A indústria automobilística brasileira vai operar este ano e o próximo com metade de sua capacidade instalada. O cálculo leva em conta os projetos que serão inaugurados nesse período. Novas fábricas, entre elas a da Fiat, em Goiana (PE) e a da Honda, em Itirapina (SP), além de ampliações previstas em unidades mais antigas, vão adicionar uma capacidade produtiva de quase 800 mil veículos ao parque automotivo.
Com isso, a capacidade anual conjunta das montadoras deve saltar das atuais 4,8 milhões de unidades para 5,6 milhões, segundo cálculos da Tendências Consultoria. A demanda prevista para este ano é de pouco mais de 3 milhões de unidades. Significa que o setor vai operar com 53% de sua capacidade, porcentual que muda pouco em 2016.
Com este cenário, na visão de analistas, as montadoras
tendem a manter os ajustes que já estão promovendo, com a redução do quadro de
pessoal e possivelmente de investimentos. No ano passado, o setor eliminou 12,4
mil vagas de trabalho. Neste ano já foram 400 demissões em janeiro e a maioria
das grandes fabricantes está com medidas de corte de produção.
O setor não operava com ociosidade tão elevada desde o
período 1999-2003, na sequência de um boom de novas montadoras que chegaram ao
País, entre elas a Toyota e a Renault. Na época, o País enfrentava rescaldos da
crise externa, alta de juros e mudança do regime cambial.
No mundo todo, a indústria automobilística deve trabalhar
com 72% de sua capacidade, prevista em 124,2 milhões de veículos neste ano e
131 milhões em 2016, segundo dados da PricewaterhouseCoopers (PwC).
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de
Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, diz que a entidade prepara estudo
sobre os dados de capacidade das fábricas. O último número divulgado é de 4,5
milhões de veículos.
"Independentemente do número, o certo é que temos
atualmente uma alta ociosidade", admite Moan. Ele ressalta, contudo, que
não se pode contabilizar a capacidade total de uma fábrica no primeiro ano de
operação, pois há um tempo para maturação do projeto. Também é preciso levar em
conta o número de turnos necessários para atingir a produção prevista.
Cenário. A nova
leva de empresas inicia operações num momento em que o Brasil está à beira de
uma recessão, que pode ser ampliada pela escassez de água e energia elétrica e
pelos desdobramentos da Lava Jato.
A produção de veículos caiu 15,3% no ano passado em
comparação a 2013. O uso da capacidade instalada baixou de 77% para 62%. Para
este ano, a previsão é de cair mais nove pontos.
"Esse cenário de forte deterioração que prossegue em
2015 e 2016 pode levar à postergação de projetos que ainda não estejam
adiantados", diz Rodrigo Baggi, analista do setor automotivo da
Tendências.
"É possível que haja um contingenciamento de
investimentos e alguns lançamentos sejam postergados", admite o executivo
de uma grande montadora.
Os projetos mapeados pela Tendências para este e o próximo
ano são os das novas fábricas da Fiat, que iniciou produção na semana passada
(com capacidade para 250 mil carros), Honda (120 mil), Audi (26 mil),
Mercedes-Benz (20 mil), Jaguar Land Rover (24 mil) e JAC Motors (100 mil), além
de ampliações anunciadas por Volkswagen, Ford, PSA Peugeot Citroën e
Mitsubishi.
O projeto da chinesa JAC está atrasado em mais de um ano.
Após vários anúncios, o início das obras em Camaçari (BA) agora está previsto
para abril, com término no meio de 2016.
A também chinesa Chery, inaugurada em agosto, só iniciou
produção comercial há duas semanas. Com capacidade para 50 mil veículos anuais,
espera produzir 30 mil este ano.
O Brasil tem hoje 23 plantas que produzem automóveis e
comerciais leves e mais cinco serão inauguradas até 2016. Vários dos novos
investimentos foram definidos em razão do programa Inovar-Auto, que incentiva a
produção local com benefícios fiscais e aumenta impostos para importações.
