18/02/2023 10:00 - Com. Técnica de Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
O Artigo 44 A do Código de Trânsito Brasileiro foi incluído pela Lei Federal 14.071 de 13/10/20 e passa a permitir a conversão livre à direita diante do sinal vermelho do semáforo veicular. Cabe destacar que esta lei foi originada pelo PL 3.297/2019, cuja justificativa foi a seguinte (grifos adicionados):
“O uso apropriado da sinalização semafórica produz impactos positivos no controle de trânsito, apresentando muitas vantagens”. Entretanto, quando utilizada de forma inadequada, ou quando obsoleta, devido, principalmente, às constantes alterações provenientes do desenvolvimento das cidades, a sinalização apresenta consequências que causam prejuízos ao desempenho e segurança do trânsito. Em diversas cidades do mundo a conversão à direita é livre quando o semáforo está fechado. Nesses casos a faixa à direita do semáforo é tratada omo um entroncamento "em T", permitindo fluidez no trânsito, o que diminui a quantidade de carros parados, reduzindo assim os engarrafamentos.
Várias vias brasileiras já adotam essa regra, por meio de placas de sinalização de “Direita Livre” ou “Livre à Direita”. A placa indicativa, na cor amarela, autoriza o motorista a avançar com segurança, fazendo a conversão para a direita, sendo geralmente afixada próxima às luzes do semáforo.
Ocorre que a conversão livre à direita se trata de uma exceção para o Código de Transito Brasileiro, demandando que cada município estabeleça suas normas locais para solucionar problemas de tráfego nas vias.
Esta Emenda sugere que seja estabelecido o contrário: que a regra geral seja da livre conversão à direita nos semáforos, com exceção dos locais sinalizados com a “proibida a conversão à direita”, para os casos nos quais seja indicada essa determinação.
De acordo com alguns responsáveis pelo tráfego que já adotaram esta mudança, como o coordenador da Central de Tráfego em Área de Joinville, Carlos Serede de Souza, o objetivo da conversão livre à direita é conferir maior fluidez da faixa da direita e dar segurança aos pedestres que cruzam a avenida naquele ponto. 3
Além de vários municípios já adotarem a conversão livre à direita em determinadas vias, há casos, ainda, de abaixo-assinados solicitando tal alteração, como o caso do abaixo-assinado por “conversão livre a direta” no cruzamento das avenidas Norma Valério Correa e Eduardo de Gasperi Consoni, em Ribeirão Preto.
Ainda, no site do Senado Federal, no portal E-cidadania, criado em 2012, com o objetivo de estimular e possibilitar maior participação dos cidadãos nas atividades legislativas, há duas propostas apresentadas no sentido de regular a livre conversão à direita nos semáforos.
Cabe ainda observar que a temática desta iniciativa legislativa foi escopo da Indicação ao Executivo n. 807 de 2019, de minha iniciativa, resultado não apenas de estudos sobre experiências nacionais e internacionais, mas, também, da escuta dos pedidos de diversos cidadãos e alguns setores organizados da sociedade.
Ante o exposto, conto com a sensibilidade de Vossas Excelências no sentido de analisar a viabilidade da adoção da conversão livre à direita nos semáforos brasileiros. Sala da Comissão, em de de 2019.
Deputado MARCOS PEREIRA PRB/SP”
A leitura da justificativa do PL possibilita observar a alegação de prejuízo ao desempenho e segurança do trânsito causado pela sinalização semafórica que atualmente segura a conversão à direita do tráfego que está na fase vermelha. Também afirma que em vários países do mundo a liberação dessa conversão já existe, continua sendo praticada com sucesso e que algumas cidades brasileiras como Joinville já adotaram e obtiveram mais fluidez no trânsito e segurança na travessia dos pedestres.
Ao contrario do que a justificativa da alteração do artigo 44-A indica, estudos já realizados a partir das experiências internacionais, que iniciaram esta prática há cinquenta anos, não confirma isso, como se expõe a seguir.
2. EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS
Conforme dito anteriormente alguns países adotaram a conversão livre à direita há muitos anos, em situação onde diretrizes políticas em boa parte do planeta indicavam a necessidade de se priorizar a economia de combustível (Crise do Petróleo) e as práticas de engenharia de tráfego buscavam priorizar a fluidez veicular.
Nos Estados Unidos, isso ocorreu na década de 70, sendo a medida precipitada pelo embargo de petróleo da OPEP, o que também levou a criação da Lei de Política e Conservação de Energia de 1975, que exigia medidas que impusessem formas de economia de combustível. Esta lei estipulava que se os estados norte americanos permitissem direitos sobre o vermelho para livre conversão, receberiam fundos federais. Décadas depois, todos estes estados permitiram direitos sobre o vermelho em todos os lugares, exceto quando proibido por sinalização. Como consequência imediata em muitas cidades americanas observou-se o aumento considerável de acidentes e mortes com pedestres (60%) e ciclistas (100%) de acordo com o Insurace Institute for Highway Safety.
O Departamento de Transporte dos EUA em 1981 identificou um aumento da frequência de colisões entre veículos virando à direita com ciclistas e atropelamentos de pedestres após a adoção do “Western RTOR” (RTOR – Right Turn on Red): “as estimativas da magnitude dos aumentos variaram de 43% a 107% para acidentes com pedestres e 72% a 123% para acidentes com ciclistas”. Neste estudo foi ressaltada a ocorrência de acidentes quando o condutor olha para o lado esquerdo para avaliar o tráfego da via transversal e não visualiza o pedestre e ciclista que vem da direita do motorista. Também identificou nos acidentes que os pedestres não percebem que os motoristas estão olhando à esquerda e iniciam a travessia (D. F. Preusser, W. A. Leaf, K. B. DeBartolo, R. D. Blomberg (October 1981).US.Department of Transportation National Highway Traffic Safety Administration. p.vii. Retrieved 5 February 2019).
Em 1984, foi realizado outro estudo verificando que nos locais onde o RTOR foi permitido, os acidentes com veículos realizando conversão à direita aumentaram em cerca de 23%, envolvendo pedestres cerca de 60% e com ciclistas aumentou cerca de 100% (Zador, Paul (August 1984). "Right-turn-on-red laws and motor vehicle crashes).
Estudos realizados na década de 90 constataram que, apesar do total de acidentes de trânsito ser relativamente baixo, em muitos cruzamentos com o vermelho livre, a maioria das vítimas era pedestre (44%) e ciclistas (10%).
Em 1993, se conclui que o RTOR aumentou os acidentes com pedestres e ciclistas, em 44% e 59% respectivamente (Dussault, Claude (14–16 June 1993). Safety Effects of Right Turn on Red: A Meta Analysis. Proceedings of the Canadian Multidisciplinary Road Safety Conference VIIII. Saskatoon, Saskatchewan).
A partir dos dados dos estudos supracitados chegou-se à conclusão que os prejuízos causados pela medida não justificaram sua adoção, sendo suprimida definitivamente em muitas cidades nesses países.
3. O ARTIGO 44-A E A REALIDADE URBANA DAS CIDADES BRASILEIRAS
Algumas cidades brasileiras já estão adotando a conversão à direita livre na fase vermelha de alguns cruzamentos. Registros da mídia escrita e televisiva tem apontado o desconhecimento deste direito pela maioria dos condutores brasileiros, fazendo até com que muitos deles, que não iriam fazer a conversão, utilizassem a faixa da direita para parar.
https://globoplay.globo.com/v/7880913/
Ao mesmo tempo observa-se que a grande maioria dos condutores não dá a preferência ao pedestre e ao ciclista que atravessam junto à conversão, como estabelece a sinalização vertical exigida pelo Art. 44 A, sem que haja qualquer tipo de controle e fiscalização por parte dos órgãos de trânsito, em sua maioria incapazes de controlar este tipo de infração, que ocorre na maioria dos cruzamentos das nossas cidades.
