28/01/2022 10:35 - Valor Econômico
EDITORIAL VALOR ECONÔMICO
O governo de Jair Bolsonaro ampliou suas ações para destruir a ordem fiscal do país, com a profusão de projetos eleitoreiros que nada resolvem e ainda desfiguram a Constituição. A Proposta de Emenda Constitucional para retirar os impostos federais sobre combustíveis, e autorizar os Estados a fazerem o mesmo com o ICMS, parece, se for em frente, um exemplo acabado de proposta inócua para os fins a que se pretende, mas cujos malefícios para as contas públicas e saúde da economia são enormes. A disparidade entre possíveis benefícios e danos tende a fazer o governo mudar de ideia.
Bolsonaro está tornando a Constituição uma lata de lixo, usando-a para contornar e invalidar leis ordinárias que impedem o governo de agir irresponsavelmente, ou, então, anular cláusulas que tornam obrigatório o pagamento de dívidas pelo Estado, como no caso dos precatórios, em que a possibilidade de calote foi inscrita na Carta Magna, afrontando decisões da Justiça transitadas em julgado. A PEC dos combustíveis burla o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que determina que a renúncia fiscal seja compensada por aumento de outras receitas. A PEC desobriga a compensação.
Como o presidente, com a ajuda de seus aliados do Centrão, só pensa em reeleger-se, o projeto poderia também incluir a retirada de PIS/Cofins das contas de energia elétrica. O custo disso seria enorme, bem superior aos R$ 50 bilhões que foram destinados ao Orçamento com a PEC do calote dos precatórios. Os impostos federais somam 10% do preço da gasolina e 6% do diesel (já isento da Cide). Sua arrecadação equivale a 0,8% do Produto Interno Bruto, ou seja, a renúncia apenas para combustíveis seria de algo em torno de R$ 63 bilhões. Estimativas para a isenção na energia elétrica acrescentariam mais R$ 50 bilhões. Somados, tornar-se-iam a maior renúncia de todas - foram R$ 315 bilhões que deixaram de ser arrecadados pela União em 2021.
Sem compensação de receitas, a PEC pioraria o déficit primário, previsto em R$ 170 bilhões em 2022, e aumentaria a dívida pública, porque os débitos serão pagos por títulos do Tesouro lançados a mercado, cujas taxas de juros estão em alta com a elevação da Selic e cujo custo implícito foi de 11,8% em novembro. Se a PEC for enviada, aprovada e aplicada por um ano, o custo da aventura subiria mais R$ 12 bilhões.
Sempre em guerra com os governadores, Bolsonaro julgou-se esperto ao arquitetar uma arapuca eleitoral para eles, podendo inserir na PEC uma permissão para que os Estados reduzam o ICMS. Não contou com a astúcia dos governadores, que decidiram manter o imposto sobre combustíveis sem aumentos por mais 60 dias. De qualquer forma, a renúncia custaria muito para os Estados, se fosse total, como a da União. Seriam R$ 170 bilhões, cerca de 23% de sua arrecadação total. Como não podem emitir dívida, perderiam muito em um ano eleitoral em que seus cargos estarão também em jogo.
Não bastassem os custos pesados dessa benesse com o dinheiro de todos, a medida seria de baixa ou nenhuma eficácia. A alta dos combustíveis se deve à evolução dos preços do petróleo, cujas cotações se elevarão em 2022, mas não tanto quanto em 2021, e do câmbio. O dólar subiu junto com as commodities, quando historicamente cairia, e não o fez pelas estripulias do governo Bolsonaro.
Dessa forma, a redução dos impostos federais poderia trazer uma economia muito provisória de R$ 0,61 por litro de gasolina e R$ 0,13 no diesel, ou 10% e 6% respectivamente. Analistas privados dizem que a defasagem de preços da Petrobras já é hoje de 6%. O petróleo ainda tem espaço de 7% a 15% para avançar, se as projeções do barril a US$ 90 e US$ 100 estiverem corretas. Ou seja, mesmo que o dólar fique parado, uma hipótese heroica com esse governo, os preços continuarão subindo.
Não há solução a curto prazo para o problema. A proposta no Senado de criação de um Fundo de Estabilização tem méritos, mas a baixa continuidade de políticas nas administrações federais possivelmente fariam com que o fundo fosse abandonado tão logo os preços se estabilizassem e o dinheiro seria usado para outros gastos. Sua capitalização, por outro lado, leva tempo.
Cada passo que Bolsonaro tenta dar piora suas condições eleitorais. Ele só pioraria seus problemas aumentando rombo fiscal, dificultando a queda da inflação e piorando ainda mais sua avaliação junto aos eleitores. Tudo leva a crer que ele não daria esse passo.