Dentre os vários movimentos reivindicatórios populares,
sobressaiu a crítica à qualidade do transporte público e ao aumento das
tarifas, tido como exorbitante face à má qualidade dos serviços. A resposta dos
vários níveis de governo foi imediata: cancelaram-se os aumentos tarifários em
praticamente todo o País. Ao lado disso algumas providências tendentes à
melhoria dos transportes foram anunciadas.
Ato contínuo, as reivindicações cresceram: em alguns lugares
já houve promessa de congelamento tarifário também para o ano que vem e rápida
e energicamente prosperou a solicitação de isenção tarifária para os
estudantes.
E agora? Para onde nos levam as medidas adotadas?
Uma consequência foi imediata: a oneração dos cofres
públicos em bilhões de reais, comprometendo até as promessas de melhor
qualidade do transporte. Por outro lado, é quase sempre certo que, se pesquisas
de opinião fossem realizadas, seria frequente a afirmação de que, "se o transporte fosse melhor, a tarifa
poderia até ser maior”, como é sistemática a consideração no sentido de que
"se o transporte público fosse melhor, eu
deixaria o carro em casa”.
Permeia toda essa discussão um certo consenso de que o
transporte coletivo é deficitário e, por isso, faltam recursos para manter
baixa a tarifa e, principalmente, para investir em melhoramentos. Só que isso
não é verdade. No passado, as tarifas eram calculadas em função dos custos
diretos do serviço, entendidos como a soma dos gastos com a operação e
manutenção, das depreciações e da remuneração do capital. Mas, na medida em que
a cidade cresceu, expandiu-se a rede de transportes, diminui a velocidade de
circulação devido ao progressivo congestionamento e reduziu-se a quantidade de
passageiros transportados por quilômetro percorrido (IPK). E o custo subiu; com
eles, a tarifa.
Em consequência, o poder público viu-se compelido a
"subsidiar” serviços, como na capital paulista, onde essa conta supera o bilhão
de reais todos os anos, somente para o transporte por ônibus. Mas também se
subsidia o Metrô e a CPTM e também crescem as despesas com a circulação de
automóveis. E o transporte piora inexoravelmente, seja devido aos
congestionamentos, seja por conta da crescente superlotação dos transportes sobre
trilhos.
A consequência de tal situação é o custo indireto suportado
pela população, de natureza econômica e socioambiental, próximo de 50 bilhões
de reais por ano, segundo afirmam os especialistas. Valor equivalente a todo o
orçamento municipal.
O problema não é, então, de insuficiência tarifária, que
obriga a "subsidiar” os transportes. Não! O problema é que a tarifa só cobre –
e mal – os custos diretos. Os indiretos, a população arca com eles todos os
dias, em proporção muito maior do que a tarifa. Utilize ou não o transporte.
Para exemplificar, vejamos as contas do metrô paulista. Em
2012, foi apurado um prejuízo de R$ 34.788.000,00, excluídas as gratuidades de
R$ 274.519.000,00, cobertas pelo Tesouro do Estado. Apurados, entretanto, os
chamados "benefícios sociais” no exercício, eles somaram R$ 7.209.000.000,00,
ou seja, 200 vezes o prejuízo anual.
Na lista dos referidos benefícios sociais, encontramos:
Deixaram de figurar nesta lista, entretanto, benefícios de
monta, como, por exemplo, a redução do estresse urbano a que se submete toda a
população que vive as agruras do transporte e do trânsito, redução essa cujo
valor pode ser igual ou maior do que aquele consequente da redução do tempo de
viagens, avaliado em R$ 3.614 milhões anuais, ou seja, metade dos benefícios
apurados.
Mas também deixaram de figurar nos cálculos do metrô
benefícios econômicos resultantes dos efeitos multiplicadores da economia
(diretos, indiretos e induzidos), efeitos de escala, efeito multiplicador dos
tributos, valorização imobiliária, assim como outros benefícios ambientais,
tais como a contenção do aquecimento global e influência no ordenamento urbano.
Em síntese, a economia resultante da substituição do
transporte caótico da superfície, por sistemas organizados como Metrô, CPTM e
corredores exclusivos de ônibus elétricos, é inúmeras vezes maior do que a
arrecadação de tarifas que, em 2012 no Metrô, representou 23% dos benefícios
econômicos e socioambientais, apurados modestamente no Balanço Social publicado.
Mas de onde virá o recurso para reorganizar o transporte? É a indagação "paralisante” que ouço desde 1958, quando o Relatório Anápio Gomes indicou serem as perdas sociais decorrentes do mau transporte equivalentes a 1,5 vezes o orçamento municipal! A resposta é simples: os recursos virão dos efeitos multiplicadores da economia, provenientes dos investimentos e do emprego, assim como da redução de custos que hoje pesam indevidamente sobre a sociedade que usa o transporte ou que simplesmente respira os poluentes, sofre atropelamentos, vive, enfim, as consequências do estresse urbano.
Adriano Murgel Branco é ex-secretário dos Transportes e da Habitação do Estado de São Paulo, eleito Engenheiro do Ano de 2008, Membro da Academia Nacional de Engenharia.