Estrada de Ferro Campos do Jordão, o novo convivendo com o antigo

04/06/2017 12:00 - Alexandre Pelegi

Fazer funcionar o que já existe.

Esta frase pode parecer o “óbvio ululante”, como diria o escritor Nelson Rodrigues, mas é raramente aplicada quando se trata de temas ligados ao serviço público. A multiplicação de obras em contraste com a despreocupação e falta de cuidado com a manutenção é o que se assiste diariamente em muitas administrações, particularmente quando se trata da infraestrutura de sistemas de transportes.

No caso do transporte coletivo esta é uma doença antiga que teima em persistir nos organismos públicos. Ao invés de recuperar e melhorar o já existente, muitos administradores optam por zerar tudo, sob o argumento falacioso da modernização.

Neste sentido a Estrada de Ferro Campos do Jordão - EFCJ, sob a direção de Ayrton Camargo e Silva, vem demonstrando que recuperar e melhorar são duas atitudes que se complementam, e fazem bem não só para os cofres públicos, como para o enfrentamento de outro grave defeito brasileiro, a preservação da memória e do patrimônio cultural.

A ferrovia está na memória afetiva do brasileiro mais idoso, ao mesmo tempo em que é símbolo do abandono do transporte coletivo sobre trilhos no Brasil. A morte agônica dos trens com o investimento pesado em estradas, relegou ferrovias centenárias ao abandono, constituindo-se num dos crimes mais graves cometidos por seguidos governos no país.

Em São Paulo, a EFCJ vem dando o exemplo de que é possível preservar e melhorar o patrimônio existente, como também é possível modernizar justamente onde é essencial, nos recursos humanos.

Ayrton, que está à frente da ferrovia desde (julho/2012), iniciou sua gestão centrado em três eixos básicos: a recuperação funcional, a recuperação do patrimônio existente na ferrovia e, na sequência, a inovação, palavra que muitos confundem com “modernização”, um ato que a mais das vezes despreza não só a cultura funcional existente, como o patrimônio físico herdado.

A recuperação administrativa e gerencial, aliada à renovação da infraestrutura física das instalações, destacando-se aí investimentos na via permanente, em estações e oficinas, além de instalações e no material rodante, tem marcado a gestão da EFCJ.

Recuperação Funcional

Investindo no funcionário da ferrovia, elemento fundamental para que um serviço público atenda com eficiência e atenção ao passageiro dos trens, a EFCJ preocupou-se em garantir não apenas a formação de um organograma, atrelado a um plano de cargos e salários, como realizou um concurso público pelo qual recrutou 92 novos funcionários, eliminando lacunas importantes nos quadros da ferrovia. A novidade foi a criação do cargo de analista, algo inexistente na estrutura organizacional da EFCJ.

Outra ação importante se deu através de uma lei específica para a ferrovia, que criou a remuneração variável – um incremento salarial a cada trimestre, com foco na inovação.

A instituição do PIP - Prêmio de Incentivo à Produtividade objetivou aos servidores ferroviários o aprimoramento da produção e da qualidade dos serviços prestados aos usuários da ferrovia.

Recuperação

Na linha de funcionar o já existente, o diretor Ayrton Camargo estabeleceu quatro focos para sua administração: a via permanente; a frota de trens; as instalações prediais e o sistema de alimentação.

Cabe lembrar que estamos falando de uma ferrovia centenária (102 anos de existência), onde a recuperação não só é necessária, como fundamental sob o ângulo histórico da preservação da memória.

Inovação

O velho pode conviver com o novo. Ayrton mostrou mais que isso: velho e novo fazem parte de uma mesma unidade, que mantém viva não só a memória da ferrovia, como sua operação, que atende com eficiência e conforto o usuário da região de Campos do Jordão e Pindamonhangaba, importante polo turístico. Agregar o turismo e o lazer ao fator histórico talvez seja um dos grandes segredos do sucesso de sua administração.

Buscando sincronizar a comunicação de uma ferrovia centenária com os novos tempos e as novas ferramentas de informação ao usuário, a EFCJ investiu na criação e modernização de seu site, disponível em três idiomas – português, inglês e espanhol. Informatizou a venda de passagens. Reabriu a antiga estação de Abernéssia (atendida pelo Bonde Turístico Urbano). Instalou uma bilheteria no Portal de Campos do Jordão, o que facilitou a vida dos turistas. Iluminou o teleférico, ponto turístico referência na cidade.

Com o apoio da Secretaria dos Transportes Metropolitanos, com investimentos de R$ 9,4 milhões, modernizou o Trem de Subúrbio, responsável pelo transporte regular de passageiros entre o centro de Pindamonhangaba e a zona rural da cidade. No trecho, foram construídas sete novas paradas com itens de acessibilidade essenciais, como rampas de acesso às plataformas, corrimões, sinalização direcional tátil e comunicação visual.

Ações

O trem turístico de Piracoama passou a operar sábado à tarde e domingo pela manha e à tarde, ativando o turismo em Pindamonhangaba

Foi criada uma bilheteria no Portal da cidade de Campos do Jordão, aliviando a bilheteria do Capivari.

Voltou a operar o Bonde que seguia até São Cristóvao, última parada da EFCJ atendida pelos bondes e pelo trem de subúrbios da cidade de Campos de Jordão. Hoje ele segue até o Parque Ecológico Tarundu, estimulando o turismo regional.

Preservação do patrimônio

Um item à parte da administração da EFCJ está voltado à recuperação e preservação da memória da ferrovia. Uma das ações perseguidas foi a higienização e organização dos documentos da centenária ferrovia, além da catalogação dos bens móveis com interesse histórico, cerca de 600 peças. 

No ano de seu centenário a EFCJ lançou o livro “Da saúde ao turismo, um século de sonhos e paixões”, obra que retrata toda a história da ferrovia, nascida através do sonho de dois médicos sanitaristas, Emílio Ribas e Victor Godinho. Os médicos idealizaram uma ferrovia capaz de oferecer transporte mais rápido e eficiente para que seus pacientes de tuberculose chegassem até Campos do Jordão.

Dois museus foram criados: um que retrata o centenário da ferrovia, em Pindamonhangaba, e outro em Campos do Jordão.

Resultados

Apesar de todas estas mudanças, uma dúvida sempre persiste: os resultados da ferrovia confirmam o acerto dessa forma de atuação e gestão?

A resposta é sim. E pode ser comprovada por dois indicadores, além da satisfação crescente do usuário da Estrada de Ferro: a EFCJ bateu recorde de demanda (transporta mais passageiros que antes) e com recorde de receita.

A quantidade de passageiros atendidos em 2016 foi a maior desde 2001, atingindo a marca de 537.670 usuários. A arrecadação também bateu recorde, e foi a maior desde 2012: R$ 8.195 milhões.

Para efeito de comparação:

2001 - 237.715 passageiros

2004 - 187.429 passageiros (o menor numero entre 2001 e 2006)

2015 - 499.303 passageiros

2016 - 537.670 passageiros


Alexandre Pelegi - editor da Revista dos Transportes Públicos