é continuar fazendo sempre a mesma coisa
e esperar resultados diferentes”
[Albert Einstein]
O transporte público nas cidades brasileiras, particularmente nas
grandes metrópoles, está numa verdadeira sinuca de bico! Numa encruzilhada!
Mais qualidade dos serviços, menores despesas para os usuários e mais
transparência na gestão entraram definitivamente na agenda. E tudo reivindicado
ao mesmo tempo! As duas primeiras são de difícil compatibilização; só factível
ante um enorme aumento da eficiência sistêmica (algo também difícil e inviável de
bate-pronto) e/ou um novo padrão de financiamento do setor.
Transparência, todavia, além de previsão constitucional, tornou-se
imprescindível e inadiável, até mesmo para que se possa avançar e alcançar melhores
soluções de compromisso para os objetivos daquele binômio (qualidade-despesas).
Além do mais, não há barreiras instransponíveis para praticá-la. Pelo
contrário, há diversos instrumentos e modelos para tanto. Um exemplo, ainda que
embrionário, é a "Comissão de Acompanhamento da Conta Sistema”,
criada em SP em 2006 (e redesenhada na regulamentação de 2013) com o objetivo de fazer,
periodicamente, e de forma participativa, uma análise de desempenho econômico-financeiro
do sistema paulistano, sugerir ajustes e divulgar resultados.
O desafio, assim, segue sendo compatibilizar (mais)
qualidade e (menos) despesas para o usuário!
Os secretários de transporte vêm de se reunir em Curitiba em busca de
soluções. O Fórum Nacional de Prefeitos tem agenda marcada para 19 de maio
próximo em SP: O tema é central na pauta.
A questão urgente, urgentíssima, é cobrir os déficits potencializados
pela revogação dos reajustes de 2013 e congelamentos tarifários desde então: a
inflação praticamente já "comeu”todas as desonerações tributárias concedidas pós-manifestações e os passivos
crescem aceleradamente, ora aumentando prejuízos das empresas estatais
operadoras (01, 02), ora demandando mais subsídios. Há algumas alternativas que estão em
análise, mas, certamente, aquela mais à mão é a redefinição da
alíquota da CIDE, criada pela Lei nº 10.336/2001, hoje zerada, destinando-se parte dela
ao transporte público.
Mas a dramaticidade do quadro demanda, também, medidas estruturantes, de
médio e longo prazo. Medidas que, inclusive, alterem o modus operandi vigente de planejar e gerir os transportes públicos;
a mobilidade nas nossas cidades, de uma forma geral.
Aqui 4 temas/idéias/propostas como subsídio às reflexões que se impõem:
1.
A busca por soluções normalmente se
concentra no aumento de OFERTA - com sistemas saturados, principalmente no
horário de pico, e a necessidade de se aumentar a participação do transporte
coletivo na matriz de transportes para enfrentar os congestionamentos
crescentes, certamente aumento de OFERTA é imprescindível. Mas, como a história
brasileira já o demonstrou, todo aumento de OFERTA, implementado isoladamente e"atrás da DEMANDA”, tem prazo de
validade curto. Assim, em paralelo seria desejável explorar-se:
a.
A (tão discutida e pouco praticada!)
gestão da DEMANDA - redução da necessidade de deslocamentos + redução das
distâncias percorridas + redução dos fatores de pico (distribuição temporal da
demanda), etc. etc. P.ex.: Implantação de mega-conjuntos habitacionais em
longínquas periferias, sem geração compatível de postos de trabalhos na mesma
região, já sabemos que é insustentável!
b.
Por que a OFERTA tem sempre de vir no
rastro da DEMANDA? Por que não a geração de OFERTA estruturante, ou seja, onde
inexiste ou é insuficiente a DEMANDA (induzindo-se, assim, uma DEMANDA com outro
perfil)?
2. "No
Brasil falta planejamento” é bordão corrente! Mas que planejamento?
Normalmente o foco é o PLANO... apenas. E este, restrito ao O QUE ser feito. E
este, não raro, mero rol de IDÉIAS, SUGESTÕES e PROPOSTAS desarticuladas ou, o
mais comum, um conjunto (ou sincretismo?) de PROJETOS "embalados para presente” e etiquetados como PLANO:
a.
Tão importante quanto o PLANO é seu PROCESSO de elaboração: É ele que pode facilitar
a geração de COMPROMISSOS; essencial para que os PLANOS saiam das gavetas e tenham
maior chance de se tornar realidade;
b.
Tão importante como O QUE é o COMO: "Meu plano era bom... só faltou dinheiro!”; "o plano era bom, mas não conseguimos licença
ambiental!”; "meu plano era bom... mas faltou vontade política”, são álibis
e explicações frequentes para insucessos. Não! Se o plano não levou em
consideração fontes de recursos, e/ou variáveis ambientais e/ou o processo
decisório, perdão, mas O PLANO não era bom! Ou, talvez, nem sequer poderia se
considerar um PLANO.
c.
PROJETOS, evidentemente, são
necessários. Mas, sem que se tenha claro quais são as PREMISSAS e os OBJETIVOS
e, a partir deles, o PLANO em si, grandes INVESTIMENTOS podem até
resultar não na solução de problemas. Muitas vezes, ao contrário, na necessidade
de re-trabalhos e/ou na geração de outros problemas, evitáveis (quando, não
raro, no agravamento daquele pré-existente!);
d.
A métrica da AÇÃO não pode, portanto,
ser apenas VOLUME DE INVESTIMENTO: INDICADORES de RESULTADOS, associados aos
OBJETIVOS, devem ser estabelecidos e monitorados. Periodicamente;
e.
E o que seria óbvio, mas não custa relembrar:
PLANOS são para serem EXECUTADOS!
3. Está mais do que claro: não dá para se
bancar o custeio do transporte público (de qualidade!) apenas com tarifas e
sincopadas dotações de orçamentos públicos. Investimentos, então, menos ainda. Não
é possível (talvez nem justo!) que usuários arquem, sozinhos, com os novos
padrões. Os beneficiários, aí incluídos, principalmente, os empregadores (que,
de certa forma, já participam do "Vale
Transporte”), os concedentes de gratuidades (idosos, estudantes, etc.) e os
usuários de transporte individual (que também se beneficiam de um transporte
público de boa qualidade), todos devem participar do "funding” do setor. É o que se vê nos países desenvolvidos, seja por
óbvias razões sociais, mas, também, por motivações ambientais e urbanas.
4.
PREFEITO "3 em 1”: todos sabemos, um
prefeito (em outro grau, mas também o GOVERNADOR) é um zelador e/ou um síndico
de um condomínio. Ele tem a responsabilidade de GERIR as áreas e os serviços
comuns. Mas um bom prefeito é (ou deve ser!) o LÍDER de uma COMUNIDADE e o PORTA-VOZ
de uma SOCIEDADE, além-muros. E, nesse momento, com tais desafios no tocante ao
transporte público, as duas últimas FUNÇÕES/PAPÉIS são tão ou mais importantes
que a de GESTÃO. Isto porque mudanças dessas dimensões demandam mobilização
e envolvimento de USUÁRIOS e da POPULAÇÃO em geral. E, por outro lado, a participação
dos 3 níveis de poder; seja com ações legislativas, seja com recursos
financeiros diretamente.
Muito oportuna a sabedoria chinesa e grega: "Diante de impasses, mais importante que procurar resolver o problema, é formulá-lo de forma diferente”.
Frederico Bussinger - Ex-Secretário de Transportes de São
Paulo; Presidente da CPTM e SPTRANS; e Diretor do Metrô/SP.