03/06/2020 10:20 - Diário do Transporte
“Investimos por décadas no transporte individual e, como resultado, temos hoje cidades congestionadas, com consequências danosas para a qualidade de vida de sua população e para o meio ambiente”.
Para Ailton Brasiliense Pires, presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), a pandemia de Covid-19 veio agudizar uma situação que já era precária: o modelo atual de transporte das cidades não pode se sustentar, seja do ponto de vista ambiental, seja quanto às receitas necessárias para mantê-lo em funcionamento com mínimas condições de qualidade e modicidade tarifária.
No debate realizado nesta terça-feira, 02 de junho de 2020, com o secretário de Transporte Municipal de São Paulo, Edson Caram, Ailton destacou o papel fundamental dos sistemas de transporte coletivo como qualificadores das cidades.
Em conversa com os portais de mobilidade Diário do Transporte, Diário dos Trilhos e Via Trólebus, Ailton fez questão de mostrar que o cenário pós-pandemia é ideal para reconstruir as estruturas de um novo sistema, única chance de salvar a competitividade de nossos municípios, conferindo-lhes qualidade de vida.
Ailton lembrou que o transporte individual consome 63% de toda a energia não renovável e produz 67% de toda poluição de efeito estufa. “Os impactos foram além dos problemas ambientais”, concluiu.
“Quando colocadas frente a frente com o modelo de cidade que queremos - mais compactas, com distâncias e tempos de viagem menores, predominantemente organizadas em torno de modos de transporte público coletivo não poluentes, e visão zero como premissa para acidentes de trânsito -, nos deparamos com uma realidade ainda adversa”, ressaltou.
Assentados em um modelo de desenvolvimento urbano, predominantemente influenciado por incentivos ao automóvel e pela falta de controle sobre o mercado imobiliário, temos hoje condições urbanas atuais muito distantes de atender aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável propostos pela ONU, “pois reduzem a qualidade de vida urbana e tornam as cidades menos competitivas do ponto de vista econômico”.
Quando as pessoas questionam quando tudo voltará ao normal diante das medidas restritivas que hoje nos tolhem os movimentos, Ailton alerta que esse não deveria ser um desejo, “pois foi esta normalidade que nos trouxe até aqui, e nos deixou nas condições em que estamos”.
Consertar esse modelo, ele afirma, é “um dever da sociedade e dos governos em todas as suas instâncias, o que requer ações e atitudes de curto, médio e longo prazo”.
Ailton citou os grandes aglomerados urbanos, como o caso das Regiões Metropolitanas que reúnem vários municípios, que hoje exigem a existência de um planejamento que transcenda os limites geográficos. “Basta ver a Grande São Paulo, para percebermos que não é possível planejar cada município descolado de todo o resto. No caso do transporte isso é mais gritante ainda. Planejar em bloco, vendo as cidades como um conjunto de conexões, é algo fundamental, e que precisa ser iniciado o quanto antes.”
Mais que medidas sanitárias, ou até mesmo formas de garantir o isolamento social, será preciso garantir espaço para as pessoas se moverem. Isso significa pensar em calçadas melhores, transporte coletivo de qualidade (que garanta menos tempo de viagem, além de frequência e modicidade tarifária), e ciclovias integradas a toda uma rede de transporte e mobilidade. A sobrevivência do transporte coletivo, espinha dorsal de qualquer sistema, precisa ser assumida como essencial para a sobrevivência de nossas cidades, completou Ailton.
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes