Um espanhol para nosso ministro do Trânsito - Leão Serva

18/09/2017 08:00 - Folha de SP

Sempre achei que Pep Guardiola deveria ser o técnico da seleção brasileira de futebol. Queremos o melhor do mundo, sempre. Agora defendo também a contratação de outro espanhol, mais estratégico, para melhorar a mazela mais importante de nosso país: o genocídio no trânsito. Pode ser Pere Navarro, que deu entrevista à Folha, ou outro. Mas que venham os espanhóis.

É preciso querer o melhor do mundo, em todas as áreas, qualquer que seja a sua nacionalidade. Se o produto estrangeiro é melhor que o brasileiro, vamos importá-lo, isso forçará a concorrência brasileira a se aprimorar ou fechar. Os empregos perdidos na área ineficiente serão abertos em outras.

Quando uma indústria não consegue competir, a abertura de importações abre empregos no comércio e em serviços. Isso já acontece hoje na área de informática: nossos computadores eram porcarias, copiadas, caras e ruins. Não vendiam, o contrabando era incentivado veladamente. Aberta a importação, o comércio de computadores cresceu, gerou empregos, as empresas de serviços com técnicos em instalação e manutenção dão exemplo de vigor do empreendedorismo. A produção de softwares, aplicativos e games viceja no país. Temos mais empregos espalhados em consequência da importação do que no tempo das indústrias espertalhonas que se aproveitaram da proteção da Lei de Informática jeca.

A mesma lógica deveria valer também para automóveis, roupas, sapatos, navios, plataformas de petróleo, vinhos, livros e jornais. Vale para tudo. Inclusive a engenharia de trânsito e mobilidade.

Temos um trânsito de quinta categoria, que assassina cerca de 40 mil pessoas por ano. Nossas autoridades de trânsito são incapazes de impor soluções: ou são coniventes com a mortandade ou não têm peso político para abrir os olhos da sociedade e dos administradores eleitos. Basta ver que em São Paulo, na última eleição, três dos candidatos mais fortes a prefeito atacavam a "indústria da multa" (uma ficção histérica criada por quem não quer ver a indústria de cadáveres) e defendiam o aumento dos limites de velocidade nas ruas.

Enquanto isso, a Espanha reduz drasticamente suas vítimas de acidentes fatais no trânsito. Não se pode dizer que isso acontece por uma causa única, nem mesmo que seus engenheiros de trânsito são melhores do que o Brasil. Mas, certamente, o país se convenceu de que matar milhares de pessoas todos os anos por descaso é um problema nacional mais importante do que todos os outros -algo pluripartidário, acima das disputas eleitorais.

Nossos hermanos europeus tinham metade das vítimas fatais de nosso trânsito há cerca de dez anos, aproximadamente 4,6 mil mortos/ano para 46 milhões de habitantes; nós temos 40 mil vítimas fatais para 200 milhões de habitantes. São 2 mortos para cada 10 mil habitantes (lá era a metade).

Depois de assumir que isso era inaceitável, o país reduziu esse número em 60% em uma década, e agora estão com 1,6 mil/ano (3 para cada 100 mil habitantes). E nós, como na divertida publicidade do rúgbi, estamos estáveis, disputando a rabeira do mundo em segurança viária (ou a liderança em carnificina).

Por isso, defendo a desnacionalização de nossas autoridades de trânsito e transportes: vamos contratar autoridades espanholas. E como essa é uma das maiores chagas brasileiras (talvez a maior), se o esquema der certo, sugiro mudar a lei e autorizar um espanhol a ser presidente do Brasil.

Se ainda assim nada der certo, proibir os homens de dirigir pode eliminar 90% dos acidentes fatais no trânsito.