24/11/2020 07:25 - O Estado de SP
O crescimento do PIB dos Estados Unidos foi reduzido em 36% entre 1964 e 2009 apenas pelas restrições a construções em grandes cidades. A conclusão é de influente estudo do economista taiwanês Chang-Tai Hsieh, da Universidade de Chicago, com o italiano Enrico Moretti, de Berkeley. Ele não foi replicado para o Brasil, mas é intuitivo que aqui também o desenho das metrópoles afete o PIB. Será de responsabilidade dos novos prefeitos e vereadores tratar de uma importante ferramenta para o crescimento econômico: o plano diretor.
Variados limites à construção nas grandes cidades, principalmente em áreas centrais, reduzem o acesso dos trabalhadores às melhores infraestruturas e ao know-how reunidos ali. Diante da queda de arrecadação causada pela pandemia e do engessamento do orçamento com despesas como previdência, é possível que prefeitos não tenham muito dinheiro para investir ou propor novas programas. O plano diretor, que rege a ocupação da cidade, pode ser ainda mais importante para a geração de empregos.
Esta é também uma questão de desigualdade: as restrições do plano diretor dificultam, principalmente, o acesso dos mais pobres às oportunidades, que devem gastar mais tempo e dinheiro para alcançá-las. Em São Paulo, o número de empregos acessíveis a pé em até 30 minutos é nove vezes maior para a população de alta renda do que para a população de baixa renda. É o pior número entre as 20 maiores cidades brasileiras, conforme dados recentes do fantástico “Projeto Acesso a Oportunidades” – iniciativa de Rafael Pereira, Carlos Braga, Bernardo Serra e Vanessa Nadalin, do Ipea. Frise-se, São Paulo também aparece como a pior em uma métrica de disparidade no acesso, entre brancos e negros, a serviços de saúde de alta complexidade.
Os planos diretores devem ser vistos como o instrumento para aproximar pessoas de oportunidades. Se forem muito rígidos estarão afastando desempregados de empregos, jovens de chances de aprendizado, doentes de cuidado. É o que acontece com coeficientes de aproveitamento baixos para os terrenos, exigências de recuos, tombamentos, obstáculos ao uso misto, vagas obrigatórias para carros, estacionamentos gratuitos. Como mostra Hsieh e Moretti, esta é até uma questão nacional quando se trata de uma metrópole como São Paulo (que revisará na próxima legislatura o seu plano – da gestão Haddad, que fez avanços).
Apesar da polarização, há na verdade uma frente ampla contra os tipos de mudanças elencadas, que reúne direita e esquerda. Representantes da direita parecem mais aderentes a mobilizações de moradores mais ricos contra novos empreendimentos em suas vizinhanças. Já à esquerda, há reticência a medidas que são vistas como favoráveis à indústria imobiliária.
Se é verdade que há regras para os empreendimentos que são positivas para a cidade (como limites a vagas e tamanho de apartamentos ou cota solidária), é verdade também que a atuação das construtoras pode ser muito virtuosa para os mais pobres. Essa lógica gera desconfiança, afinal não são os mais pobres que habitarão novas torres em áreas valorizadas. Mas o aumento da oferta tende a combater preço de imóveis e de aluguéis.
Terceirizo a explicação para o craque Anthony Ling, do Caos Planejado: “Evidentemente, muitas das unidades novas a preços de mercado não são acessíveis para a parcela mais pobre da população. No entanto, grande parte do estoque habitacional para baixa renda é formada por unidades antigas, que algum dia foram novas mas que tiveram seu valor depreciado ao longo do tempo”.
Hsieh e Moretti chegam a sugerir que leis federais limitem a competência das cidades no tema, pela força na arena local do “nimbismo” (os movimentos anticonstrução, conhecidos pelo acrônimo Nimby, ou “Não no meu quintal”). Para aquele país, estudos relacionam o tema ao próprio aumento da desigualdade de renda: sem aumento na oferta de imóveis, eleva-se a renda dos proprietários das construções existentes, valorizadas.
Não há dinheiro nas contas municipais para grandes investimentos, nem parece haver apetite por aumentar impostos. Os próximos prefeitos serão mais dependentes de instrumentos extraorçamentários para tocar suas agendas e lutar contra o desemprego em um país que tem crescido pouco. Por isso, precisarão ser inteligentes quanto ao plano diretor, que rege uma das principais funções da economia: aproximar as pessoas.
Pedro Fernando Nery - Doutor em Economia