12/07/2020 08:00 - Diário do Transporte
ADAMO BAZANI
O ônibus tem sido o meio de transporte coletivo preferido dos nova-iorquinos na retomada das atividades econômicas em meio à pandemia da Covid-19 e a demanda de passageiros ultrapassou a do Metrô.
De acordo com uma extensa reportagem sobre o assunto trazida pela edição de 06 de julho de 2020, pelo The New York Times, um dos jornais de maior influência e circulação no mundo, no auge da pandemia do novo coronavírus o número médio diário de passageiros em abril e maio foi de 444.000 no metrô e 505.000 nos ônibus. E a tendência tem se confirmado.
É a primeira vez que isso acontece desde que as autoridades de transporte começaram a manter esses registros há mais de meio século.
Se no Brasil, na pandemia, o ônibus é visto como vilão, em Nova Iorque, tem sido encarado como solução.
A matéria tem o título, com tradução livre, “Por que os ônibus de Nova York estão em ascensão em uma cidade do metrô”
Segundo a reportagem assinada por Christina Goldbaum e Winnie Hu, com colaboração de Nate Schweber, os ônibus mantiveram a liderança mesmo quando a cidade de Nova Iorque começou a reabrir após um período de paralisação de três meses e mais passageiros voltaram ao trabalho. A contagem média diária em junho foi de 752.000 passageiros no metrô – e 830.000 passageiros no ônibus.
A malha de ônibus de Nova Iorque é uma das mais completas do mundo, mesmo que ofuscada na mídia pelo metrô.
De acordo com as entrevistas feitas com passageiros e especialistas, são várias razões pelo fato de mais pessoas estarem preferindo o ônibus.
Uma delas é logicamente sanitária. Os ônibus são menos lotados que o Metrô e os passageiros podem aguardar o transporte em ambiente aberto.
Outra razão é que os ônibus chegam a locais que não são atendidos pelo Metrô. Sim, o badalado Metrô de Nova Iorque não é onipresente como muitos acreditam.
Mas um dos principais fatores é que mesmo com toda a malha de Metrô, a prefeitura de Nova Iorque decidiu investir em faixas e corredores de ônibus, os tornando mais atrativos e rápidos.
“O prefeito estava sob crescente pressão de defensores e motoristas de ônibus para criar mais vias antes da pandemia, e o surto intensificou o foco em como o melhor transporte público pode reduzir o tráfego de carros, à medida que a cidade retoma lentamente a vida normal e mais pessoas voltam ao trabalho.
A cidade abriu uma passagem de ônibus no outono passado na 14th Street, em Lower Manhattan, que aumentou significativamente a velocidade e o número de passageiros de ônibus. Antes da pandemia, o tempo médio necessário para concluir uma viagem havia caído 36%. O número de passageiros durante a semana aumentou 19% e até 25% na hora do rush da manhã.” – diz trecho da matéria.
Mas, como acontece no Brasil, por exemplo, os espaços para ônibus provocaram uma choradeira de comerciantes e empresários locais, que defendem os carros e o metrô que passa sob seus estabelecimentos, sem os “atrapalhar”.
Ao longo de décadas, os ônibus foram colocados de lado nos investimentos em mobilidade, tendo como o grande receptor de recursos, o Metrô. A qualidade foi piorando e os passageiros sumindo.
Mas ao receber investimentos, mesmo que modestos, e num momento de emergência, o sistema de ônibus respondeu bem.
De acordo com um dos especialistas entrevistados, a versatilidade dos ônibus pode explicar a reação positiva.
“Este pode ser o começo de um retorno para os ônibus”, disse Joseph P. Schwieterman, professor de serviço público da Universidade DePaul. “Os ônibus são versáteis em tempos de crise. Eles servem uma gama maior de passageiros do que trens. Enquanto as agências de transporte compram moedas de um centavo para parar o fluxo de tinta vermelha, o ônibus pode ocupar o centro do palco.”
Em Seatle e Los Angeles, os ônibus também ganharam importância na pandemia e, de acordo com a vice-presidente sênior da Regional Plan Association, Kate Slevin, investimentos que deixem a velocidade dos ônibus maior são uma questão de saúde pública.
Além de mais faixas para ônibus, Nova Iorque investiu em um programa que prioriza os coletivos nos semáforos em 1.025 cruzamentos, ou 13% de todos os existentes nos itinerários.
NOTA IMPORTANTE (Opinião do Autor):
Antes de qualquer polêmica desnecessária, não parece ser intuito da reportagem do The New York Times e nem é da reprodução no Diário do Transporte, rivalizar sistemas diferentes, mas que precisam se complementar. É necessário reiterar os seguintes pontos óbvios:
1- As cidades precisam de mobilidade. Assim, trilhos, ônibus, bicicletas, táxis, aplicativos e deslocamentos a pé devem se complementar.
