Um em cada 5 para-atletas do país teve acidente de trânsito

05/09/2016 08:00 - Folha de SP

Praticamente um em cada cinco atletas da equipe brasileira que competirá nos Jogos Paraolímpicos do Rio tem deficiência causada por um problema crônico do Brasil: os acidentes de automóvel.

Levantamento feito pela reportagem, com base em dados do CPB (Comitê Paralímpico do Brasil), aponta que ao menos 50 para-atletas da delegação brasileira foram vítimas de colisão de veículos ou atropelamentos. Eles representam 18% da delegação.

Foram levadas em conta informações de 282 do total de 287 para-atletas (com o veto à Rússia na Paraolimpíada, mais cinco brasileiros foram integrados ao grupo, e a reportagem não teve acesso aos dados desses que entraram por último).

O Brasil é um dos líderes mundiais em ocorrências e mortes nas ruas e estradas. Foram 43.075 mortes no trânsito do país em 2014, segundo informações preliminares do Datasus (Departamento de informática do Sistema Único de Saúde).

De acordo com o último relatório global da OMS (Organização Mundial de Saúde), com dados processados até 2013, o Brasil foi o quarto país das Américas com mais mortes em acidentes automobilísticos a cada 100 mil habitantes (23,4). Só fica atrás de Belize, República Dominicana e Venezuela.

O time paraolímpico brasileiro reflete assim a intensidade desses traumas no país.

A avaliação dos dados também evidencia problemas de outras tipos. Considerando os acidentes em geral, o percentual sobe para 35%.

Em pelo menos 12 casos, o equivalente a 4%, a razão da deficiência foi um acidente com arma de fogo.

Outros 37 (13%) se feriram em episódios que incluem ocorrências no trabalho, em casa ou em alguma atividade de lazer.

Do total de atletas da delegação brasileira na Paraolimpíada, 38% têm deficiência congênita ou a adquiriram após complicações no parto.

REABILITAÇÃO

A quantidade expressiva de atletas com deficiência no grupo por consequência de acidentes automobilísticos se explica muito por conta da frequência com que a prática esportiva integra a reabilitação das vítimas.

Os centros de recuperação no país costumam incluir o esporte em seus programas.

"Quem adquiriu a deficiência depois precisa se readaptar e redescobrir o corpo novo que tem", diz Elisabeth de Mattos, professora da Escola de Educação Física da USP.

De acordo com Paulo Guimarães, engenheiro e diretor técnico do Observatório Nacional de Segurança Viária, ainda não há, porém, um sistema padronizado de recuperação de acidentados no SUS.

Na saúde pública, segundo ele, o tratamento para as vítimas ainda costuma esbarrar na insuficiência de leitos hospitalares para emergência e de profissionais.

Outra dificuldade é a reinserção social das pessoas com deficiência. Para Guimarães, o esporte pode "trazer acolhimento social e integrar a pessoa a outros grupos. Apesar de termos problemas, é algo que deve ser buscado".

"A prática esportiva ajuda a autoestima e permite que a pessoa se torne produtiva e descubra novas potencialidades", afirma a professora.

TOP 5

Independentemente da origem da deficiência, os brasileiros buscam feito histórico nos Jogos Paraolímpicos, que começam na quarta (7).

A meta traçada pelo CPB é que a delegação termine a Paraolimpíada entre as cinco melhores da classificação geral, utilizando como critério o total de medalhas de ouro.

Em Londres-2012, os brasileiros ficaram em sétimo, com 43 medalhas (21 ouros, 14 pratas e oito bronzes).

Diferentemente do que acontece no universo olímpico, o país já é considerado uma potência paraolímpica.Com 287 para-atletas, o contingente nacional que competirá no Rio constitui recorde –em Londres, por exemplo, foram 189 atletas.

Para-atleta brasileira, 4ª do mundo na maratona, sofreu acidente de carro

A viagem era mais uma entre tantas que Aline dos Santos Rocha fazia entre Xanxerê e Campos Novos, no interior catarinense, para visitar alguns de seus familiares.

Com 15 anos na época, ela sonhava se tornar médica. Ao esporte, quem diria, tinha aversão. "Quero fugir de educação física", costumava dizer na escola.

Tudo mudou, contudo, no momento em que seu irmão, Leandro, que dirigia o carro, tentou passar um caminhão e avistou um carro.

O motorista, que vinha no sentido oposto, teve a mesma ideia: sair para o acostamento. A colisão foi frontal.

Aline sofreu lesão medular e perdeu os movimentos das pernas.

O acidente tirou dela a ambição de se tornar uma médica. A adolescente só não caiu em depressão graças à apoio de amigos e familiares.

Aline achou guarida justamente no campo que mais desprezava, o esporte. Em 2009, quatro anos após o acidente, ela foi conhecer uma associação esportiva para cadeirantes.

De início, não deu muita bola, porém baixou a guarda e tentou o atletismo.

"Em menos de três meses participei da primeira competição [em Santa Catarina], conquistei três medalhas de bronze e me apaixonei", comenta hoje a paranaense, com 25 anos.

Aline se especializou em corridas de longa distância em cadeira de rodas.

Há dois anos, atrás de alta performance, ela se mudou para São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, com o marido, Fernando Orso, que também é seu treinador.

Nesta temporada, obteve classificação para disputar três provas nos Jogos Paraolímpicos do Rio, os primeiros da carreira: os 1.500 m, os 5.000 m e a maratona –prova na qual Aline é, atualmente, quarta colocada no ranking mundial.

A batida de uma década atrás a transformou –segundo ela, para melhor.

"O acidente pode ter me tirado a capacidade de andar, mas o esporte me deu asas. E hoje eu voo pelo mundo inteiro", conta.