Uma explosão de carros na Linha Amarela

30/08/2015 07:15 - O Globo

Estudante de medicina da UFRJ e moradora da Barra, Juliana Olivieri, de 26 anos, enfrenta um desafio de segunda a sexta-feira: driblar os engarrafamentos na Linha Amarela. Com o nome oficial de Avenida Governador Carlos Lacerda, a primeira via urbana com pedágio do Rio, que liga Jacarepaguá ao Fundão, está prestes a completar a maioridade (foi inaugurada em novembro de 1997, sendo que a cobrança de tarifa começou em janeiro do ano seguinte) e se encontra próxima da saturação. Com tantos carros circulando por seus 20 quilômetros, a margem líquida de lucro da Lamsa (fatia que fica com a concessionária de cada pedágio pago) é bem superior à da média do setor que explora rodovias. Diante dessa explosão de veículos, a prefeitura iniciou uma negociação com a empresa para rever o contrato. O secretário especial de Concessões e Parcerias Público-Privadas do município, Jorge Arraes, espera concluir em setembro os termos de um acordo, que poderá fixar um valor de outorga a ser pago à prefeitura (que usará os recursos em obras) ou reduzir a tarifa.

— Estou sempre olhando o Waze (aplicativo de trânsito para celular). Saio às 7h de casa. Vejo se o tráfego está melhor na reversível, que também engarrafa, ou na pista comum. Segunda-feira é o pior dia, e levo até 1h10m para chegar ao Fundão. Na volta é pior. Quando preciso sair às 16h, faço um lanche com o meu namorado, que mora na Ilha do Governador, até o trânsito melhorar — diz Juliana.

NÚMERO DE VEÍCULOS SUBIU 130% DESDE 1998

De acordo com um processo do Tribunal de Contas do Município (TCM) que analisa o último aditivo ao contrato (o 11º, assinado em 2010), a Linha Amarela atingiria a capacidade máxima, de 125 mil veículos/dia, em 2022. Mas ela bateu esse número bem antes. Pelas suas cabines de cobrança, passaram 51.686.696 veículos no ano passado (141,6 mil, em média, por dia), segundo a Secretaria municipal de Transportes. Um avanço de 130,3% em relação aos 22.442.040 contabilizados em 1998 (61.485, em média, diariamente).

— A projeção era de que o fluxo de veículos aumentaria 0,83% ao ano. Mas o crescimento real tem sido de 5% ao ano, em média. Isso nos permite fazer um reequilíbrio no contrato — explica Arraes.

O coordenador regional da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), Willian de Aquino, classifica a via como congestionada:

— Não demora muito para ela ficar saturada. Isso vai acontecer quando passar a receber entre 150 mil e 160 mil veículos por dia.

Uma cláusula fixada em 2005 pelo nono aditivo ao contrato pode dificultar, mas não impedir, um acordo com a Lamsa, segundo o advogado Hermano Cabernite, especialista em direito administrativo. Pelo dispositivo, "não constitui motivo hábil a justificar eventual reequilíbrio financeiro a variação, a menos ou a mais, do volume de tráfego futuro”.

— Entendo que a prefeitura poderá modificar unilateralmente o contrato. Caso não ocorra um acordo entre as partes, se a Lamsa discordar, poderá submeter o caso à Justiça, onde será analisada a superposição ou não do interesse público. A lei 8.666 (que trata de licitações) confere à administração pública prerrogativas especiais, dentre elas a de modificar contratos unilateralmente, para melhor adequá-los às finalidades de interesse público, ressaltando, entretanto, os direitos do contratado — avalia Carbernite.

Uma análise das demonstrações contábeis, feita pelos economistas Gilberto Braga, Marcos Heringer e Fabrice Blancard, do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), revela que, no ano passado, a margem líquida da Lamsa chegou a 36,7%, enquanto a alcançada pelo setor que explora rodovias no país foi de 15,2%, em média. Isso significa que, a cada vez que um motorista pagava a tarifa básica da Linha Amarela, que era R$ 5,50 em 2014, caíam no bolso da concessionária R$ 2,02. Os 63,3% restantes da arrecadação foram usados para pagar todas as despesas: obras, equipamentos, financiamentos, operação e impostos.

— A Linha Amarela é um negócio da China — diz Gilberto Braga.

