Mudança da Ceagesp para a zona norte seria benéfica para São Paulo?

24/09/2016 08:00 - Folha de SP

NÃO

ROBERTO OLMEDO CONSUL E 

NELSON HIRANO

FALTA DE INFORMAÇÃO NUTRE FALSA IDEIA

Alguns mitos e falta de informação e de visão global da cadeia produtiva de alimentos nutrem a ideia de que a mudança do local do Ceasa (Centro Estadual de Abastecimento) de São Paulo será benéfica para a cidade.

O argumento de que as marginais são impactadas pelo fluxo de caminhões de abastecimento, por exemplo, não se sustenta. Dados oficiais apontam diariamente nas marginais Tietê e Pinheiros cerca de 300 mil e 400 mil veículos, respectivamente.

O entreposto recebe 14 mil veículos por dia; 20% são caminhões de grande porte e 90% do movimento ocorre entre 22h e 4h. É irreal responsabilizar o Ceasa por congestionamentos na capital paulista.

Os que enxergam a mudança como obrigatória ignoram a realidade da logística do abastecimento de alimentos frescos. O Ceasa serve hoje principalmente aos pequenos comerciantes, pois as grandes redes têm seus próprios centros de distribuição. Distanciar o entreposto da imensa e pulverizada cadeia comercial terá como resultado o aumento do preço final dos produtos.

Situado a cerca de 30 minutos, de carro, do centro da cidade, o Ceasa oferece facilidade de acesso a cinco grandes rodovias, em um raio de três quilômetros: Castelo Branco, Anhanguera, Bandeirantes, Regis Bittencourt e Raposo Tavares.

O entorno apresenta uma extensa malha de transporte coletivo. A estação da CPTM, no portão 14, e a Vila Leopoldina, bem próxima, dão acesso aos trabalhadores e consumidores de bairros mais afastados e de cidades do interior. Com bilhete único, é possível a integração com o metrô na estação Pinheiros e a ligação do usuário do Ceasa com a rede do metroviário paulistano.

São 50 anos de construção da infraestrutura para movimentar mais de um terço dos alimentos frescos do país, fora pescados e flores, e abastecer a maior cidade brasileira.

Todo o entorno do Ceasa organizou-se para atender, com produtos e serviços, cerca de 50 mil usuários diários, sendo 25 mil trabalhadores, entre comerciantes e empregados, com 20 mil carteiras assinadas.

Além do atacado, temos duas feiras para o consumidor final, consideradas as maiores do país, que recebem 30 mil pessoas a cada fim de semana. Restaurantes, manutenção de veículos, residências -construiu-se uma cidade dentro da cidade para garantir o vigor do atual Ceasa.

Só para referência, cabe citar a experiência de Buenos Aires. A criação do Eseiza, entreposto construído fora do centro, resultou em subutilização e relativo desperdício do investimento, pois os consumidores não migraram.

No Ceasa, não falta espaço e a infraestrutura urbana está completa. Tem tudo para se tornar referência mundial em abastecimento e segurança alimentar, e mesmo um centro de difusão de conhecimento no âmbito agrícola, gastronômico, turístico etc.

Isso parece possível se o governo nos conceder a oportunidade de fazer a gestão dos nossos próprios recursos. Poderíamos nesse momento discutir a modernização do entreposto, convênios com universidades, organização de grandes oficinas de compostagem para produção de adubos orgânicos, aproveitar melhor sua posição estratégica, principalmente pela localização, como agente de desenvolvimento econômico e social.

Mas perdemos tempo repetindo evidências e cobrando do governo federal uma decisão sobre a reclamada autogestão. Nós, permissionários, temos condições de garantir à sociedade que o Ceasa, onde está, assuma seu papel como um importante entreposto alimentar e volte a ser um dos grandes orgulhos da cidade de São Paulo.

ROBERTO OLMEDO CONSUL, 48, advogado, comerciante e agricultor, é permissionário do Ceasa SP desde 1969

NELSON HIRANO, 59, engenheiro, comerciante e agricultor, é permissionário do Ceasa SP desde 1967


SIM

CARLOS LEITE

OPORTUNIDADE DE 

DESENVOLVIMENTO URBANO

O metabolismo urbano da cidade de São Paulo opera de forma disfuncional na maior parte de seu território, com um modelo do século 20 e uma dinâmica do século 21.

A rede logística e a cadeia de abastecimento alimentício são típicas desse grave descompasso, sintomatizado em uma enorme quantidade de caminhões que circulam pelo tecido urbano, aumentando os congestionamentos e poluindo bairros residenciais.

Essa situação acarreta hoje prejuízos à própria logística de abastecimento e distribuição, gerando ineficiência e desperdício.

A chegada do Nesp (Novo Entreposto de São Paulo) à região de Perus (zona norte) é peça fundamental na engrenagem que constrói uma rara oportunidade estratégica de desenvolvimento urbano.

Perus possui a vocação ideal para se constituir no grande polo logístico da cidade e da região metropolitana, por estar localizado nas bordas da cidade e junto à melhor rede de distribuição logística e de transporte de cargas do país: rodovias Bandeirantes e Anhanguera, Rodoanel, ferrovia, o futuro ferroanel e ainda o potencial futuro aeroporto de Caieiras.

Esse polo, parte do planejamento estratégico da macrometrópole e da região metropolitana, foi sinalizado no novo Plano Diretor Estratégico da cidade (PDE). Ou seja, a implementação do Nesp em Perus é uma ação bem-vinda e consonante com os planos vigentes.

O Nesp, empreendimento totalmente privado e constituído por permissionários que operam no setor do abastecimento há décadas, propõe-se a ser o mais moderno e eficiente entreposto do país, com uma implantação gradativa e planejada.

Irá crescer à medida que a infraestrutura de suporte também se expandir, tornando-se nas próximas décadas um condomínio logístico de quatro milhões de metros quadrados.

Com sua implementação, na região de Perus serão criadas cerca de 30 mil vagas de emprego, o que atenderá a meta do PDE de levar oportunidades de trabalho às regiões periféricas predominantemente residenciais.

Perus beneficia-se, também, com a doação de grandes áreas verdes e institucionais por parte do grupo empreendedor, que somam mais de 700 mil metros quadrados, com claros benefícios socioambientais à população local. Haverá ainda construção de parques e área de lazer para receber equipamentos públicos destinados à saúde e à educação, demandas da região.

São Paulo tem uma rara oportunidade de requalificar uma região carente, Perus, e reestruturar outra, a Vila Leopoldina (zona oeste), que poderá receber o primeiro bairro planejado do século 21, com a desativação gradativa da Ceagesp, empresa gerida pelo governo federal que administra o Ceasa de São Paulo.

Ali, a área da Ceagesp, somada às áreas vizinhas em transformação, pode se transformar num bairro pleno, com diversidades de usos e classes, áreas verdes, habitação, núcleos de inovação tecnológica e economia criativa, serviços e comércio, junto à orla fluvial requalificada na esquina dos rios Pinheiros e Tietê.

A cidade pode ser reinventada por meio de ações sistêmicas, táticas e estratégicas. O Nesp vai ao encontro de demandas urgentes e integra-se a um conjunto de sinergias de caráter estrutural. Temos aqui um desejável projeto ganha-ganha.

CARLOS LEITE, é urbanista, professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e coordenador dos estudos do projeto de intervenção urbana do Novo Entreposto de São Paulo