25/11/2016 09:37 - O Globo
RIO – No último mês, quase nove de cada dez mulheres adultas brasileiras moradoras de áreas urbanas, ou 87% delas, sofreram algum tipo de assédio, que pode ir desde assobios e cometários de cunho sexual na rua até ser tocada sem permissão. O resultado é o pior entre os quatro países constantes de pesquisa, encomendada pela organização não-governamental ActionAid por ocasião do Dia Internacional pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, lembrado nesta sexta-feira. Na Tailândia, a proporção foi de 76%, enquanto na Índia ficou em 73% e no Reino Unido, em 57%.
Segundo o levantamento, os assobios são a forma mais comum de assédio no Brasil, relatados por 65% das mulheres. A seguir vem ser encarada (59%), ouvir comentários de cunho sexual (52%), insultos (38%), ser seguida na rua (29%), deparar-se com homens se exibindo (29%) e ser tocada (20%), enquanto 2% delas contaram terem sido drogadas e 25% enfrentado outra forma de assédio. A soma supera os 100% porque as 502 consultadas, estatisticamente representativas da população feminina urbana adulta do país, poderiam responder mais de uma opção.
Diante disso, muitas brasileiras recorrem a estratégias para se protegerem do assédio, com 86% contando terem tomado alguma medida preventiva, proporção que sobe para 93% entre as que têm de 18 a 24 anos. Mais da metade do total (55%) chegou a mudar o caminho que normalmente fazem para seus destinos ou passou a evitar parques e outras áreas mal iluminadas da cidade (52%). Além disso, 48% começaram a ligar ou mandar mensagens para alguém confirmando que chegaram bem em casa e 44% costumam pedir para serem acompanhadas, enquanto 17% evitam o transporte público.
Outras 14% das brasileiras, no entanto, tomaram atitudes mais pró-ativas, contando terem se preparado para usar um objeto comum, como um guarda-chuva, chaves ou lixa de unha, como arma, e 6% passaram a carregar algum aparelho de proteção, como sprays de pimenta ou alarmes sonoros para o caso de um ataque. Isso não impediu, porém, que 18% decidissem desistir de ir a um evento social, 6% de ir à escola ou faculdade e 3% faltarem ao trabalho para fugir do assédio. Novamente, a soma supera os 100% porque as entrevistadas puderam responder mais de uma opção.
O levantamento também aponta que, entre os quatro países pesquisados, a maior percentagem de mulheres que sofreu o primeiro assédio antes mesmo dos 10 anos de idade está no Brasil. Aqui, 16% contaram terem passado por algum tipo de abordagem de cunho sexual nesta fase de pré-adolescência, e um somatório de 55% enquanto ainda tinham 18 anos ou menos. No Reino Unido, por sua vez, 12% relataram ter sido abordadas antes dos 10 anos, contra 8% na Tailândia e 6% na Índia.
- O assédio é uma enorme violência contra as mulheres e impacta suas vidas todos os dias, seja pela ocorrência de situações traumatizantes, seja pela convivência constante com o medo, que as faz criar estratégias para se proteger – diz Jéssica Barbosa, assistente do Programa de Direitos das Mulheres da ActionAid Brasil. - O fato de o Brasil ter se saído pior na comparação com outros países chama atenção para o debate urgente que precisamos realizar sobre a cultura do estupro tão vigente por aqui e sobre as condições existentes para que ela seja perpetrada
Segundo Jéssica, estas condições são um reflexo da própria História da formação da sociedade brasileira, machista e patriarcal.
- Esta cultura do estupro foi trazida pela própria forma que a sociedade brasileira se construiu, com a hipersexualização e fetichização do corpo das mulheres, em especial as negras e índias – considera. - Isso não quer dizer, por exemplo, que a sociedade britânica seja menos machista, mas aqui o patriarcado e o machismo se expressam de forma diferente, mais explícita. Mas tambpem talvez lá no Reino Unido as mulheres sofram a violência do assédio de outras formas que não temos como medir em pesquisas assim.
Jéssica, no entanto, também vê nos números do levantamento um sinal de que as mulheres e até a sociedade brasileiras estão mais conscientes sobre a questão do assédio.
- O Brasil, embora ainda tenha muito que avançar, tem discutido o assédio e a violência contra a mulher, e isso as tem empoderado para denunciar e forçado a sociedade a encarar estas contradições trazidas pela sua própria construção – avalia. - A mudança cultural é um processo longo, mas pesquisas assim nos fazem deparar com coisas do dia a dia que se tentam naturalizar, encarar como normal. Mas o fenômeno do assédio é sim uma violência que não pode ser naturalizada, nunca.
Enquanto isso, Jéssica defende também medidas simples que podem tornar as cidades mais seguras e abertas à circulação das mulheres.
- Pode parecer complicado, mas é só mais um poste de luz, ou mais um ponto de ônibus perto da casa onde uma mulher mora que podem fazer toda a diferença. Para isso, basta boa vontade do poder público – diz ela, lembrando que tais ações estão entre as requisitadas por campanha global da ActionAid chamada “Cidades Seguras para as Mulheres”, que pede a melhoria dos serviços públicos a fim de diminuir a vulnerabilidade das mulheres nos espaços urbanos.
No Brasil, a campanha da ActionAid foi lançada em agosto de 2014 e já alcançou algumas conquistas, como a iluminação de Heliópolis, em São Paulo, com lâmpadas de LED, mais potentes, após caminhada das mulheres do bairro denunciando os pontos de escuridão e insegurança. Jéssica, porém, destaca que é possível andar mais rápido, principalmente com um aumento da participação feminina na política.
- A partir do momento que tivermos mais mulheres decidindo sobre as políticas públicas, também vamos ter cidades mais seguras para elas, com serviços voltados para atender suas necessidades – conclui. - A maior representatividade é um grande passo e instrumento importante para estas políticas serem implementadas.