2- Nova Iorque errou ao preferir um meio de transporte como foco dos investimentos, quase que sucateando o sistema de ônibus ao longo de décadas, privilegiando o Metrô apenas.
3- É mentira a afirmação de que no Brasil o sistema de trilhos foi sucateado para privilegiar os ônibus. Quem foi privilegiado nesta escolha errada foi o transporte individual: o carro e a moto mais recentemente. Se o ônibus fosse privilegiado, a maioria das cidades teriam ao menos BRTs (Bus Rapid Transit), corredores comuns e faixas decentes e de ampla extensão.
4- Rivalizar meios de transporte é uma bobagem assim como demonizar o carro também. Há aplicações, demandas e áreas para todos os meios de deslocamentos.
5- Por mais que para alguns seja “difícil de admitir”, ônibus não é coisa do passado e pode ser sim PARTE INTEGRANTE de uma solução de mobilidade ampla. O grande diferencial do ônibus é que ele é flexível, requer baixos investimentos em relação a outros meios de transporte e tem uma resposta rápida. Mas cada um com sua demanda e aplicação. Ficou claro, né.
6 – Quem tem exigido mais investimentos nas cidades ao longo dos anos: o ônibus ou o metrô.? Resposta: Nenhum dos dois, quem mais tem consumido investimentos é o transporte individual. Isso na sua cidade, no Brasil e no mundo.
7 – Transporte coletivo é inimigo da saúde pública numa pandemia? Claro que não. Quanto mais ágil for um sistema de transporte coletivo, os passageiros terão maior fluidez e vão ficar menos tempo no transporte, ou seja, a lotação vai ser menor, assim como a exposição ao vírus. As pessoas precisam se locomover para retomar suas vidas. Certo que o tal novo normal vai exigir novas posturas de agentes públicos (dar condições de bons serviços em vez de só dar canetadas), de usuários (ter uma postura mais civilizada, respeitando o semelhante como queria ser respeitado) e de empresários operadores (saindo do mundo dos dinossauros e investindo no que faz a diferença, como na limpeza mais detalhada e constante, na comunicação com o passageiro, que é seu cliente, o que vai além de campanhas de marketing, mas em canais com a sociedade, dentre os quais, a imprensa. Ainda é um martírio para um jornalista ligar para uma garagem em busca de “um outro lado” ou de uma informação, e não haver gente qualificada sequer para atender ao telefone).
8 – Só deslocamentos a pé, bicicletas, patinetes, aplicativos, táxis, metrô, VLT – Veículo Leve sobre Trilhos, trens, ônibus, BRT, etc são soluções para as cidades? Não. O não deslocamento também é a solução, ou seja, reprojetar as cidades para que as pessoas não precisem mais fazer longas viagens para trabalhar ou estudar todos os dias. Com a pandemia, o home-office (trabalho em casa) e as flexibilizações de horários ganharam importância. Será que tudo isso vai ser esquecido no pós-pandemia?
9 – A mobilidade urbana começa na porta das pessoas. Político adora inaugurar obra grande e bonita, ainda mais quando o meio de transporte é novidade, mas se esquece que as pessoas precisam chegar ao Metrô Poderoso e ao BRT Suntuoso. Como está a circulação dos micro-ônibus nas periferias, onde a ocupação da via pública é uma terra sem lei? Aliás, como estão as calçadas destas pessoas?
10 – Já que o foco do mundo agora é saúde, que tal dar condições para que os ônibus sejam menos poluentes? Muita gente morre de problema respiratório no mundo e a poluição é a causa ou a coadjuvante nisso. Mas dar condições mesmo, não em canetas exigindo apenas. Financiamentos, apoio à indústria e aos centros universitários para desenvolver baterias e ônibus elétricos, GNV, hidrogênio, etanol, etc, que sejam mais eficientes e baratos é coisa de gestão desenvolvida. Ah, sabe o trólebus? Não é coisa do passado não. Se modernizaram e são excelentes em corredores exclusivos, sendo inclusive, mais baratos que os modelos à bateria.
11 – Tudo isso é óbvio? Sim, mas não foi feito plenamente ainda e se não fosse colocado aqui, ia dar muito “pano prá manga” de maneira desnecessária.
Veja a matéria na íntegra do The New York Times:
Durante a pandemia de coronavírus, o número de passageiros diários em ônibus ultrapassou o metrô pela primeira vez em mais de meio século.
