09/07/2016 09:11 - O Globo
Minha Casa Minha Vida não é política habitacional. Nas próximas eleições municipais, correse o risco de os temas políticos nacionais ocuparem todo o espaço e, com isso, discussões importantes para as cidades ficarem em segundo plano. E não há assunto mais urgente para as cidades brasileiras do que que tipo de política habitacional podemos ter, como será implementada, quantas moradias poderão ser criadas, quanto custará, como serão gerenciadas.
O porquê: o Minha Casa Minha Vida (MCMV) não é política habitacional. É programa de estímulo econômico, com foco em médias e pequenas empreiteiras, que têm como um produto a moradia; em geral, longe dos centros urbanos, onde a terra é barata. É realizado sem nenhuma qualidade espacial, mantendo longas jornadas de viagem até o trabalho, replicando a exclusão por gerações.
E, infelizmente, o MCMV capturou a agenda de todas as secretarias de Habitação do país, do Oiapoque ao Chuí. Ele criou um custo de oportunidade de baixo valor agregado, mas de alta liquidez, que impede que estes mesmos promotores imobiliários tenham interesse em outras soluções. Capturou agendas políticas com a ilusão do muito, rápido, barato. Entretanto, a não existência de desenho arquitetônico e urbanístico faz com esses empreendimentos se depreciem rapidamente.
Essa conta social será cobrada muito brevemente.
Esse programa precisa ser corrigido urgentemente. Não precisamos jogá-lo fora.
Um caminho é exigir melhores padrões de design. As cidades poderiam exigir concursos de projeto. Poderia ser um grande estímulo profissional para jovens arquitetos, por exemplo.
Precisamos considerar que resolver o desafio da moradia e do acesso à cidade seja um estímulo intelectual à nossa cultura, e não uma simples indústria estúpida de caixotes para acumular gente.
Será com o acesso à cidade e seus benefícios, acesso à diversidade, ao capital humano, ao conhecimento, à cultura e aos serviços públicos, ao atrito que forja a urbanidade, que poderemos romper o círculo que gera e regenera o abismo social.
É o acesso à cidade que enriquece, materialmente, e dá acesso a capitais intangíveis.
Mas para essas condições surgirem, é necessário que a moradia seja “dentro” destes valores, e não fora. Ou seja, a habitação de interesse social repete o mantra que rege o mercado imobiliário desde que botaram a primeira caverna à venda: localização, localização, localização.
É necessário ir além também. Debater e implementar políticas de locação social. Existem poucas, mas interessantes iniciativas.
Em São Paulo, há o Casa Paulista, uma PPP tocada pelo estado para produção habitacional que produzirá, ao mesmo tempo, unidades de mercado e de interesse social, promovendo ambiente urbano mais diverso. Do mesmo modo, a prefeitura de São Paulo, através da aplicação da função social da propriedade, tem produzido estoque de área significativo para políticas futuras.
Obrigar que propriedades privadas tenham uso é um princípio constitucional. E as prefeituras devem dizer onde isso deve ocorrer prioritariamente. Por exemplo, no Rio, após tantos investimentos, o Centro e o Porto são áreas prioritárias. Essa ação é importante para conter especulação (alguém segurando seu imóvel para, um dia, obter o melhor preço), que é também um direito, mas que não pode entrar em conflito com o primeiro. Quer vender? Vende. Mas, por favor, não fique com o prédio vazio dez anos, pois senão seu IPTU irá aumentar.
Esse projeto de lei faz parte do Programa Carioca Local, que está na Câmara dos Vereadores do Rio.
Regulamentar essa lei ajudaria muito a evitar com que os imóveis de frente para o novo boulevard de pedestres da Orla Conde ficassem vazios na expectativa de uma alta de preço que pode nunca ocorrer, e acabando por deteriorar um área nova.
Também no pacote do Carioca Local está prevista a criação de uma imobiliária social, que cuidará de alugar e gerenciar unidades habitacionais. O objetivo aqui é manter um conjunto de moradias públicas que possam garantir um parque habitacional por muitas gerações. Até porque, o Plano de Habitação de Interesse Social do Porto Maravilha prevê a produção de dez mil unidades habitacionais no Centro do Rio.
Também estão lá: permitir que a obrigação de doação de equipamentos públicos para grandes empreendimentos possa ser convertida diretamente em moradia ou em pagamentos para fundo habitacional; flexibilizar uso em imóveis tombados; preservar negócios tradicionais; incentivos para produção residencial.
Finalmente, temos os Jogos Olímpicos e, logo depois, as eleições. Novas e importantes agendas precisam ser colocadas em debate e implementadas.
Washington Fajardo é arquiteto e urbanista