24/08/2016 08:16 - O Tempo - BH
A cidade não deve ser planejada para o carro, e sim para as pessoas. E isso pode passar pelo Projeto de Restrição ao Transporte Motorizado Individual, que prevê para a região metropolitana da capital propostas como o uso do pedágio urbano, a redução da velocidade permitida para veículos e a cobrança maior para deixar o carro estacionado em ruas da área central ou em vagas privadas. As ações integram o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDDI-RMBH) – o mesmo que traz diretrizes de mobilidade para os próximos 34 anos, com expansão do metrô, retomada do trem, construção de anéis viários e criação de novos centros urbanos. As previsões foram apresentadas nas últimas edições de O TEMPO.
O Projeto de Restrição ao Transporte Motorizado Individual sugere medidas de moderação de tráfego, o “traffic calming”, conceito que tem sido adotado pelo mundo para ordenamento do trânsito, redução de acidentes e revitalização de áreas densamente urbanizadas. Uma das propostas é a redução da velocidade, como já ocorre na avenida Antônio Carlos, onde radares controlam o limite de 60 km/h ao longo de toda a via.
“A 60 km/h, 85% das pessoas atropeladas morrem. A 70 km/h, 100% morrem. Além disso, quando se aumenta a velocidade, o espaçamento entre carros também aumenta e o fluxo é menor” explicou o consultor em transporte e trânsito Osias Baptista.
Outra estratégia de restrição ao uso do automóvel é o pedágio urbano em determinadas zonas da cidade, como áreas centrais e centros históricos, prática que já é adotada em países desenvolvidos. Londres é um dos exemplos mais bem-sucedidos, com o uso de câmeras para fiscalizar as placas dos veículos. O pagamento pelo “uso motorizado” dessas áreas pode ser feito em lojas credenciadas, por telefone e pela internet.
Na cidade, estima-se que a adoção dessa prática tenha contribuído para um aumento de 25% no número de ônibus em circulação no horário de vigência do pedágio, segundo o PDDI. A Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) informou que nunca se tentou implantar essa medida na capital, mas não informou se há estudos nesse sentido.
Incluindo até mesmo uma política de bônus para quem abrir mão do transporte individual, as mudanças envolvem ação do poder público, mas também atitude dos cidadãos. “É preciso despertar nas pessoas a consciência coletiva, que faz, por exemplo, com que elas parem para o pedestre passar, não joguem lixo na rua e entendam que a cidade é delas, e não dos carros”, disse Baptista.
O projeto sugere ainda áreas de estacionamento rotativo com valores elevados, além de limitação de construção de estacionamentos privados em áreas centrais (via leis de uso e ocupação do solo). Na capital, também não se tem sinal de adoção dessas medidas, segundo a BHTrans – o rotativo tem um valor fixo de R$ 41 pelo talão e R$ 4,10 pela folha individual.
Saturação. De 2003 a 2013, a frota de veículos de Belo Horizonte cresceu 97%, e, no mesmo período, a população da cidade aumentou 4,05%. O chefe de gabinete da Agência RMBH (orgão ligado ao governo do Estado) Gustavo Medeiros, disse que prefeituras da região metropolitana estão cientes da importância de se promoverem alternativas ao transporte individual. “Um exemplo prático é a criação de faixas exclusivas para ônibus, além dos investimentos no sistema Move”, concluiu Medeiros.
Saiba mais
Calçadas. O PDDI sugere também a ampliação de calçadas como mais uma política de priorização do pedestre. A BHTrans informou que adota uma série de medidas nesse sentido, como revitalização de passeios, aumento no número de travessias com semáforo e uso exclusivo de vias para pedestres, ciclistas e o Move (avenidas Paraná e Santos Dumont).
PlanMob. A restrição e o controle de acesso e circulação no centro da capital, como o pedágio e o rodízio, já foram previstos no Plano Diretor de Mobilidade Urbana (PlanMob), que traça diretrizes até 2020. No entanto, a BHTrans informou, em 2013, que não iria colocar essas duas alternativas em prática diante da repercussão negativa que os projetos tiveram entre a população.
Mobilidade
Licitação. As diretrizes do PDDI devem ser detalhadas no Plano de Mobilidade da RMBH, atualmente em licitação. Cinco empresas apresentaram proposta e o vencedor deve sair em outubro.
Status de ter veículo dificulta mudança
Qualquer política de desestímulo ao uso do transporte individual precisa, sem dúvida, vir acompanha de expansão e melhorias do transporte coletivo. Mas a mudança vai além disso. Conforme o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDDI-RMBH), o uso indiscriminado do carro tem raízes não somente nas fragilidades do transporte coletivo, mas também em questões de ordem social e comportamental, como o status associado à posse de um automóvel.
“A educação pode exercer um papel importante nesse processo de mudança de paradigma, de revisão de conceitos, de transformação cultural”, sugere o documento. O PDDI indica que os municípios da região metropolitana invistam na elaboração e implementação de programas de conscientização pelo não uso (ou uso reduzido e consciente) do automóvel. Isso inclui, além de campanhas de educação de trânsito, programas de capacitação de educadores, associados ao ensino em todos os níveis.
A iniciativa privada também pode contribuir com premiações para funcionários que deixarem o carro em casa, prática que já é adotada em inúmeras cidades norte-americanas.