21/04/2019 21:00 - Olimpio Alvares
Na introdução de seu Parecer de vistas ao processo regulatório do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, a Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente - Anamma vai direto à essência do grave problema do insuficiente requisito de comprovação da durabilidade mínima dos catalisadores, que ameaça a eficácia de controle da poluição do ar do Programa de Controle da Poluição do Ar por Motociclos e Veículos Similares - Promot:
“Conceitualmente, a definição desses limites de quilometragem tem valor como referência para a estimativa da tendência de crescimento das emissões com o desgaste do veículo, mas não significa que haverá desconformidade imediatamente após a ultrapassagem da quilometragem adotada como limite dos ensaios.”
Trata-se, de argumento recorrente usado especialmente pelos fabricantes de motocicletas e parceiros, que visa a suavizar a gravidade das consequências do sub-dimensionamento da durabilidade do efeito de eliminação de poluentes dos catalisadores de motocicletas - relativo à real necessidade de proteção à saúde dos brasileiros e do meio ambiente.
Ora, se os fabricantes de catalisadores tem a demanda de seus clientes (fabricantes de motocicletas) para produzir um componente de modo a atender o critério regulamentar de licenciamento ambiental exigido pelo Conama no Promot, e ao mesmo tempo, devem manter o produto competitivo, eles de certo aplicarão a menor quantidade possível de metais nobres no revestimento do corpo metálico do catalisador, visando a atender a exigência legal de comprovação de durabilidade do sistema de controle de emissões da motocicletas, com o menor custo possível. A aplicação de maiores quantidades de metais nobres (que operam a catálise da reação química de eliminação de poluentes), neste caso, significa para eles e para seus clientes, jogar dinheiro fora, encarecer desnecessariamente o produto e perder competitividade – lembre-se de que se trata de um mercado altamente competitivo de motocicletas de pequeno porte destinadas à população de baixa renda.
Portanto, após rodar apenas vinte mil km como estabelece a proposta de atualização da resolução como requisito de durabilidade mínima (o que pode ocorrer em apenas seis meses no caso do motofrete, e na média de rodagem da frota toda, em dezoito meses), não haveria de fato nenhuma garantia de que o catalisador continuasse com um nível aceitável de eficiência na redução de poluentes, a ponto de continuar atendendo os limites de emissão do Promot quando em uso real nas ruas.
Tal fenômeno, que confirma a perda de eficiência dos dispositivos de controle de emissões no mundo real, não é apenas uma inferência lógica e provável; trata-se de fato amplamente confirmado e reconfirmado por cientistas e engenheiros que medem objetiva e sistematicamente a evolução das emissões de veículos em uso real nas ruas – em operações em campo e laboratório, em tudo semelhantes ao que ocorreu no escândalo Diesel-Gate que abalou o mundo automotivo e marcou o início da nova era da responsabilidade regulatória. Ou seja, os desvios regulatórios do passado recente não serão mais aceitos.
Daí, a simples “fé” de legisladores na palavra da industria e na suposta qualidade de um produto veicular desconhecido dentro da zona “nebulosa”, que vai alem de um curtíssimo período de comprovação objetiva da durabilidade dos catalisadores, e a inconsequente afirmação (de quem quer que seja) de que os catalisadores poderiam “eventualmente” funcionar a contento após vinte mil km de uso, ainda com eficiência, não se sustenta.
Se isso persistir, como vem ocorrendo desde o início da adoção dos catalisadores no Promot-4 (desde 2011), o Conama estaria novamente abrindo mão da exigência primordial de os fabricantes de motocicletas comprovarem a eficiência dos catalisadores até o período de cinco anos – ou, pela media de rodagem brasileira, até sessenta mil km: esta é a “regra de ouro” do dimensionamento de engenharia dos catalisadores automotivos, de que não se pode jamais abrir mão, especialmente para os veículos de menor porte de duas rodas com altíssimo potencial poluidor – esses para os quais o Promot-4 injustificadamente exige comprovação de durabilidade até apenas dezoito mil km. “Errar é humano, mas persistir no erro é, no mínimo inaceitável”.