Desta vez, a ampliação do prazo de concessão ficará de fora da mesa de negociações da prefeitura com a Lamsa — controlada pela Invepar, que tem como acionistas o BB Fundo de Investimentos em Ações, a Federação dos Economiários Federais (Funcef), a Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros) e a OAS Infraestrutura. É que, após duas renovações, o contrato alcançará em 2037 os 40 anos, máximo permitido por lei.

O engenheiro civil Eduardo Marinho, de 50 anos, que mora na Barra e trabalha no Fundão, está na torcida pela redução da tarifa (a básica atualmente é R$ 5,90) ou para que ela deixe de ser cobrada nos dois sentidos. Como Juliana, ele transformou o Waze num aliado.

— Avalio o custo/benefício. Se a diferença de tempo for de até dez minutos, vou pela Zona Sul em vez da Linha Amarela, para não pagar pedágio — conta o engenheiro.

Após uma análise de técnicos de seu gabinete dos aditivos e outros documentos fornecidos pelo TCM ao GLOBO, a vereadora Teresa Bergher (PSDB) decidiu encaminhar uma representação ao Ministério Público, pedindo que o contrato seja investigado:

— A empresa vem tendo uma margem de lucro muito alta, e quem paga é o cidadão.

Aprovado pela Câmara, um projeto do vereador Eduardo Moura (PSC), que determina o fim do pedágio duplo para carros e motos que transitarem por vias municipais no período de duas horas, foi vetado pelo prefeito Eduardo Paes. Agora, volta a ser analisado pelo Legislativo.

— A tarifa nos dois sentidos é abusiva — reclama o inspetor de solda Thiago França do Carmo, de 34 anos.

Pelo 11º aditivo, o pedágio teve um reajuste de 2,32% acima do IPCA-E, entre 2012 e 2015. Em contrapartida, a Lamsa arcou com obras que totalizaram R$ 251 milhões ( R$ 354,2 milhões, corrigidos pelo IPCA-E), inclusive fora da Linha Amarela. Foram incluídos no pacote, por exemplo, a recuperação do pavimento da Linha Vermelha e o alargamento de um trecho da pista lateral da Avenida Brasil, em frente à Fiocruz.

— Por que não promover a competição para a renovação do contrato? — questiona o economista Claudio Frischtak, que critica a decisão da prefeitura de prorrogar o contrato, que venceria em 2022. — A solução para baratear o pedágio, como aconteceu na Ponte Rio-Niterói, passa pela licitação.

Em junho, o pedágio para automóveis na RioNiterói caiu de R$ 5,20 para R$ 3,70, quando a EcoPonte (grupo EcoRodovias) passou a administrar a via, no lugar da CCR. Porém, números da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) indicam que o fluxo se manteve estável, em cerca de 80 mil veículos/dia.

TRANSOLÍMPICO: NOVA VIA URBANA COM PEDÁGIO

A Lamsa não forneceu o total arrecadado desde 1998. E Arraes afirma que solicitou à empresa, mas ainda não recebeu a informação. As demonstrações contábeis disponíveis na internet, de 2007 a 2014, permitem verificar que, nesses oito anos, o lucro líquido da concessionária foi de R$ 871,63 milhões, atualizados pelo IPCA-E. Quanto aos investimentos da empresa em obras e os custos com o atraso do início do pedágio (que constam dos aditivos), eles totalizam R$ 871.639.885,61, atualizados. Ficam de fora gastos com operação e manutenção.

Por e-mail, a Lamsa informa que, "no período de 2007 a 2014, investiu em melhorias na via e na prestação de serviços operacionais aproximadamente R$ 900 milhões”. Porém, não relaciona o que foi feito.

Depois da Linha Amarela, o corredor Transolímpico (Jacarepaguá-Deodoro), que deve ficar fica pronto antes das Olimpíadas, será a próxima via urbana do Rio com cobrança de pedágio. Por ali, passarão ainda ônibus articulados (BRTs).

A preços atuais, a tarifa básica do Transolímpico deve ser igual à da Linha Amarela (R$ 5,90). Dos 25 quilômetros do corredor, 13 serão operados pelo consórcio Via Rio (Invepar, Odebrecht Transport e CCR). O trecho entre o Parque Olímpico e o Recreio ficará sob a responsabilidade da prefeitura.