Teto de tarifa; piso de qualidade (*)

30/03/2016 14:00 - Frederico Bussinger

Pontos-Chave:

1)    Afora as dimensões institucionais e políticas, o impeachment do Presidente Collor e a assunção de Itamar e Goldman, no Ministério dos Transportes, permitiram experiências interessantes em termos de concessões e PPPs.

2)    O “modelo das 3 etapas” e a diretriz de “Teto de tarifa; piso de qualidade” são dois dos conceitos/instrumentos que balizaram o deflagrar de um novo ciclo de outorgas de infraestruturas e serviços públicos no Brasil.

3)    No passado eles já comprovaram sua eficácia. Será que não poderiam contribuir para destravar as concessões, arrendamentos e PPPs atualmente?

 


OUT/1992 (quase ¼ de século atrás): Itamar Franco assume interinamente o cargo de Presidente da República, em função do afastamento do Presidente Collor (que veio posteriormente a renunciar, em 29/DEZ/1992, horas antes de ser votado seu impeachment pelo Senado).

Governo interino; incerteza política; inflação anual de 3 dígitos de % (e crescente!); economia em frangalhos; plano de governo ainda não estruturado. O que fazer? Era a pergunta que certamente povoava a cabeça dos ministros e todas as equipes recém-empossadas.

No Ministério dos Transportes, após discussões que entravam pela noite e varavam finais de semana, o Min. Alberto Goldman, cônscio de que investimentos eram imprescindíveis, mas o orçamento limitado, começou a estruturar programas visando ao envolvimento da iniciativa privada; tanto nos investimentos, propriamente ditos, como na gestão das infraestruturas de transportes:

Autorizadas desde 1988, um programa de concessões rodoviárias foi alinhavado (que resultou nas 5 primeiras federais; algumas já sendo relicitadas); a tramitação da “Lei dos Portos” foi retomada e anabolizada (até ser aprovada em FEV/1993 e balizar as “Reformas Portuárias” da 2º metade dos anos 90 – cujos frutos são colhidos até hoje!), e iniciou-se o processo para segmentação (em 5) da então malha ferroviária federal (base/condição para a desestatização de 1996/97 e, esta, para recuperação de parcela significativa da malha então degradada).

Associando transporte e sistema sanguíneo, e para facilitar a comunicação, as ideias originais foram sistematizadas, no final de 1992, em um opúsculo (de poucas dezenas de páginas) denominado “Reconstruindo as artérias para o desenvolvimento: Um projeto de recuperação do sistema de transportes e de resgate de suas funções básicas” (versões mais detalhadas ao longo de 1993).

Mas como fazer para deflagrar o processo? Eis a questão; o desafio!

Ainda não havia a “Leis de PPPs” (2004), nem as agências haviam sido criadas (2001). Tampouco havia a “Lei de Concessões” (1995) ou, mesmo, a “Lei de Licitações” (1993). O “Programa Nacional de Desestatização” já existia desde 1990, mas, nessa etapa, essencialmente voltado para venda de ativos (empresas): Só veio a ser ampliado, para entrar mais firmemente nas outorgas (concessões, permissões e autorizações) em 1997.

A solução foi organizar-se meio que um “blend”; um sincretismo de leis e normas - algumas delas muito antigas. E, por outro lado, conceber/arquitetar uma modelagem (na linguagem atual!) que procurasse compatibilizar atratividade, segurança, eficácia, simplicidade e clareza.

Um “Exército de Brancaleone” se envolveu denodadamente até que os primeiros resultados começassem a se efetivar; alguns meses depois. Dele é justo que se destaque o saudoso pernambucano José Ivandro Dourado Rodrigues; mente inquieta e visionária; com quem, ademais, deu-se boas risadas.

Da modelagem valem ser relembrados alguns conceitos/instrumentos:

1) Partindo-se do princípio de que em uma licitação dificilmente se consegue obter a melhor proposta (mas a menos pior – pois cada uma tem aspectos positivos e negativos), adotou-se o “modelo das 3 etapas”: Na 1º o foco era no “quem” (seletiva). Na 2º no “o que” (não obrigatoriamente seletiva). Na 3º no “quanto” (seletiva).

Dito de outra forma: Na 1º etapa selecionavam-se as empresas e/ou consórcios que poderiam prosseguir. Na 2º analisavam-se as propostas técnico-operacionais. Uma “comissão de sistematização” (nome advindo de memória da então recente Constituinte!) selecionava (balizada pelo interesse público declarado) e sistematizava aspectos das diversas propostas para compor o que seria a proposta final; aí para embasar a 3º etapa. Esta era submetida aos concorrentes remanescente para cotar o preço ofertado (proposta comercial); encerrando-se o processo.

2) As especificações explicitadas foram posteriormente sintetizadas numa diretriz de fácil memorização/comunicação: “Teto de tarifa; piso de qualidade”.

Ou seja: O balizamento, posteriormente formalizado em compromissos contratuais do outorgado, eram apenas no que se julgava essencial: Qualidade de serviço e preço; inclusive alguns desses parâmetros objeto de oferta na licitação.

Dito de outra forma; como o objetivo do Ministério dos Transportes era viabilizar as outorgas, o que ficava acima dos parâmetros mínimo de qualidade e abaixo dos tetos tarifários era como grau de liberdade do outorgada.

O como era com ele!

Certamente muita coisa mudou nesses quase 25 anos; em termos de legislação, normas, arranjos institucionais, organização da sociedade; etc. etc.

No passado tais conceitos/instrumentos já comprovaram sua eficácia. Será que não poderiam contribuir para destravar as concessões, arrendamentos e PPPs atualmente?

 

Frederico Bussinger é Engenheiro, Consultor Técnico e ex-Secretário Municipal dos Transportes de SP


(*) Primeiro da série “Antes que eu me esqueça!”; na qual pretendo compartilhar algumas histórias/experiências, mormente profissionais, que vivi nas últimas 4 décadas... e que, imagino, possam eventualmente ser de alguma utilidade para alguém. Mas, se já me esqueci, me confundi, ou faltou algo relevante, favor me corrigir!