29/03/2015 07:30 - O Estado de SP
Os ciclistas se sentem mais seguros nas faixas exclusivas,
mas enfrentam buracos e pistas irregulares e sofrem com falta de sinalização
adequada e manutenção. Da meta de 400 quilômetros de ciclovias prometidos até o
fim de 2015, a gestão Fernando Haddad (PT) alcançou a marca de 262 km em meio a
muitas críticas e, anteontem, dia 27, a Prefeitura conseguiu derrubar a decisão
judicial que paralisava todas as obras cicloviárias da cidade. Para o
Ministério Público Estadual (MPE), faltou planejamento - argumento negado pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
Para conferir o que já foi feito, o Estado percorreu 33 km
de ciclovias no centro e na zona norte e mais 21 km nas zonas lestes e sul
(mais informações nesta página) e criou um infográfico interativo com um
mapeamento das vias exclusivas.
Sinalização precária em cruzamentos movimentados, grades de
bocas de lobo que podem prender o pneu da bicicleta, tampas de bueiro
desniveladas em relação à rua, sujeira, água empoçada e sarjetas
intransitáveis: esses foram alguns dos problemas encontrados.
Na região central, o cruzamento do Largo do Arouche com a
Avenida São João não tem semáforo para ciclistas. Uma placa orienta a fazer a
travessia no sinal verde, mas coloca bicicleta e automóvel em rota de colisão.
O mesmo acontece na São João com a Avenida Duque de Caxias.
Pintadas sobre as sarjetas, muitas dessas vias estão tão
esburacadas que fica impossível trafegar na faixa da direta, como acontece na
Rua Frederico Abranches, em Santa Cecília. "O problema é que a Prefeitura
veio e passou uma tinta vermelha por cima do buraco, sem reformar a
sarjeta", diz o proprietário da bicicletaria Drac BMX, José Wilton
Oliveira, de 44 anos, conhecido como Drac. "Em um dia colocaram a faixa
anunciando a implementação da ciclovia e, no outro, ela já estava
pintada", lembra.
Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), a
ciclovia do eixo Santa Cecília-Higienópolis, formada por sete ruas, foi feita
em 15 dias. A CET informou ainda que os projetos cicloviários contemplam uma
série de trabalhos de adequação viária, como tapa-buraco, reconstrução de
sarjetas e recapeamento de vias. Sobre os problemas na Rua Frederico Abranches,
a empresa municipal diz que avaliará a necessidade de "possíveis
ajustes".
Na ciclovia da Rua Doutor Bráulio Gomes, no centro, a boca
de lobo está quebrada. A CET diz que solicita para as subprefeituras o
nivelamento e a substituição das bocas de lobo para garantir o fluxo seguro dos
usuários, mas não informa quantas ou quais foram trocadas.
Acidente. O
analista de sistemas Eduardo Trova, de 32 anos, sofreu um acidente na ciclovia
da Avenida Brás Leme, na zona norte, e quebrou o braço em três pontos. No local
da queda, o concreto se ergueu e formou uma lombada. "Eu estava acostumado
a passar por ali, mas naquele dia me distraí", contou.
A ciclovia foi entregue ainda na gestão Gilberto Kassab
(PSD), em 2012, e fica no canteiro central, isolada do trânsito. A pista está
com vários problemas: árvores baixas que podem fazer o ciclista bater a cabeça,
terra que forma lama quando chove e rachaduras.
Questionada, a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras
informou que a limpeza é feita quando "detectada a necessidade" e o
serviço de manutenção seria realizado no local.
A principal reclamação dos ciclistas que usam a via da
Avenida Engenheiro Caetano Álvares, na zona norte, é a sujeira e a água
empoçada. Há também vários trechos de asfalto irregular, com buracos, e
tartarugas estão soltas.
"Eu não me sinto seguro nesta ciclovia, porque, se eu
passar por um buraco ou por uma pedra e me desequilibrar, posso cair dentro do
rio ou no meio dos carros", disse o gráfico Fernando de Oliveira, de 22
anos.
Na Casa Verde, a ciclovia acompanha um córrego na lateral
esquerda e a velocidade permitida para automóveis é de 60 km/h. Segundo o
engenheiro Luis Fernando Di Pierro, critérios internacionais apontam que as
ciclovias que acompanham avenidas com velocidade superior a 50 km/h devem ter
uma segregação física dos carros, seja por meio de uma mureta ou de uma grade.
Escorregadio. Os
ciclistas também reclamam que as ciclovias ficam muito escorregadias quando
chove. Segundo a CET, a tinta vermelha obedece às especificações da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), mas não forneceu detalhes sobre qual o
material aplicado no asfalto.
