Transporte público precisa de R$ 235 bi em investimento, estima BNDES

24/09/2015 07:01 - Folha de SP

Criada em 2012, com o objetivo de estimular tanto o transporte público como o transporte não motorizado (bicicletas), a Lei de Mobilidade Urbana é considerada um avanço para especialistas no tema, mas com limitações.

"A lei não resolve, em si, o problema. Ela coloca mais recursos, acelera investimentos, mas o que vai resolver mesmo é a solução de mobilidade que cada cidade vai adotar", diz o arquiteto e urbanista Jaime Lerner, que foi prefeito de Curitiba três vezes e implementou o sistema de transporte público do município –exportado para mais de 300 cidades no mundo.

Aos poucos, no entanto, a lei (que deu três anos para municípios apresentarem seus planos de mobilidade) começa a surtir efeito no cotidiano de quem mora nas grandes cidades brasileiras.

As faixas e corredores exclusivos de ônibus e as ciclofaixas, em São Paulo, ou o BRT, em Belo Horizonte, são alguns exemplos de transporte coletivo que começam a ser incentivados em capitais, como prevê a norma.

"Nos últimos cinco anos, houve avanços nas obras de mobilidade pública mais preocupadas com o transporte de massa. O conceitual já foi resolvido, agora vêm os investimentos", afirma o pesquisador do Ipea Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho.

A crise pode ter causado reflexo na liberação de recursos. A estimativa do BNDES é que seja necessário investir R$ 234,78 bilhões em transporte público para resolver os problemas de mobilidade urbana nas 15 principais regiões metropolitanas do país.

Apesar dos recursos escassos, o chefe do departamento de mobilidade urbana do BNDES, Rodolfo Torres, considera que este é o momento de planejar. "São Paulo e Rio estão mais avançados. No caso do Rio, também por causa da Olimpíada. Mas outros casos começam a sair do papel, como o metrô de Salvador."

AINDA FALTA MUITO

Mesmo com os avanços, o transporte público no Brasil está longe do que seria considerado razoável.

Para o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, Gilberto Belleza, é necessário investir mais em metrô, em ônibus e em vias públicas.

"Não podemos pensar só na quantidade de veículos. É preciso pensar a mobilidade urbana de forma geral, com sistemas de acesso, calçadas, pontos de ônibus adequados, identificação das linhas que passam naquele ponto. Enfim, pensar a mobilidade urbana integrada ao desenvolvimento da cidade."

Coordenador de engenharia do Mackenzie Campinas, Luiz Vicente Figueira de Mello considera que é necessário reduzir o deslocamento das pessoas pela cidade e sugere a diminuição do ISS (tributo municipal) para empresas que mudarem o horário de entrada e saída de funcionários.

Neste sentido, o plano diretor pode ser um grande aliado. Incentivar que as pessoas possam trabalhar mais perto das suas casas é também uma maneira de tornar a mobilidade melhor e evitar que mais moradores queiram deixar os grandes centros urbanos.

Pesquisa da Liberty Seguros mostra que 82% gostariam de morar em uma cidade onde moradia, trabalho e lazer estivessem a apenas 20 minutos a pé ou de bicicleta.

"Os grandes problemas da política nacional de mobilidade urbana são inércia e falta de recursos. A norma entrou em vigor em abril, mas até agora poucos municípios conseguiram concluir seus planos, simplesmente porque não sabem por onde começar", dizem Marcos de Sousa e Regina Rocha, representantes do site Mobilize-se (dedicado à mobilidade urbana).

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300 cidades

no mundo importaram o sistema de transporte público de Curitiba; município é referência no assunto

82%

dos brasileiros gostariam de morar em uma cidade onde moradia, trabalho e lazer estivessem a 20 minutos a pé ou de bicicleta

Bogotá, Santiago e Estocolmo são exemplos

Melhorar a mobilidade nas grandes cidades não é impossível. Cidades como Bogotá, na Colômbia, e Santiago (Chile) são exemplos na América Latina de que é possível reformar o transporte público. Estolcomo, na Suécia, Londres, no Reino Unido, e Barcelona, na Espanha, também são fontes de boas soluções.

"Esses lugares entenderam há muito tempo que é necessário pensar a cidade como um todo e que todos os aspectos estão relacionados", afirma o arquiteto Ciro Pirondi, diretor da Escola da Cidade.

Inspirado no sistema de transporte público de Curitiba, Bogotá apostou no veículo leve sobre pneus (VLP) para resolver o problema de mobilidade na cidade.

O modelo paranaense ganhou melhorias: o chamado TransMilenio colombiano permite que se façam ultrapassagens, o que aumenta a velocidade dos ônibus.

"Bogotá chegou a ter um colapso no transporte público, porque muita gente migrou para o coletivo. É claro que o ideal é o equilíbrio entre os modais, mas isso mostra que, quando o transporte público funciona, há um incentivo natural para usá-lo", diz Luiz Vicente Figueira de Mello, do Mackenzie.

O transporte público de Santiago, capital chilena, é considerado um dos melhores da América Latina.

O Transantiago teve toda a operação da rede integrada em 2007. O sistema anterior era operado por mais de mil operadores independentes, com itinerários redundantes e ônibus antigos. A cidade tem cinco linhas de metrô interconectadas e rápidas.

Em Estocolmo, a integração de ônibus, metrô, bondes e até barcos foi a saída encontrada para garantir a mobilidade. Além disso, a cidade instituiu o pedágio urbano.

Num primeiro momento, o pedágio seria cobrado por seis meses e depois a população seria consultada sobre sua permanência.

"O sistema deu certo e os moradores pediram a volta do pedágio urbano", afirma Luiz Vicente Mello.

"Cidades como Estolcomo, Londres e Milão optaram pelo pedágio urbano e acho que é uma opção", diz o arquiteto, urbanista e professor emérito da FAU-USP, Candido Malta Campos Filho.

Já Barcelona aproveitou a realização dos Jogos Olímpicos de 1992 para modernizar o transporte coletivo da cidade –assim como tenta fazer, agora, o Rio de Janeiro.

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3,8 milhões

é o número de passageiros transportados em 2014 pelo metrô de São Paulo

R$ 30 milhões

é o custo por quilômetro do BRT; o VLT custa R$ 60 milhões

45 mil

pessoas circulam por hora no sistema de transporte público da cidade de Bogotá, na Colômbia