Eleição e razão

18/08/2016 13:30 - ANTP




“Está claro que velocidades maiores levam a mais mortes no trânsito, porque as chances de sobrevivência em atropelamentos diminuem. É preciso dizer a esses candidatos, portanto, que essas mortes serão culpa deles.” (Anna Ferrer)

Um infrator contumaz e um motorista irresponsável. Assim o corregedor do Detran-PE, Antônio Cavendish, definiu o empresário Pedro Henrique Machado Villacorta, 28 anos, que atropelou e matou sobre a calçada o casal de amigos Isabela Cristina de Lima, 26 anos, e Adriano Francisco dos Santos, 19, na noite do último sábado, em Boa Viagem, Zona Sul da capital. E não é para menos. Pedro Henrique acumula 116 pontos na carteira nacional de habilitação (CNH), resultantes de 27 multas registradas entre 2012 e 2016. E só não teve o direito de dirigir suspenso porque o Detran-PE, assim como a maioria dos órgãos de trânsito brasileiros, não têm estrutura e fôlego para dar conta da quantidade de processos. (Blog “De olho no trânsito”, Roberta Soares)

As eleições municipais se aproximam e, junto com elas, o risco do populismo prevalecer sobre a seriedade. Não é de hoje que a luta pelo voto tem custado sérios danos sociais às cidades brasileiras. Referimo-nos à impossibilidade de se implantar com vigor muitas políticas públicas relacionadas a uma melhor redistribuição dos espaços públicos e à redução de acidentes. No entanto, apesar de inicialmente impopulares por confrontarem hábitos arraigados em décadas de cultura rodoviarista, tais políticas tem se mostrado essenciais para a melhora na qualidade de vida em nossas cidades.

Com a chegada do período eleitoral a razão quase sempre perde feio para a emoção. De olho no que prefeituras e estados arrecadam com a imposição de multas, muitos candidatos fazem vista grossa para um valor infinitamente superior a este: os custos sociais que as infrações de trânsito impõem à sociedade. Chega a ser desalentadora a percepção de que o lobby dos que rejeitam quaisquer amarras ao seu “direito” de trafegar incólumes pelas cidades brasileiras seja maior e mais bem aceito do que o das famílias vitimadas pela barbárie do trânsito. O bolso parece soar mais alto que corações e mentes...

Em Seminário realizado pela ANTP durante o Festival Mobifilm, pudemos assistir a um dos inúmeros exemplos de como algumas medidas são necessárias (mesmo que insuficientes) para estancar a tragédia do trânsito brasileiro. O exemplo bem sucedido da Espanha (que se junta ao de muitos outros países e cidades do mundo) apenas reforça o que todos já sabem: o que fazer, e como fazer, está mais do que claro e comprovado. Resta fazer.

Anna Ferrer, que veio narrar a experiência espanhola, foi taxativa: “o carro está morto nas cidades”, ela disse, e não pode mais ser o protagonista das políticas. Este papel , agora e mais do que nunca, é do transporte público e da proteção aos pedestres, ela afirmou em entrevista ao jornal Folha de SP. Medidas como a redução da velocidade dos veículos nas ruas e avenidas das cidades; a diminuição do espaço apropriado pelo automóvel através de uma maior ocupação das ruas por modos limpos e sustentáveis (como caminhar e pedalar); a pressão por fontes permanentes de financiamento  e custeio do sistema de transporte coletivo; estas e muitas outras fazem parte de um amplo espectro de ações que miram uma cidade mais humana e menos violenta.


O trânsito brasileiro, refém do amor obcecado pelo automóvel, nos trouxe a uma situação em que defender a vida tornou-se impopular. A incapacidade que muitos ainda têm de entender que velocidade e letalidade são questões diretamente relacionadas é um sintoma de que ainda precisaremos derrubar muitas barreiras se quisermos nos aproximar, mesmo que lentamente, de índices minimamente civilizados de convivência.