O engenheiro, urbanista e ciclista há 30 anos Ary Rodrigues
Perez, de 61 anos, afirma que é preciso usar um material com mais rugosidade
para melhorar a aderência da pista. Ele diz acreditar que a Prefeitura está
aprendendo com os erros. "Na obra da ciclovia da Avenida Paulista, por
exemplo, estão usando um concreto pigmentado em vez da tinta."
Os mesmos ciclistas que defendem a construção de uma malha viária para bicicletas na cidade tecem críticas à forma como algumas ciclovias foram criadas, mas fazem uma ressalva: "Mesmo uma ciclovia malfeita é mais segura para o ciclista do que pedalar na rua, no meio do trânsito", diz o cicloativista e editor do site Vá de Bike, William Cruz. Ele avalia que existem erros, mas impedir a implementação é um retrocesso.
Especialistas defendem continuidade do projeto
Especialistas em trânsito e transporte defendem a
continuidade do projeto das ciclovias na capital paulista. Mas eles pedem a
correção imediata das imperfeições no projeto e a manutenção das faixas já
criadas como forma de evitar acidentes graves – o que poderia gerar ainda mais
críticas à criação de novas faixas, avaliam.
"É verdade que o projeto das ciclovias de São Paulo peca na
transparência e implementação. Falta um mapa oficial da Prefeitura que mostre
como será o projeto final e há ciclovias mal acabadas, mal executadas”, afirma
a urbanista Natália Garcia, de 31 anos, do projeto Cidade Para Pessoas. "Mas
parar as obras é parar um processo pelo qual passaram as melhores cidades do
mundo e que mal começou por aqui. Além de ser uma reação completamente
exagerada”, diz a urbanista, em referência a decisão que proibia novas obras na
cidade e que foi derrubada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) na
sexta-feira, dia 27.
A urbanista Raquel Rolnik também defende a correção dos
problemas sem a interrupção do projeto. "Os questionamentos que o Ministério
Público Estadual faz sobre as ciclovias de São Paulo não dependem da suspensão
das obras para serem observados e resolvidos. Existem outras formas de
aperfeiçoar os projetos e promover o diálogo, sem interromper a implementação
de uma política fundamental para a cidade”, diz a urbanista.
Para o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de
São Paulo, Gilberto Belezza, as ciclovias precisam ser mais bem planejadas para
não apresentar problemas como os que são verificados agora.
"A colocação do MPE (de parar o projeto) é importante e nos faz refletir sobre a situação das diversas políticas públicas nas nossas cidades. A implementação das ciclovias, fundamental alternativa de circulação urbana, faz parte de um plano de transportes e mobilidade da cidade? Houve planejamento e projetos que viabilizassem toda essa implementação? Quem são os profissionais envolvidos nesse processo?”, questiona Belleza.
Nos bairros, ciclovias enfrentam falta de manutenção comum em
calçadas e praças
Prestes a completar um ano, as primeiras ciclovias da gestão
Fernando Haddad (PT) em bairros fora do centro expandido já apresentam
problemas de falta de manutenção comuns nos espaços públicos da periferia, como
nas calçadas, em corredores de ônibus, nas praças e em vias usadas pelos
carros. Além do mal acabamento, citado até por cicloativistas desde o início do
projeto, as faixas exclusivas pintadas em vermelho apresentam agora buracos e desníveis
que chegam a colocar em risco os usuários.
Na região central, o problema é mais evidente. Mas buracos,
desníveis e a falta de sinalização também já aparecem em rotas feitas para
ciclistas na Vila Prudente, no Tatuapé, na Mooca, na Freguesia do Ó e no
Morumbi. O Estado percorreu, entre quarta e quinta-feira, dias 25 e 26 de
março, 21 quilômetros inaugurados em bairros a partir de abril do ano passado.
Em quatro ciclovias (Tatuapé, Vila Prudente, Morumbi e
Freguesia do Ó), o período de chuvas fez reaparecer dezenas de buracos
recapeados durante a pintura das faixas. Essas imperfeições podem ser
constatadas por quem anda de bicicleta em menos de 200 metros de qualquer uma
das faixas. Algumas ciclovias nos bairros também são alvo diário de descarte irregular
de entulho.
Na Vila Prudente, na zona leste, a ciclovia que passa pela
Avenida Professor Luís Inácio de Anhaia Melo, feita pelo Metrô, tem rachaduras
que também obrigam o ciclista a descer da bicicleta. Com a instalação dos
pilares de sustentação do futuro monotrilho erguidos na via e as recentes
chuvas, a faixa está com dezenas de buracos.