Na batalha pelos ciclistas, o metrô de Nova York sempre atrapalhava os ônibus. Por muito.
Porém, no auge da pandemia de coronavírus, a equação foi invertida – o número médio diário de passageiros em abril e maio foi de 444.000 no metrô e 505.000 nos ônibus.
Foi a primeira vez que aconteceu desde que as autoridades de transporte começaram a manter esses registros há mais de meio século.
Os ônibus mantiveram a liderança mesmo quando a cidade começou a reabrir após um período de paralisação de três meses e mais passageiros voltam ao trabalho. A contagem média diária em junho foi de 752.000 passageiros no metrô – e 830.000 passageiros no ônibus.
O amplo sistema de ônibus da cidade, que há muito é ofuscado pelo metrô, surgiu como parte crucial de sua recuperação. Os ônibus estão sendo contados para manter as pessoas fora dos carros e para aliviar a multidão do metrô à medida que mais passageiros voltam, atraindo muitos passageiros que disseram achar que os ônibus eram uma alternativa mais segura e menos estressante, porque os passageiros podem esperar do lado de fora do ônibus, ver o quão limpo ou lotado, um ônibus está antes do embarque e desça a qualquer momento e volte novamente para fora.
Os ônibus também chegam a partes da cidade onde o metrô não funciona e servem a um número de passageiros menos abastado. E quando o metrô começou a desligar durante a noite para limpeza em maio, alguns trabalhadores se voltaram para os ônibus para chegar ao trabalho.
O prefeito estava sob crescente pressão de defensores e motoristas de ônibus para criar mais vias antes da pandemia, e o surto intensificou o foco em como o melhor transporte público pode reduzir o tráfego de carros, à medida que a cidade retoma lentamente a vida normal e mais pessoas voltam ao trabalho.
A cidade abriu uma passagem de ônibus no outono passado na 14th Street, em Lower Manhattan, que aumentou significativamente a velocidade e o número de passageiros de ônibus. Antes da pandemia, o tempo médio necessário para concluir uma viagem havia caído 36%. O número de passageiros durante a semana aumentou 19% e até 25% na hora do rush da manhã.
“Aqui são Queens – as pessoas aqui dirigem”, disse Dian Song, diretor executivo do distrito de melhoria de negócios de Flushing, no centro da cidade, que atende cerca de 2.000 empresas. “Ao adicionar restrições de direção na Main Street, você assustará esses clientes. Você realmente vai à falência dessas empresas. ”
A crise da saúde que mudou tanto em Nova York alterou seus padrões de transporte e inesperadamente permitiu que os ônibus brilhassem. De acordo com a maioria das medidas, os ônibus receberam muito menos atenção e recursos do que o metrô. Se o metrô era lento e abarrotado, os ônibus geralmente eram piores. Os ônibus costumavam ser o último recurso para quem se deslocava pela cidade.
Quando o metrô entrou em crise em 2017, o governador Andrew M. Cuomo declarou estado de emergência . No entanto, os ônibus estão em constante declínio há mais de uma década. As velocidades dos ônibus caíram ano após ano – para quase seis quilômetros por hora – à medida que o congestionamento piorava. Os pilotos fugiram para opções mais rápidas, incluindo Uber, Lyft e Citi Bike.
Porém, durante o pior da pandemia, quando o número de passageiros no metrô foi extinto, os ônibus ainda carregavam até a metade de seus passageiros, incluindo trabalhadores essenciais.
“É o que tenho que fazer para chegar ao trabalho”, disse Jackie Inabinet, 57 anos, guarda de segurança que nunca parou de andar de ônibus desde sua casa em Crown Heights, Brooklyn, até seu trabalho em Long Island City, Queens.
Outros passageiros são recém-chegados ao ônibus, como Toddara Galimore, 23 anos, gerente júnior de escritórios no Brooklyn que trocou o trem J pelo ônibus B44. “Eu posso ver o lado de fora, disse Galimore, que nunca pegou o ônibus para trabalhar até a pandemia. “Se eu precisar sair rápido, posso sair rápido.”
O serviço de ônibus ainda melhorou. Com a cidade quase fechada, os ônibus percorriam as ruas vazias – a velocidades até 19% mais rápidas que o normal – em um vislumbre tentador de quanto melhor serviço poderia ser.
“Os ônibus não são mais vistos como de segunda categoria”, disse Tom Wright, presidente da Regional Plan Association, um influente grupo de planejamento.
Em todo o país, os ônibus perderam terreno para metrôs e trens por décadas, mesmo com o crescimento da população da cidade e a economia local em expansão. O número de passageiros de ônibus caiu todos os anos nos últimos sete anos, atingindo seu nível mais baixo no ano passado desde o início dos anos 1970.