É chave para o regulador entender, que a quilometragem média percorrida pela frota de motocicletas no Brasil é de cerca de doze mil km (conforme dados da CETESB), cerca de o dobro da rodagem das motocicletas na Europa. Isso demanda natural e obrigatoriamente, um dimensionamento de engenharia para a durabilidade da eficiência dos catalisadores de cerca de o dobro do previsto na Europa, especialmente para as motos menores, de menor cilindrada - as mais poluentes.
Esse risco muito provável de não-atendimento dos níveis de emissão preconizados pelo Promot no mundo real das ruas, é agravado pelo fato de, no Brasil, o índice de evasão do licenciamento (e eventualmente da inspeção veicular ambiental anual, onde ela existir) é de cerca de 50% para as motocicletas, um montante elevadíssimo - aberrante até - confirmado pelo Programa I/M-SP da Prefeitura de São Paulo. E ainda que haja inspeção veicular, o método de medição de gases na inspeção veicular (em marcha lenta e a 2500 rpm com o veículo parado) não é, nem de longe, o mais adequado para identificar com eficiência os veículos que efetivamente produzem poluentes acima dos níveis aceitáveis – incluída, a grande parcela dos veículos regulados, em boas condições de manutenção, mas com seus catalisadores precocemente inoperantes.
E convenhamos: mesmo que fosse possível identificar com eficiência durante a inspeção veicular as motos com baixa rodagem que estejam emitindo grandes quantidades de poluentes devido aos seus catalisadores inoperantes, não faria nenhum sentido (do ponto de vista da engenharia do produto e do direito do consumidor), obrigar o proprietário de uma motocicleta pequena semi-nova a trocar repetidamente um escapamento praticamente novo, desembolsando anualmente de quatrocentos a mil reais, porque não há mais operacionalidade do catalisador; isso ocorreria após somente seis meses ou dezoito meses de uso do veículo!
Na realidade, catalisadores originais de boa qualidade duram normalmente (de acordo com o consenso de profissionais do ramo de escapamentos) cerca de sessenta mil km em media, e só depois disso deveriam ser substituídos. Antecipar forçosamente (por causa de uma “barbeiragem regulatória”) essa substituição para um ou dois anos de operação, ao invés dos cinco anos, seria má pratica regulatória, e muito ruim para todos, inclusive para a imagem da engenharia, dos fabricantes e dos legisladores do Conama.
Nota: a regra de ouro do dimensionamento dos catalisadores de motos no Brasil, onde elas rodam em média 12 mil km/anos, é 5 anos ou 60 mil km .... coincidentemente, este é o tempo médio de duração de um escapamento de boa qualidade, no qual o catalisador está embutido como parte integrante não-destacável.
No caso da inexistência de programas de inspeção veicular anual, mesmo estando em sofríveis condições de manutenção, os veículos e o meio ambiente seriam beneficiados pela garantia de um catalisador operacional durante um período mais largo, de cinco anos ou sessenta mil km, o que contribuirá para a redução global das emissões da frota de motocicletas, mesmo se não há a inspeção veicular.
O que se espera da atualização do Promot, como o aspecto mais importante?
É imprescindível que a proposta de resolução de atualização do Promot traga esse avanço no requisito de exigência de comprovação objetiva da durabilidade dos sistemas de controle de emissão para, no mínimo, cinco anos ou sessenta mil km - isso equivale a cerca de um terço da exigência dos catalisadores de automóveis (5 anos ou 160 mil km).
