17/03/2020 16:00 -
Não há muita dúvida de que o surgimento do novo corona-vírus está assustando, e muito, todas as sociedades, e com boa razão. Embora seu risco não seja maior do que outros flagelos da saúde pública com que convivemos e que não despertaram a mesma resposta na aplicação de recursos para combatê-los, é uma doença para a qual não há imunidade e nem vacina ainda. Mais ainda, não discrimina classes sociais em seu rápido contágio. Atinge faxineiros, ministros, trabalhadores da saúde e qualquer um que esteja em seu caminho, e estamos tentando evitar estarmos no seu caminho.
É da nossa natureza em situações desconhecidas construir cenários baseados em nossa imaginação e a partir de qualquer informação, principalmente aquelas que coincidem com nossos estereótipos de medo e de salvação. As consequências desses relatos pouco fundamentados do que deve e não deve ser feito pode ser perigoso. Afinal, sendo o Brasil uma democracia, as autoridades procuram agir não apenas segundo as informações técnicas (que inclusive ainda são escassas) como também de acordo com as preferências percebidas de seus eleitores.
Automaticamente, sempre entendemos que nossa casa, nossa família, os espaços privados e com presença controlada são os locais mais seguros. De outro lado, tememos os espaços públicos onde temos que estar com estranhos, como no transporte público. O problema é que muitos não terão a opção de “trabalhar de casa” e, portanto, é importante ter melhores dados de quais os locais públicos de maior risco sem cair na simplificação de “aqueles em que há maior quantidade de pessoas próximas”, senão teremos que usar escadas para evitar os elevadores.
Muitos serão obrigados a se locomover para manter em funcionamento os serviços indispensáveis ao socorro e a manutenção das condições para que outros possam trabalhar de casa. Neste caso de deslocamento obrigatório, será a utilização de transporte público o principal local em que as pessoas serão contaminadas, ou em vez disso serão todos os locais para onde se dirigem através dele? O transporte público irregular durante as pandemias é sabidamente uma das maiores causas de faltas ao trabalho nos hospitais em crises como essa quando estarão precisando de todos os seus recursos humanos.
Como informação para ser pensada, em um estudo utilizando modelo matemático de difusão realizado em 2011[1] para prever como uma epidemia de gripe poderia se espalhar por Nova York e especialmente o papel que o metrô poderia ter na propagação, foi determinado que apenas 4 a 5% dos contágios ocorreria no metrô, mesmo continuando a ser utilizado normalmente. E, para quem o conhece, o metrô de Nova York não é exatamente famoso por sua higiene e nem por seu “distanciamento social”. Em compensação, as próprias residências seriam responsáveis por 30% dos contágios e as escolas entrariam com 24,5% enquanto locais para lazer, reuniões comunitárias, bares, restaurantes e outros contribuiriam com 32,2%. Caso os dados se confirmassem, o fechamento das escolas e do lazer reduziriam o risco em mais de dez vezes o que representaria o fechamento do transporte público. Naturalmente que a recomendação a partir desses resultados foi de que “ações sobre passageiros de transporte público seriam ineficazes para conter a epidemia quando comparadas com outras ações”. Esses resultados são provavelmente exatamente o contrário de opiniões intuitivas ou apressadas.
Se não estamos com sintomas da doença, quando devemos nos isolar, e temos necessidade imperiosa de nos locomover, não parece haver motivo de temer o transporte público mais do que outros espaços coletivos.
O mais importante, utilizando ou não meios de transporte, será obedecer os cuidados recomendados a todos, como lavar as mãos, evitar levar seu resfriado ao seu trabalho mesmo que essencial, procurar se deslocar nos horários de menor movimento, e se puder ou quiser, ir a pé ou de bicicleta. O transporte público e seus profissionais dedicados que estão se arriscando por nós continuará a ser durante e após os esforços de superação da epidemia essencial para o esforço de continuarmos vivendo bem e isso não pode deixar de ser reconhecido.