Para o sócio da MB Associados, José Roberto Mendonça de
Barros, o Inovar-Auto não é um bom programa justamente porque ao longo do tempo
cria-se um excesso de produção de veículos. "Tem o erro de colocar um muro
de proteção tão elevado que obrigou mesmo montadoras de carros mais de luxo a
abrir fábricas aqui."
Em sua opinião, não faz sentido abrir uma fábrica em escala
não econômica só para escapar do alto imposto da importação. "O erro
básico do Inovar-Auto foi projetar uma tendência de crescimento do mercado que
era temporária. E agora, como consertar isso? Ou começa a exportar ou vai
sobrar capacidade de produção para o resto da vida." O ponto positivo, diz
o consultor, é que foi a primeira vez que se estabeleceram condições de
contrapartida das empresas, como a redução de consumo de combustível.
Para Moan, a situação sem o Inovar-Auto seria pior. "Do total de vendas de carros, já chegamos a ter 30% de importados", diz. "Se continuássemos nesse ritmo, talvez hoje metade das nossas vendas seria de importados e estaríamos com um problema ainda mais grave de produção e empregos."
'Nunca tinha visto
situação como esta', diz soldador
Montadoras têm 20 mil funcionários em excesso,se for levada em conta a
produção de 2009
A alta ociosidade nas fábricas gera excesso de pessoal. A
produção de veículos prevista para este ano é de cerca de 3 milhões, número
próximo ao de 2009, quando o setor empregava 124 mil pessoas. Hoje, emprega 144
mil. Significa que as fábricas têm 20 mil pessoas a mais para fazer o mesmo
volume de carros.
Questionado sobre essa comparação, o presidente da Anfavea,
Luiz Moan, diz não ter como calcular o que de fato é excedente. "Parte
desse pessoal está nas novas fábricas inauguradas nos últimos anos",
afirma. "Mas é certo que temos excedentes, por isso as empresas estão
adotando medidas como lay-off (suspensão temporária dos contratos de trabalho)
e PDVs (programas de demissão voluntária)."
A maior fabricante de caminhões e ônibus do País, a
Mercedes-Benz, tem 750 trabalhadores em lay-off desde julho na fábrica de São
Bernardo do Campo (SP) e 170 na de Juiz de Fora (MG).
"Há um sentimento de angústia, pois todos nós queremos
voltar ao trabalho", diz Caio César de Viveiros, que trabalha como
soldador na fábrica do ABC paulista. Ele tem 28 anos e entrou na Mercedes ainda
adolescente, com 16 anos, como aluno do Senai. "Nunca tinha visto uma
situação como esta", diz.
O metalúrgico teme pelo futuro pois, da parte da empresa, só
ouve dizer que não há expectativa de melhora do mercado no curto prazo. Casado
há dois anos, ele adquiriu um apartamento financiado por 30 anos e vê o atual
momento com apreensão. "Seria muito complicado perder o emprego."
Jair Nery de Andrade, de 51 anos, funcionário da área de
pintura da General Motors de São Caetano do Sul (SP) é outro que afirma nunca
ter vivenciado situação como a atual. Na empresa há 30 anos, conta que já
passou por várias crises, "mas nenhuma tão negra como a atual".
Andrade está no grupo de 950 trabalhadores da GM em lay-off,
com retorno previsto para abril. É a primeira vez que é dispensado num programa
desse tipo. "Estou inseguro, com medo. Fico pensando na vida e não sei o
que farei se perder o emprego". Ele é casado e tem três filhos. O mais
velho, de 26 anos, também trabalha na GM e não está no lay-off. "Torço
para o mercado melhorar para que meu filho mais novo, de 19 anos, também
trabalhe na GM."
"O setor automotivo está estrangulado", diz o
presidente da MA8 Management Group, Orlando Merluzzi. Ele afirma que, nos
últimos 14 anos, a produção de veículos aumentou 87%, enquanto a produção por
empregado cresceu 34%.
Para o consultor, o setor ainda deverá fazer ajustes no quadro de pessoal para retomar o equilíbrio entre produção, vendas e faturamento. Segundo ele, "qualquer movimento contrário ficará por conta das novas fábricas que entrarão em produção nos próximos dois anos."