"Se vem alguém muito rápido e não consegue brecar, cai com
certeza”, diz a dentista Fernanda Melo, de 26 anos, ao apontar buraco na
ciclovia na esquina da Anhaia Melo com a Rua Susana. E ninguém se entende sobre
de quem é a responsabilidade pela manutenção da ciclovia, gerida pelo Metrô até
o ano passado. A Prefeitura diz que é o próprio Metrô quem tem de administrar a
faixa, construída como parte do projeto do monotrilho. Já o Metrô diz que a
ciclovia passou para a responsabilidade do governo municipal em setembro do ano
passado.
Do outro lado da cidade, no Morumbi, área nobre da zona sul,
a ciclovia da Rua Dr. Fausto de Almeida Prado Penteado não tem problema de
conservação. Ali a faixa está em boas condições, mas, de tão estreita que é, os
ciclistas ficam emparedados entre os carros estacionados de um lado e outros em
movimento do outro.
Muitos carros chegam a invadir a ciclovia do Morumbi durante
os horários de pico. "Tá um perigo andar de bicicleta por aqui. Os carros
entram na ciclovia em alta velocidade sempre, todos os dias. Não passa mais do
que um cliclista por vez”, afirma Angelo Mariotti.
Zeladoria. A
falta de conservação e de zeladoria que se torna mais evidente nas ciclovias
dos bairros, destacadas em vermelho do restante do viário urbano, também está
presente nas calçadas da Mooca, em praças como a Silvio Romero, no Tatuapé, e
na Cívico, na Lapa, e em faixas para ônibus das Avenidas Inajar de Souza e
Edgar Facó, na zona norte.
A sensação geral de pedestres, motoristas e ciclistas é a de
que a cidade está suja e mal cuidada demais. "Não é problema só das ciclovias,
é que nelas, por serem vermelhas, os buracos ficam mais destacados. As calçadas
estão quebradas e imundas”, afirma Ronaldo Faria, de 61 anos, comerciante no
Largo Nossa Senhora do Ó, na Freguesia do Ó, zona norte.
Prefeitura inicia tapa-buraco de ciclovias e Haddad diz que
obra veio para ficar
A Prefeitura de São Paulo informa que uma "operação
tapa-buraco” será iniciada nas ciclovias da região central a partir desta
segunda-feira, dia 30. Os reparos serão feitos pela Subprefeitura da Sé em
trechos como os da Avenida Duque de Caxias e da Rua General Júlio Marcondes
Salgado e ao longo da Avenida São João.
A gestão Fernando Haddad (PT) informa também que todos os
problemas apontados pelo Estado serão vistoriados pelo Departamento de
Sinalização da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). "A Subprefeitura da Sé
realiza diariamente uma série de pequenas obras, como recomposição de calçadas,
guias, sarjetas e tapa-buraco em leitos asfaltados da região”, diz a
Prefeitura.
Em entrevista ao Estado, durante evento cultural na
quarta-feira, dia 25, Haddad defendeu o projeto das ciclovias e disse acreditar
que nenhum outro prefeito terá coragem de acabar com as faixas. "Ninguém vai
querer tirá-las”, afirmou ele. O prefeito também disse apostar no aumento dos
usuários com o passar do tempo.
"Pergunte a quem
implementou ciclovias em outros países. Isso (o pouco uso) é normal no mundo
inteiro. As ciclovias vêm antes dos ciclistas. Hoje, quem usa mais são os
cicloativistas. O ciclista vem depois. Em alguns países, eles só apareceram
seis anos depois da implementação”, argumentou o prefeito.
Haddad também defendeu os gastos para a implementação dos
400 quilômetros de ciclovias na cidade e disse que a iniciativa do Ministério
Público Estadual (MPE) de pedir a paralisação de todas as novas obras aumentou
a discussão sobre o tema na cidade. Na sexta-feira, dia 27, porém, o Tribunal
de Justiça de São Paulo (TJ-SP) derrubou a liminar que atendia ao pedido da
promotora de Habitação e Urbanismo Camila Mansour Magalhães da Silveira.
"É o investimento
(para a construção de 400 km de ciclovias) mais barato que estou fazendo na
cidade. São R$ 80 milhões para 400 km, mas ela é mesmo mais visível e, como
mexe com a cultura, sofre a contestação da oposição. Mas eu quero ver alguém
desfazer isso. Se você verificar: o que aconteceu na cidade depois da liminar
da Justiça? Um movimento de contestação, não de apoio à decisão que foi tomada,
que é provisória, mas de apoio à política pública. Acho que essa decisão acabou
favorecendo um debate na cidade”, afirmou o prefeito.