Mobilidade urbana: a vida de quem anda a pé

19/03/2016 12:00 - Guilherme Lopes Soledade

Ensaio Crítico apresentado no Curso de Gestão da Mobilidade Urbana da ANTP

Muito antes da invenção do automóvel, dos ônibus ou dos trens, ou até mesmo de dominar ou domesticar animais, o homem se deslocava com seus recursos próprios. O ditado “isso é mais velho do que andar para frente” mostra o quanto o tema é antigo. Caminhar é, sem dúvida, a forma mais natural de deslocamento e que possibilidade a melhor integração com o espaço urbano. 

Ao falar de sustentabilidade nas cidades, é comum nos depararmos com a expressão “walkability”, que pode ser traduzida livremente como a capacidade de um determinado local em ser apropriado para as pessoas caminharem. Não é um indicador formalizado ou normatizado, mas leva em consideração a conexão entre as ruas, a presença de calçadas adequadas e o nível de segurança para realização do deslocamento.

Por outro lado, avaliando o aspecto de maneira mais técnica, em 2001, FERREIRA e SANCHES publicaram um estudo intitulado “Índice de Qualidades das Calçadas – IQC”, propondo parâmetros objetivos para avaliação da qualidade de uma calçada pautado nos aspectos de segurança, manutenção, largura, seguridade (relativo ao aspecto de segurança pública) e atratividade. A ponderação entre os parâmetros também é considerada e ao final uma calçada pode ser classificada como oferecendo um nível de serviço “A” (excelente) até “F” (péssimo).

Em Taubaté, cidade onde resido desde 2014, o decreto municipal nº 13.410, publicado em 24/09/2014, regulamenta a construção manutenção e conservação de calçadas, respeitando o preconizado na Lei Municipal nº 4.648/2012, que estabelece o seguinte: “são assegurados aos pedestres os seguintes direitos: - calçadas limpas, conservadas, com piso antiderrapante, em inclinação e largura adequadas à circulação e mobilidade, livres e desimpedidas de  quaisquer  obstáculos,  públicos  ou  particulares”

O decreto separa a calçada em três faixas: faixa de serviço, faixa livre e faixa de acesso. A faixa de serviço é a mais próxima do viário e deve ser utilizada para instalação da iluminação pública, para o plantio de árvores, fixação de placas de sinalização, dentre outros elementos. Ela deve ter entre 70 e 90 cm.

Já a faixa livre é o pedaço da calçada destinada exclusivamente ao deslocamento, com largura mínima de 1,20m, limitando-se ainda a inclinação e interferências áreas.

A faixa de acesso somente é permitia em calçadas com largura superior a 2 metros, constituindo-se do local onde supostamente se enterrariam infraestrutura subterrânea (cabos de telecomunicação, por exemplo) e se faria o acesso do viário às edificações. O decreto também normatiza os materiais aceitáveis: placas de concreto, ladrilho hidráulico, piso intertravado e cimentado.

Como muitas outras coisas no Brasil, o decreto é bastante claro e rigoroso. Se tudo que estivesse ali acontecesse na realidade, a mobilidade urbana de quem anda a pé em Taubaté certamente estaria assegurada.

A penalidade prevista em lei é razoavelmente pesada: institui multa de 4 UFMTs (unidade fiscal do município de Taubaté) por metro linear de calçada não conservada, com aplicação de nova multa, no dobro do valor, caso o responsável não efetue os reparos necessários. Façamos as contas: como uma UFMT vale R$ 153,56 (valor de 2015), a multa para quem possui um lote de 10x25m seria de R$ 6.142,40. Este é um valor bastante considerável, especialmente se avaliarmos que o custo de construção de uma calçada, também à preços de 2015, não ultrapassa R$ 100/m². Neste cenário, considerando uso de materiais de primeira linha, a reforma sairia por R$ 2.000,00, valor bastante inferior ao da multa.

Ora... Então por que as pessoas não tomam providências, se reparar sai mais barato do que pagar a multa?  A reflexão do motivo de existir tamanha discrepância entre o papel e a realidade encontra rapidamente uma resposta na falta de fiscalização e na burocracia da administração pública.

Como resolver? Certamente não se resolve o problema criando mais leis, baixando novos decretos ou criando ainda mais burocracia. A solução passa por simplificar a forma com que a fiscalização é administrada, adotando-se processos enxutos e colocando a tecnologia existente à serviço do interesse público.

Guilherme Lopes Soledade – engenheiro elétrico, pós graduado em gestão estratégica de negócios e pós graduando em tecnologia metroferroviária pelo PECE-USP. Atualmente é engenheiro especializado no METRÔ-SP (área de fiscalização de obras e contratos)