20/04/2016 13:30 - Leonardo Andrade Aragão
Ensaio Crítico apresentado no Curso de Gestão da Mobilidade Urbana da ANTP
A alteração dos modos de deslocamento dos habitantes para do uso de meios de transporte não motorizados é crucial para a construção cidades com padrões de qualidade de vida mais elevados. Nesta visão, a bicicleta pode ser um importante elemento de reordenação e reconfiguração do espaço urbano e da perspectiva social, além de ser um vetor de melhoria ambiental.
Manaus é a cidade mais populosa da região norte do Brasil, superando os 2 milhões de habitantes IBGE
Tendo em vista o momento de crise da mobilidade urbana em contexto mundial, devemos compreender os problemas de modo a, inicialmente, realizar um diagnóstico que resulte em uma necessária mudança de paradigma das políticas públicas ligadas a este tema, uma reversão do atual modelo adotado, que prioriza o transporte individual motorizado em face dos pedestres, ciclistas e usuários do transporte público.
Explorando tal mudança nas políticas públicas, GEHL
Sobre isso, embasando a inércia do poder público em alterar o atual modelo de política pública de priorização do transporte individual motorizado, destaca KUHN
Enfrentando esta problemática, foi promulgada a Lei Federal nº 12.587/2012, que institui as diretrizes Política Nacional de Mobilidade Urbana, objetivando nortear os municípios com população acima de 20mil habitantes na elaboração de seu Plano de Mobilidade Urbana, documento que norteará as futuras políticas públicas na área de mobilidade.
Na Lei de Política Nacional de Mobilidade Urbana, dentre outras diretrizes, dispõe sobre o planejamento da infraestrutura urbana destinada aos deslocamentos a pé e por bicicleta (§ 2º do Art. 24), determinando também prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado (inciso II do Art. 6º).
Importante destacar que para a elaboração do Plano de Mobilidade Urbana, a lei que o instituiu concedeu o prazo até abril de 2015 para realização dos estudos necessários e entrega do documento finalizado, sob pena de vedação ao acesso de recursos federais para obras destinadas à mobilidade urbana.
No contexto de Manaus, a entrega do Plano de Mobilidade Urbana está mais de oito meses atrasada, assim como apresentou uma série de vícios no que se refere a indispensável publicidade dos estudos e participação popular em sua elaboração.
Este é, resumidamente, o atual panorama de Manaus, onde, abstraindo as promessas de campanha e o marketing governamental, na realidade, por escolha política, existem sucessivas obras e intervenções urbanas voltadas quase que exclusivamente aos automóveis, excluindo então a trânsito de bicicletas, enfoque principal do presente ensaio.
A utilização da bicicleta como modal de transporte apresenta uma série de benefícios, tanto para o usuário, quanto para os demais atores, seja na melhoria da qualidade de vida e saúde, redução da emissão de poluentes atmosféricos e sonoros, reduzido impacto paisagístico e sobre o território, de modo a ocupar um espaço urbano muito menor para deslocamentos.
Podemos resumir as vantagens do uso da bicicleta como meio de transporte urbano, conforme o Ministério das Cidades
Ainda, no contexto local, importante destacar a existência do Polo Industrial de Manaus - PIM, responsável por quase 20% da produção nacional de bicicletas, concentrando sua maior parte nas bicicletas de valor agregado, classificadas como de utilização para mobilidade urbana, conforme destaca o recente estudo que definiu o perfil econômico-produtivo da bicicleta no Brasil por Rosenberg Associados
Assim, não obstante o momento de enfraquecimento da economia nacional, verificamos o crescimento da venda e produção de bicicletas em quase 4,3% no PIM, com faturamento em 2015 de quase R$ 1 bilhão, na contramão dos números dos demais modais de transporte, o que comprova o benefício de seu incentivo de uso para a economia local
Ocorre, contudo, que apesar dos citados benefícios, a cidade de Manaus persiste em uma quase inércia no que se relaciona com políticas públicas voltadas à bicicleta como modal de transporte.
Citamos, inicialmente, os dados de estrutura cicloviária em um comparativo com as demais cidades brasileiras
O referido comparativo demonstra o número ínfimo de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas implantadas na cidade de Manaus, mesmo em comparação com cidades de menor porte, potencializado se considerarmos que 3,6% dos manauaras utilizam a bicicleta como meio de transporte, número levemente superior à média nacional para moradores de capitais, que é de 3,22%, conforme levantamento do IPEA
Sobre as vias segregadas para uso da bicicleta, importante destacar que suas implementações, além do incentivo ao uso e maior fluidez para o deslocamento, têm como objetivo principal a segurança dos ciclistas, destinando espaço de rolamento específico e segregado para o deslocamento, de modo a minorar as chances de acidentes.
Recente pesquisa elaborada pela associação Pedala Manaus
Quanto a integração com outros modais, em levantamento sobre o perfil nacional do ciclista, verificou-se um baixíssimo percentual de viagens com integração intermodal em 0,7%, sendo 98,3% dos ciclistas cumprem os trajetos pedalando de ponta a ponta
Com desculpas recorrentes para a inércia quanto políticas públicas voltadas à bicicleta, temos como principais: a de que a cidade não foi planejada, falta de recursos e clima não é propício para sua utilização regular.
Quanto a suposta falta de planejamento das cidades, importante destacar que nenhuma cidade nasce pronta, todas têm, em seu contexto local, limites físicos, econômicos e sociais para implementação das obras. Assim, é dever e responsabilidade daqueles que podem interferir em seu crescimento elaborar as diretrizes e direcionar os esforços para implementação da política de mobilidade desejada e esperada como ideal.
Em relação a suposta falta de recursos, utilizamos a mesma lógica apresentada anteriormente, qual seja, da escolha política para implementação de obras públicas. De modo a explicitar que, por exemplo, obras destinadas à bicicleta necessitam de menos recursos do que as voltadas para o transporte individual motorizado, assim como a existência de diversas fontes de financiamento e recursos destinados exclusivamente para obras cicloviárias.
Por fim, em referência ao clima de Manaus, em pesquisa do relatório preliminar do PlanMob
Complementando tal entendimento, em comparação com outros modos de transportes utilizados, o nível de conforto ocasionado pelo clima à bicicleta não se demonstra tão prejudicial a ponto de ser um motivo de restrição para seu uso regular. Para exemplificação, recentemente foi noticiado que passageiros dos ônibus enfrentam calor de até 45ºC nos coletivos
Assim sendo, desmistificam-se as mais utilizadas desculpas para endossar a ausência de políticas efetivas voltadas à bicicleta como modal de transporte, reiterando então sua total viabilidade como políticas de estado na capital amazonense.
Pelo exposto, constatamos um panorama de descaso do Poder Público manauara para com as políticas de uso e incentivo da bicicleta como modal de transporte, abdicando de seus vários benefícios, assim como, até o presente momento, ignorando as diretrizes basilares do da Lei de Mobilidade Urbana.
Leonardo Andrade Aragão - advogado especialista em direito processual civil e coordenador da associação Pedala Manaus.
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