É fato que os importadores de motocicletas não querem alterar o projeto original de seus modelos projetados para atender as exigências brasileiras, pois isso demandaria algum trabalho, mais custos e aumento no preço dos veículos, com perda de competitividade no Brasil. Alguns declaram off-the-record que preferem não vender mais aqui em caso de aumento do requisito de durabilidade do catalisador. Na verdade, a entrada em seu lugar de fabricantes que vendam produtos de melhor qualidade ambiental para o País é positiva para o meio ambiente e a saúde pública. Mas, no caso de por na balança as relações diplomáticas e comerciais, não seria muito danoso para o meio ambiente – e trata-se até de uma prática usual – que o Conama permita que um modelo importado, com vendas no Brasil de até no máximo duas mil unidades, seja isento do atendimento do requisito de comprovação de durabilidade brasileiro Pode ser facultado a ele - somente para esse dado modelo de baixo volume de comercialização no Brasil - atender o requisito europeu de comprovação de durabilidade, atualmente de, no mínimo, trinta e cinco mil km.
Mas atenção: a liberação da isenção anual dos modelos com vendas acima de dois mil veículos, seria um risco para o meio ambiente, pois o número de fabricantes de todas as nacionalidades é muito grande, e poderia haver uma inundação do mercado brasileiro com um numero excessivo e artificial de modelos novos (customizados para o Brasil) de insuficiente qualidade ambiental.
Entretanto, para os fabricantes nacionais de todas as marcas e modelos, seria extremamente fácil e barato (cerca de não mais que cinquenta dólares de custo adicional) entrar em contato com seus fabricantes de catalisadores, e exigir imediatamente o fornecimento de catalisadores que atendam a exigência básica brasileira de, no mínimo, sessenta mil km para a comprovação da durabilidade dos catalisadores.
Quanto ao prazo para que essas motocicletas fabricadas no Brasil com melhor qualidade ambiental ingressem no mercado, não há nenhuma razão de ordem técnica ou logística para que não possa ser exigido pelo Conama que os veículos produzidos a partir de 2021 atendam o novo requisito corrigido de sessenta mil km.
Uma questão essencial nessa discussão não pode ser negligenciada: há propostas que circulam, que consideram que a comprovação da durabilidade possa ser feita por meio de testes de acúmulo de rodagem até trinta e cinco mil km, e o que faltar para os sessenta mil km, poderia ser demonstrado por inferência matemática, conforme metodologia a ser apresentada pelo fabricante. Nesse caso – se houver essa concessão de fato pelos reguladores do Conama – deve haver necessariamente uma exigência cautelar indispensável, que permita ao órgão fiscalizador do governo, responsável pelo licenciamento ambiental do Promot, escolher até três exemplares de cada modelo do veículo na linha de produção ou na concessionária, e solicitar ao fabricante, por conta deste, a comprovação da durabilidade desses veículos com a rodagem completa de sessenta mil km. Se esse “Teste São Tomé” não ocorrer, corre-se o risco de o licenciamento de veículos aprovar modelos de precária qualidade ambiental – um tiro no pé do meio ambiente e da imagem do regulador.
Olimpio Alvares é engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1981, Diretor da L'Avis Eco-Service, especializado no Japão e Suécia em transporte sustentável, inspeção técnica, emissões veiculares e poluição do ar; concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos; é fundador e Secretário Executivo da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos - ANTP; Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades - SOBRATT; é assistente técnico do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental - PROAM; consultor do Banco Mundial, do Banco de Desenvolvimento da América Latina – CAF, do Sindicato dos Transportadores de Passageiros do Estado de São Paulo – SPUrbanuss e da Autoridade Metropolitana de Florianópolis; é membro titular do Comitê de Mudança do Clima da Prefeitura de São Paulo e coordenador de sua Comissão de Transporte Limpo e Energias Renováveis; membro do grupo de trabalho interinstitucional de qualidade do ar da Quarta Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR) do Ministério Público Federal; assessor técnico das entidades ambientalistas na Comissão de Acompanhamento do Proconve - CAP; colaborador do Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama, Ministério do Meio Ambiente, Instituto Saúde e Sustentabilidade, Instituto Mobilize, Clean Air Institute, World Resources Institute - WRI-Cidades, Climate and Clean Air Coalition - CCAC e do International Council on Clean Transportation - ICCT, do qual participou de sua fundação nos anos dois mil; é ex-gerente da área de controle de emissões veiculares da Cetesb, onde atuou por 26 anos; participa da coordenação da Semana da Virada da Mobilidade.