De onde virá o recurso para reorganizar o transporte público?

02/11/2013 08:00 - Adriano Murgel Branco

Dentre os vários movimentos reivindicatórios populares, sobressaiu a crítica à qualidade do transporte público e ao aumento das tarifas, tido como exorbitante face à má qualidade dos serviços. A resposta dos vários níveis de governo foi imediata: cancelaram-se os aumentos tarifários em praticamente todo o País. Ao lado disso algumas providências tendentes à melhoria dos transportes foram anunciadas.

Ato contínuo, as reivindicações cresceram: em alguns lugares já houve promessa de congelamento tarifário também para o ano que vem e rápida e energicamente prosperou a solicitação de isenção tarifária para os estudantes.

E agora? Para onde nos levam as medidas adotadas?

Uma consequência foi imediata: a oneração dos cofres públicos em bilhões de reais, comprometendo até as promessas de melhor qualidade do transporte. Por outro lado, é quase sempre certo que, se pesquisas de opinião fossem realizadas, seria frequente a afirmação de que, "se o transporte fosse melhor, a tarifa poderia até ser maior”, como é sistemática a consideração no sentido de que "se o transporte público fosse melhor, eu deixaria o carro em casa”.

Permeia toda essa discussão um certo consenso de que o transporte coletivo é deficitário e, por isso, faltam recursos para manter baixa a tarifa e, principalmente, para investir em melhoramentos. Só que isso não é verdade. No passado, as tarifas eram calculadas em função dos custos diretos do serviço, entendidos como a soma dos gastos com a operação e manutenção, das depreciações e da remuneração do capital. Mas, na medida em que a cidade cresceu, expandiu-se a rede de transportes, diminui a velocidade de circulação devido ao progressivo congestionamento e reduziu-se a quantidade de passageiros transportados por quilômetro percorrido (IPK). E o custo subiu; com eles, a tarifa.

Em consequência, o poder público viu-se compelido a "subsidiar” serviços, como na capital paulista, onde essa conta supera o bilhão de reais todos os anos, somente para o transporte por ônibus. Mas também se subsidia o Metrô e a CPTM e também crescem as despesas com a circulação de automóveis. E o transporte piora inexoravelmente, seja devido aos congestionamentos, seja por conta da crescente superlotação dos transportes sobre trilhos.

A consequência de tal situação é o custo indireto suportado pela população, de natureza econômica e socioambiental, próximo de 50 bilhões de reais por ano, segundo afirmam os especialistas. Valor equivalente a todo o orçamento municipal.

O problema não é, então, de insuficiência tarifária, que obriga a "subsidiar” os transportes. Não! O problema é que a tarifa só cobre – e mal – os custos diretos. Os indiretos, a população arca com eles todos os dias, em proporção muito maior do que a tarifa. Utilize ou não o transporte.

Para exemplificar, vejamos as contas do metrô paulista. Em 2012, foi apurado um prejuízo de R$ 34.788.000,00, excluídas as gratuidades de R$ 274.519.000,00, cobertas pelo Tesouro do Estado. Apurados, entretanto, os chamados "benefícios sociais” no exercício, eles somaram R$ 7.209.000.000,00, ou seja, 200 vezes o prejuízo anual.

Na lista dos referidos benefícios sociais, encontramos:

 

  • Redução do consumo de combustíveis;
  • Redução de emissão de poluentes;
  • Redução do custo operacional dos ônibus;
  • Redução do custo operacional dos automóveis;
  • Redução do custo de manutenção e operação das vias;
  • Redução do tempo de viagens;
  • Redução do custo com acidentes;

 

Deixaram de figurar nesta lista, entretanto, benefícios de monta, como, por exemplo, a redução do estresse urbano a que se submete toda a população que vive as agruras do transporte e do trânsito, redução essa cujo valor pode ser igual ou maior do que aquele consequente da redução do tempo de viagens, avaliado em R$ 3.614 milhões anuais, ou seja, metade dos benefícios apurados.

Mas também deixaram de figurar nos cálculos do metrô benefícios econômicos resultantes dos efeitos multiplicadores da economia (diretos, indiretos e induzidos), efeitos de escala, efeito multiplicador dos tributos, valorização imobiliária, assim como outros benefícios ambientais, tais como a contenção do aquecimento global e influência no ordenamento urbano.

Em síntese, a economia resultante da substituição do transporte caótico da superfície, por sistemas organizados como Metrô, CPTM e corredores exclusivos de ônibus elétricos, é inúmeras vezes maior do que a arrecadação de tarifas que, em 2012 no Metrô, representou 23% dos benefícios econômicos e socioambientais, apurados modestamente no Balanço Social publicado.

Mas de onde virá o recurso para reorganizar o transporte? É a indagação "paralisante” que ouço desde 1958, quando o Relatório Anápio Gomes indicou serem as perdas sociais decorrentes do mau transporte equivalentes a 1,5 vezes o orçamento municipal! A resposta é simples: os recursos virão dos efeitos multiplicadores da economia, provenientes dos investimentos e do emprego, assim como da redução de custos que hoje pesam indevidamente sobre a sociedade que usa o transporte ou que simplesmente respira os poluentes, sofre atropelamentos, vive, enfim, as consequências do estresse urbano.


Adriano Murgel Branco é ex-secretário dos Transportes e da Habitação do Estado de São Paulo, eleito Engenheiro do Ano de 2008, Membro da Academia Nacional de Engenharia.