Em Curitiba, uma das cidades brasileiras que já colocou em prática o Art. 44 A, a própria superintendente de trânsito considera a medida insegura:
4. A ACESSIBILIDADE, O DESENHO UNIVERSAL E O ART. 44-A
A sinalização instituída pelo Artigo 44-A contraria significativamente as condições de segurança e autonomia na travessia dos pedestres e não atende aos princípios da Acessibilidade e do Desenho Universal, ao não permitir a inclusão e a equidade de uso por todas as pessoas. O aumento dos conflitos entre veículos e pedestres, durante travessia a direita livre, fortalece o risco de atropelamentos, principalmente de idosos, crianças e pessoas com deficiência, decorrência de limitações sensoriais, motoras e cognitivas tornando-as, portanto, as mais vulneráveis às sinalizações viárias.
Outra parcela significativa da população brasileira que possui algum grau de deficiência visual realiza travessias nos semáforos da cidade orientando-se por semáforos sonoros ou pelo ruído de parada dos veículos. No caso da permissão da direita livre, a garantia de uma travessia segura dada pela sinalização semafórica se torna praticamente inexistente.
5. POLÍTICAS ATUAIS E A CONVERSÃO À DIREITA LIVRE:
Cumpre lembrar que atualmente diversos programas globais que norteiam as ações da Mobilidade Urbana em âmbito mundial, recomendam a redução da utilização do transporte individual motorizado através do redesenho dos espaços públicos de mobilidade, visando a redução do número de pessoas mortas e feridas em acidentes de trânsito e garantindo sempre os princípios de acessibilidade universal. Grande parte de instituições responsáveis pelos programas de redução de acidentes no Brasil são signatários desses programas de redução de sinistros, principalmente do Programa Visão Zero, onde nenhuma vítima de acidente é mais admissível.
Da mesma forma o disposto no Art. 44 A fere também de maneira grave os princípios e diretrizes estabelecidos pela Lei Nacional da Mobilidade Urbana (12.587, de 03/01/12) que institui prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado.
Esses princípios e diretrizes priorizam sobretudo a acessibilidade universal, o desenvolvimento sustentável das cidades nas dimensões socioeconômicas e ambientais, a gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana, a segurança nos deslocamentos das pessoas, a equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros e a eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana.
Sendo assim, a direita livre nas interseções semaforizadas vai completamente na contramão dos novos conceitos e práticas políticas vigentes, mesmo quando aplicado em locais com poucos pedestres, uma vez que as cidades são organismos vivos em constante evolução e transformação, estando sujeitas às alterações das localizações dos fluxos a pé, decorrentes das dinâmicas de uso e ocupação do solo.
6. PROPOSIÇÃO
A partir dos pontos apresentados e analisados neste documento propomos em caráter de urgência:
6.1. A revogação do Artigo 44-A;
6.2. Associada a esta medida e durante sua tramitação no Congresso, recomendamos também à SENATRAN que encaminhe este assunto à Câmara Temática pertinente;
6.3. Da mesma forma, recomendamos firmemente às cidades brasileiras que já colocaram em prática o instituído pelo Art. 44 A, o remanejamento urgente da sinalização prevista por este artigo dos cruzamentos em que foi implantada;
6.4. Finalmente aos demais que não pratiquem essa medida até que a consulta que deverá ser feita junto à Sociedade Civil e o pronunciamento da Câmara Temática;
Todas essas medidas certamente garantirão a preservação de vidas humanas, principalmente pedestres e ciclistas, os elos mais frágeis das correntes do trânsito urbano.
COMISSÃO TÉCNICA DE MOBILIDADE A PÉ E ACESSIBILIDADE DA ANTP
FEVEREIRO DE 2023