Nova diretoria pode não significar preço menor na Petrobras

24/06/2022 07:30 - Valor Econômico

Por Gabriela Ruddy e Fábio Couto — Do Rio

Mudanças na presidência e no conselho de administração da Petrobras podem não conduzir a uma alteração na política de preços de combustíveis da estatal, afirmaram especialistas e fontes ao Valor sobre o tema. Na prática, diretores e conselheiros que tentem alterar a política podem ser responsabilizados na Justiça, se as modificações causarem prejuízo à Petrobras.

Esta semana, o presidente da República, Jair Bolsonaro, afirmou que o novo indicado a presidente executivo da Petrobras, Caio Paes de Andrade, vai trocar a diretoria da empresa, com o objetivo de alterar os preços. A Petrobras pratica hoje uma política de combustíveis alinhada ao preço de paridade internacional (PPI), que tem sido alvo de críticas de Bolsonaro.

Entretanto, o próprio estatuto da companhia estabelece que decisões sobre a prática de preços devem ser tomadas pela diretoria da empresa - que pode ser responsabilizada, na Justiça, caso haja algum prejuízo à companhia e aos acionistas. Cabe ao conselho de administração supervisionar as decisões dos diretores sobre o assunto. Eventuais mudanças nos nomes que compõem diretoria também passam pelo crivo do colegiado.

Especialistas apontam, no entanto, que mesmo que a Petrobras venha a ter novos diretores, eles podem não se sentir confortáveis de tomar decisões que violem o chamado “dever fiduciário”. Previsto na Lei das S.A., esse instrumento estabelece que os administradores de uma empresa não podem atuar em prejuízo da companhia, o que pode ser o caso se a Petrobras adotar uma política de preços que leve a empresa a ter perdas financeiras.

“Qualquer diretor ou conselheiro atende ao dever fiduciário, não ao acionista majoritário. Se eles fizerem uma política que vai prejudicar a companhia para beneficiar uma ambição política do controlador, violam esse dever”, diz uma fonte.

O descumprimento do dever fiduciário pode levar a ações na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na Justiça e, eventualmente, resultar em processos. Em casos extremos, se condenados, executivos podem ser impedidos de atuar em cargos semelhantes em empresas de capital aberto. “Qualquer pessoa pode fazer qualquer coisa. Depois pode ir preso”, lembra um executivo próximo à estatal.

Há amarras também para que os diretores optem por alterar a política de preços com o argumento de que a Petrobras tem uma função social. Atualmente, o estatuto da Petrobras prevê que a companhia deve ser compensada, caso seja chamada pelo acionista controlador a contribuir pelo interesse público de forma diferente de outras empresas privadas do setor.

Além disso, a política de indicações internas da companhia também foi aprimorada nos últimos anos, depois da Operação Lava-Jato. A empresa prioriza executivos que tenham feito carreira na própria estatal e que tenham comprovada experiência nas suas respectivas áreas para assumir cargos na diretoria executiva. O cenário é reforçado pela Lei das Estatais, que impede nomeações políticas para cargos em empresas controladas pelo governo.

O advogado Marçal Justen Filho, sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini, aponta que a companhia tem autonomia para fixar preços. Para ele, uma votação em assembleia de acionistas pode levar a alterações. “Essas regras administrativas podem sofrer ajustes no âmbito interno da empresa. Se os administradores reputam que não dispõem de autonomia para flexibilizar as determinações existentes, a solução é convocar uma assembleia geral extraordinária, para que a União, como titular do poder de controle, estabeleça os parâmetros a serem adotados para o futuro”, diz.

Uma especialista do setor de petróleo e gás, que fala sob condição de anonimato, avalia que a decisão de mudar qualquer parâmetro da política de preços da Petrobras, ou mesmo de suspendê-la, será apenas da alçada da própria empresa. Ela avalia que a afirmação do presidente Bolsonaro sobre a mudança no estatuto gera insegurança jurídica e afeta negativamente a reputação e a imagem da Petrobras no mercado. "Não cabe ao conselho de administração ou à presidência da República a mudança do PPI", diz.

O atual conselho de administração da Petrobras foi definido em assembleia de acionistas em abril, mas vai passar por uma mudança, reflexo da troca do presidente da companhia. Isso ocorre porque o antigo presidente, José Mauro Coelho, foi eleito ao conselho pelo mecanismo de voto múltiplo. Quando um membro eleito por esse sistema deixa o cargo, todos os demais escolhidos dessa forma também caem.

Por isso, depois da renúncia de Coelho, na segunda-feira, será necessária uma nova eleição para oito vagas no conselho. A União indicou que pretende alterar o atual perfil do conselho. Na lista de indicados, apenas dois executivos escolhidos pelo acionista controlador, Márcio Weber e Ruy Schneider, concorrem à reeleição.