30/06/2021 09:00 - Valor Econômico
Por Jacilio Saraiva — Para o Valor, de São Paulo
Investimentos em urbanismo continuam como prioridade em Curitiba. Para se ter uma ideia, dos R$ 9,5 bilhões previstos para o orçamento da prefeitura em 2022, o setor pode ficar com R$ 1,1 bilhão (11,6% do total) ou metade do planejado para a previdência, uma das áreas mais onerosas da gestão pública, que deve receber R$ 2,2 bilhões (23,8%).
Especialistas apontam que data de 1783 o primeiro plano urbanístico da cidade, que determinou o traçado das ruas e a localização de novas construções. As inovações da capital paranaense já serviram de modelo para outros centros, como o sistema de transporte público, com corredores exclusivos para ônibus, implantado nos anos 1970.
“O transporte público é vital para qualquer cidade”, diz Fábio Duarte, professor de gestão urbana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e pesquisador no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA. “Curitiba não apenas buscou uma solução técnica, mas alternativas de design que fizeram com que o sistema de transporte se tornasse parte da identidade do município.”
Paulo Chiesa, coordenador do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), lembra que foi um processo permanente de planejamento e gestão urbana que ajudou a cidade a se tornar um modelo. Esse caminho ganhou impulso com o Plano Wilheim (1965), nome dado a um projeto de urbanismo concebido pelo arquiteto e urbanista Jorge Wilheim (1928-2014), que previa ruas exclusivas para pedestres, iniciativa incomum nos anos 1960, e a criação de um instituto de pesquisa e planejamento - o atual Ippuc, fundado em 1966.
“A partir de um plano diretor estabelecido em 1970, a capital se destacou ao manter o Ippuc funcionando para monitorar, por meio de dados, tomadas de decisão e a formulação de políticas públicas”, lembra Chiesa. O “tripé” que marcou esse delineamento, lembra o estudioso, foi formado por diretrizes de zoneamento, de mobilidade e estruturação do espaço urbano.
Chiesa destaca ainda a importância da continuidade de iniciativas administrativas e de governo que priorizaram o urbanismo, como o grupo político de Jaime Lerner (1937-2021), que liderou a cidade por várias legislaturas.
Falecido no final de maio, o arquiteto e urbanista formado na UFPR, ajudou a elaborar o plano diretor, entre 1962 e 1965. Foi prefeito três vezes, entre as décadas de 1960 e 1990, e eleito governador por dois mandatos consecutivos (1995-2002). Em 2017, a revista americana “Planetizen”, de planejamento urbano, escolheu Lerner como o segundo urbanista mais influente do mundo, atrás apenas de Jane Jacobs (1916-2006), nascida nos EUA.
Na opinião de Luiz Fernando de Souza Jamur, presidente do Ippuc, o compromisso com o planejamento e o comprometimento das equipes técnicas do município também fazem a diferença no traçado da cidade. “Essa visão integrada possibilita a ‘complementariedade’ das ações”, diz. “Projetos isolados não têm efeito.”
Jamur lembra que um dos trabalhos mais inovadores em andamento é o de transformação do bairro do Caximba, no extremo sul do município. A obra é considerada a maior intervenção socioambiental da cidade nos últimos anos e conta com investimentos de € 47,6 milhões, da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e de contrapartidas municipais. A iniciativa visa melhorar a qualidade de vida de famílias da comunidade conhecida como Ocupação 29 de Outubro, instalada em uma área de proteção ambiental. Prevê a realocação de 1,1 mil unidades habitacionais e a conservação das bacias dos rios Iguaçu e Barigui, que apresentam altos índices de poluição.
Apesar dos avanços urbanísticos, a cidade enfrenta desafios ligados ao desenvolvimento, analisa o professor Fábio Duarte, da PUC-PR. Ele destaca a necessidade de descontaminação dos rios na região metropolitana e uma melhor gestão do transporte público, que fez a fama de Curitiba. “O sistema é bom, mas há melhorias óbvias, como o pagamento de tarifa única para mudar de linhas por mais tempo, e beneficiar os passageiros”, diz.
Para o arquiteto e urbanista Ismael Gustavo Zanardini, co-fundador do Atelier 1901, espaço fundado há dois anos para capacitar arquitetos e urbanistas recém-formados, é preciso aplicar mais tecnologia nos serviços de mobilidade urbana, com semáforos e câmeras inteligentes. “Apesar da instalação de novas faixas exclusivas de ônibus, a capital tem uma das maiores frotas de carros do país [superior a 1,5 milhão de veículos], o que impacta na média de velocidade do transporte público, 30% abaixo do ideal”, diz.