segundo turno, notam-se boas intenções sobre o tema. João Campos (PSB), que concorre à prefeitura do Recife, fez, durante a campanha, diversas ponderações pertinentes. Falou sobre melhorar a oferta de ônibus para dar prioridade ao transporte coletivo em detrimento aos carros particulares. E foi além, envolvendo a área habitacional, ao propor colocar o trabalho perto da moradia e construir casas populares próximas aos centros que oferecem serviços. Defendeu, ainda, estimular o deslocamento a pé por meio da construção de calçadas de melhor qualidade, escadarias e até corrimãos. Tudo isso sem esquecer a iluminação. Campos prometeu um “plano robusto” disso tudo. Seu desafio é gigante.
Dois prefeitos de capitais reduziram a tarifa do transporte púbico entre o fim do ano passado e o início deste - Álvaro Dias (MDB), em Natal, e Gean Loureiro (DEM), em Florianópolis. Ambos foram reeleitos no domingo.
Há, porém, quem não abre mão de obras voltadas ao transporte em carro. Marquinhos Trad (PSD), prefeito reeleito em Campo Grande, colocou como meta de governo continuar a investir em obras viárias. Na atual gestão, ele reordenou o trânsito em diversos pontos da cidade e implantou novos conjuntos de semáforos.
Em Salvador, o prefeito eleito, Bruno Reis (DEM), prometeu um serviço rápido de ônibus. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em Salvador, uma em cada cinco pessoas leva, no mínimo, uma hora do dia se deslocando para o trabalho.
Em Curitiba, o prefeito reeleito Rafael Greca (DEM) fez a promessa de uma “revolução” no transporte, com a implantação de ônibus elétricos, novos terminais e pontos inteligentes e sustentáveis, inclusive com integração com outros modais (bicicletas e carros), para as linhas que cruzam 28 bairros da cidade.
Alargar calçadas - projeto de Guilherme Boulos (PSOL) - ou criar transporte aquático por barcos nas represas de São Paulo - plano de seu concorrente, Bruno Covas (PSDB) - são algumas das ideias dos finalistas à vaga de prefeito da maior cidade da América do Sul.
Em Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), reeleito com larga vantagem, tocou num tema raramente citado por candidatos: a defesa de um projeto para reduzir mortes no trânsito. Segundo o Datasus, do Ministério da Saúde, em 2018, 32,6 mil pessoas morreram em acidentes de trânsito no país.
Mobilidade é uma questão que envolve todas as cidades do mundo. Nas regiões mais desenvolvidas, no entanto, a discussão está em outro nível. Os países da Europa começam a organizar comitês para discutir formas conjuntas de enfrentar problemas que surgirão com a circulação de carros autônomos, que funcionam sem motorista.
Na Holanda, a preocupação com o pedestre levou as autoridades do país a decidir, há poucos dias, estabelecer o limite de velocidade dos carros em 30 quilômetros por hora em áreas de maior concentração de pessoas circulando a pé.
No Brasil, apesar de a pandemia ter modificado a rotina das cidades, os problemas de mobilidade persistem. Pesquisa realizada em outubro pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope Inteligência revelou que, mesmo com o isolamento social, 26% da população paulistana gasta mais de duas horas para se deslocar para trabalho ou estudo.
A mesma pesquisa mostrou que 69% das pessoas que utilizam carro deixariam de usá-lo caso houvesse uma boa alternativa de transporte público.
Ao contrário de outros grandes temas, como saúde, educação e segurança, que envolvem também governos estaduais e federal, a mobilidade é um assunto essencialmente de cidades, para prefeito resolver. As eleições municipais deste ano são uma excelente oportunidade para um esforço nesse desafio. Não custa lembrar que transporte público, por exemplo, é, desde 2015, um direito social previsto na Constituição Federal.
Marli Olmos é repórter especial. O titular da coluna, Ribamar Oliveira, está em férias