Os sistemas de ônibus foram prejudicados por reduções de serviço, concorrência de serviços de carona e programas de compartilhamento de bicicletas e preços baixos do gás e taxas de juros de empréstimos de carros que tornaram a propriedade do carro mais atraente, segundo pesquisadores de transporte público.
Mas desde a pandemia, os ônibus surgiram cada vez mais como uma maneira confiável, flexível e eficiente de reforçar os sistemas de transporte público que enfrentam sua pior crise financeira em gerações.
“Este pode ser o começo de um retorno para os ônibus”, disse Joseph P. Schwieterman, professor de serviço público da Universidade DePaul. “Os ônibus são versáteis em tempos de crise. Eles servem uma gama maior de passageiros do que trens. Enquanto as agências de transporte compram moedas de um centavo para parar o fluxo de tinta vermelha, o ônibus pode ocupar o centro do palco. ”
Em Los Angeles e Washington, o número de passageiros caiu apenas cerca de um terço durante a pandemia, de acordo com análise do Eno Center for Transportation, um grupo de pesquisa não-partidário em Washington.
Em Seattle, ônibus extras tiveram que ser adicionados a meia dúzia de rotas para garantir que os passageiros, incluindo muitos trabalhadores essenciais, tivessem espaço suficiente para o distanciamento social. “O sistema de ônibus em Seattle está profundamente arraigado em nossa cultura”, disse Bill Bryant, funcionário do King County Metro.
Os ônibus de Nova York transportam mais passageiros do que o metrô todos os dias por mais de dois meses – a primeira vez que acontece desde que a Autoridade Metropolitana de Transportes começou a acompanhar em 1963.
O número de passageiros no ônibus caiu para um mínimo de 430.000 passageiros em um dia em abril, ou 20% dos níveis pré-pandemia. O número de passageiros no metrô chegou ao fundo com 403.000 passageiros diários, uma queda de 93%.
Especialistas em transporte disseram que expandir a rede de ônibus da cidade era essencial para atrair mais passageiros, especialmente em desertos de transporte público fora de Manhattan sem linhas de metrô. Melhorias nos ônibus também podem ser feitas mais rápido e mais barato do que no metrô, disseram eles.
“O sistema de ônibus da cidade sempre foi o irmão indesejável do transporte em Nova York”, disse Janette Sadik-Khan, ex-comissária de transporte da cidade. “Mas os ônibus são uma opção mais atraente quando podem operar acima do solo, assim como os metrôs operam no subsolo.”
Kate Slevin, vice-presidente sênior da Regional Plan Association, disse que viagens mais rápidas de ônibus também significariam menos tempo que os passageiros poderiam ser potencialmente expostos ao vírus. “É uma questão de saúde pública e também uma questão de patrimônio”, disse ela. “A última coisa que você quer são trabalhadores essenciais presos no trânsito atrás de veículos de um ocupante.
Atualmente, existem 144 milhas de faixas de ônibus em toda a cidade, e os funcionários do MTA pediram mais 60 milhas. As autoridades da cidade prometeram um total de 32 quilômetros de novas faixas de ônibus, incluindo as cinco novas e quatro faixas de ônibus que juntas servirão cerca de 750.000 passageiros diariamente.
Nos últimos anos, a cidade também expandiu um programa que prioriza os ônibus nos semáforos para 1.025 cruzamentos, ou cerca de 13% de todos esses cruzamentos ao longo das rotas de ônibus.
“Podemos fazer isso – podemos ter ônibus mais rápidos e confiáveis”, disse Polly Trottenberg, comissário de transporte da cidade.
Mesmo antes da pandemia, os funcionários do MTA estavam revisando o sistema de ônibus de Nova York redesenhando o bairro desatualizado e ineficiente da rede de ônibus da cidade e instalando câmeras montadas em ônibus para emitir bilhetes para carros que bloqueavam as faixas de ônibus.
“Quando as pessoas estão chegando onde querem ir de maneira segura e confiável, o ônibus é uma alternativa viável ao metrô ou ao trem”, disse Craig Cipriano, presidente interino da MTA Bus Company. “Precisamos aproveitar esse momento.”
Nate Schweber contribuiu com reportagem.
Winnie Hu é repórter na mesa do Metro, com foco em histórias de transporte e infraestrutura. Ela também cobriu educação, política na Prefeitura e em Albany, e no Bronx e no norte de Nova York desde que ingressou no Times em 1999.@WinnHu
Texto introdutório e nota de opinião: Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes, editor-chefe do Diário do Transporte