NTU acusa governo federal de jogar deliberadamente contra o transporte público ao permitir alta descontrolada do diesel

28/10/2021 17:30 - Diário do Transporte

ALEXANDRE PELEGI

A contar com uma Nota de Posicionamento trazida à publico na tarde desta quinta-feira, 28 de outubro de 2021, os empresários do transporte coletivo urbano de passageiros demonstram já ter perdido a paciência com o Governo Bolsonaro quanto a uma eventual ação em prol da sobrevivência do sistema responsável pela circulação de milhões de trabalhadores em todas as cidades do país.

Na nota, a NTU – Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, que representa as operadoras de ônibus urbanos e metropolitanos frente ao poder público e à sociedade civil, avalia que a omissão do atual Governo frente aos sucessivos reajustes do óleo diesel está forçando a insolvência das empresas operadoras e o colapso dos sistemas de transporte público organizado em todas as cidades brasileiras.

O descontentamento do setor, que sempre procurou alternativas negociais, salta aos olhos justamente a poucos dias da ameaça de uma greve conduzida por caminhoneiros, agendada para 1º de novembro, próxima segunda-feira. O motivo é o mesmo: a alta alucinada do diesel.

O diesel representa em média 26,6% do custo do transporte público coletivo, e com o aumento acumulado de 65% do combustível somente este ano, não há mais saída visível no horizonte.

“As empresas operadoras não terão outra opção além de acionar as cláusulas de reajuste tarifário e reequilíbrio dos contratos de concessão para evitar a suspensão da prestação dos serviços; tal suspensão representaria grave prejuízo para toda a população, que seria privada dos serviços públicos organizados de transporte e passaria a depender do transporte clandestino e irregular, muitas vezes operado pelo crime organizado”, diz a nota.

A disparidade e dessintonia entre os valores das tarifas do sistema, reajustadas anualmente, e o custo do diesel com reajustes quase semanais, é impossível absorver o impacto sobre os custos do serviço.

A NTU critica a falta de uma política de preços para o diesel voltada especificamente para o transporte urbano, um serviço essencial e um direito social previsto na Constituição. Isso significa na prática, conclui a nota, “que o Governo Federal aceita que seja ofertado um serviço de baixa qualidade para o cidadão brasileiro, com ônibus lotados e longas filas de espera nas paradas e terminais, já que as empresas operadoras não dispõem mais das condições necessárias para o atendimento adequado à população”.

Apesar de muitas prefeituras e governos estaduais terem procurado mitigar os efeitos da crise sobre a população, a NTU observa que nem todas as cidades têm condições financeiras para enfrentar a crescente pressão da alta dos insumos, “com destaque para os combustíveis, que dependem de políticas nacionais de preços”.

Apontando que a pandemia de Covid-19 trouxe pelo menos um aumento do déficit do sistema calculado em R$ 17 bilhões, os dados da realidade demonstram o estrago já causado: recuperação judicial de 50 empresas de ônibus urbanos em todo o país, somado à demissão de quase 90 mil trabalhadores, desde março do ano passado.

Além de todo esse quadro, a ANTU critica a saída “engenhosa” encontrada pelo governo na adoção de uma política de adição do biodiesel, derivado de óleos vegetais, ao diesel tradicional. “Em percentuais que variam entre 10% e 13% atualmente, muito acima dos níveis adotados internacionalmente (de até 7%)”. Isso, diz a Nota, “gera a proliferação de fungos nos tanques de armazenamento, compromete o funcionamento dos motores e eleva o preço final do combustível”.

Leia a Nota de Posicionamento na íntegra:

NOTA DE POSICIONAMENTO

Preço do diesel mostra que Governo quer ônibus lotado e serviço ruim, afirma NTU

A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) avalia, em Nota de Posicionamento, que a omissão do Governo Federal frente aos sucessivos reajustes do óleo diesel, insumo que representa em média 26,6% do custo do transporte público coletivo, está forçando a insolvência das empresas operadoras e o colapso dos sistemas de transporte público organizado em todo o país. Com o aumento acumulado de 65% do combustível somente este ano, as empresas operadoras não terão outra opção além de acionar as cláusulas de reajuste tarifário e reequilíbrio dos contratos de concessão para evitar a suspensão da prestação dos serviços; tal suspensão representaria grave prejuízo para toda a população, que seria privada dos serviços públicos organizados de transporte e passaria a depender do transporte clandestino e irregular, muitas vezes operado pelo crime organizado. Em geral as tarifas são reajustadas anualmente, enquanto o diesel tem sofrido reajustes quase semanais, o que torna impossível absorver o impacto sobre os custos do serviço.

A falta de uma política de preços para o diesel que considere as características do transporte público – oferta de um serviço universal, regular e a preços módicos, além de ser um serviço essencial e um direito social previsto na Constituição -, significa, na prática, que o Governo Federal aceita que seja ofertado um serviço de baixa qualidade para o cidadão brasileiro, com ônibus lotados e longas filas de espera nas paradas e terminais, já que as empresas operadoras não dispõem mais das condições necessárias para o atendimento adequado à população.

Muitas prefeituras e governos estaduais têm demonstrado sensibilidade com os efeitos da crise sobre a população e feito esforços no sentido de reduzir a carga tributária ou subsidiar a prestação dos serviços, mas nem todas as cidades têm condições financeiras para enfrentar a crescente pressão da alta dos insumos, com destaque para os combustíveis, que dependem de políticas nacionais de preços.

No curto prazo, os aumentos desproporcionais do diesel impactam no custeio da operação e ampliam o déficit insuportável que vem sendo acumulado pelas empresas de ônibus há anos, e que somente durante a pandemia de Covid-19 cresceu em pelo menos R$ 17 bilhões em termos nacionais; tal déficit já foi responsável pelo encerramento, suspensão das atividades ou recuperação judicial de 50 empresas de ônibus urbanos em todo o país, bem como pela demissão de quase 90 mil trabalhadores, desde março do ano passado. No longo prazo, as consequências serão a redução da capacidade de investimento e a renovação da frota, afetando diretamente a qualidade do transporte, a segurança e o conforto dos passageiros.

Para agravar a situação, o Brasil vem adotando uma política de adição do biodiesel, derivado de óleos vegetais, ao diesel tradicional, em percentuais que variam entre 10% e 13% atualmente, muito acima dos níveis adotados internacionalmente (de até 7%). Isso gera a proliferação de fungos nos tanques de armazenamento, compromete o funcionamento dos motores e eleva o preço final do combustível. Embora relevante e necessário para a redução de emissões de gases do efeito estufa, o uso de biocombustíveis deve ser feito com critérios técnicos adequados e também ser devidamente considerado no cálculo dos custos das empresas.

Assistimos hoje a uma inversão de competências, onde a iniciativa privada, que é contratada pelo poder público para operar os serviços de transporte coletivo, assume o papel do Estado e sustenta o transporte público coletivo urbano à custa de um endividamento crescente e insustentável.

A situação exige que os poderes públicos locais – estados e municípios – cumpram com sua responsabilidade e reestabeleçam o equilíbrio econômico-financeiro dos sistemas de transporte público; e que o Governo Federal adote, com urgência, uma política de preços para os combustíveis que garanta um  mínimo de previsibilidade e estabilidade, que não fique simplesmente à deriva das variações cambiais e cotações das commodities. Os contratos de concessão e permissão das operadoras de transporte público têm que ser honrados, para que se possa garantir o direito constitucional do cidadão brasileiro ir e vir com dignidade.

Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes