22/05/2014 10:00 - Frederico Bussinger
*Este artigo é uma sistematização da minha
intervenção no 2º painel 65ª Reunião Geral da FNP
Mais que um paradoxo; um mistério!
Inopinadamente um tsunami
atingiu o sistema de ônibus (e o trânsito) da maior cidade do País.
Incidentalmente, sem que vislumbrasse o caos que estava por acontecer, nela se
reuniu, na véspera, a Frente Nacional de Prefeitos – FNP. A manhã da sua 65ª
Reunião Geral foi dedicada ao candente tema da mobilidade urbana (discutido
em 2 painéis*).
Foi (positivamente) surpreendente o grau de convergência,
suprapartidária, dos prefeitos Fortunati (PT – Porto Alegre), Fernando Haddad
(PT-SP), Gustavo Fruet (PSDB-Curitiba), Marcio Lacerda (PSB-Belo Horizonte), Antônio
Pannuzio (PSDB-Sorocaba), Jonas Donizete (PSB-Campinas), Eduardo Leite
(PSDB-Pelotas); incluindo-se nela o Dep. Fed. Carlos Zarattini (PT-SP), atuante
no setor.
Em termos de diagnóstico, destaque-se: há ameaças reais,
crescentes, ao sistema. Uma delas é o crescimento explosivo das frotas de
carros e, principalmente, motos. O transporte coletivo - TC deve ter prioridade
sobre o individual - TI. Alias, o TC é um "direito do cidadão e dever do
estado”. O TC deve usar parte segregada do viário estrutural/estratégico. Há
necessidade e espaço para os diversos modos de transporte, que devem
integrar-se física, operacional e tarifariamente. Só há saída,
estrategicamente, se transporte e uso do solo forem pensados e planejados
conjuntamente.
Sentiu-se falta, apenas, da carga; elemento essencial e
inalienável da logística e da mobilidade urbana!
A convergência abrangeu, também, saídas para as ameaças no horizonte;
destacando-se: Desoneração tributária + CIDE(reestabelecimento das alíquotas – hoje zeradas; e destinação ao "funding” do
TC – investimento e custeio) + revisão do Vale-Transporte (no tocante à fórmula
de pagamento; vinculação do seu uso; etc.) + REITUP (01, 02,
03) + envolvimento de "beneficiários” no financiamento do TC... temas também
desenvolvidos na "Carta
Aberta aos Pré-Candidatos a Presidente de República e a Governadores”,
divulgada no evento.
A convergência, certamente, deve ser saudada... malgrado ser
imperioso registrar que a maior parte dessa pauta remonta há 10, 20, 30 ou mais
anos! Mas, como "nunca é tarde para se fazer o bem”...
Bem... se se sabe qual é a doença e, também, qual o remédio,
por que o problema segue existindo? E pior: Por que a sensação de que ele, até,
cresce dia a dia? Repetindo o surrado bordão: "Por que o óbvio não acontece?”.
Não é que houve convergências também para explicar esse
mistério? Há uma resistência dos usuários do TI para implantar medidas que
privilegiem o TC. "Mas, na China, não há nem Ministério Público, nem órgãos de
licenciamento, nem tribunais de conta”, foi o (audível e quase uníssono)
zum-zum-zum que se ouviu quando o Secretário de Transportes de SP, Jilmar
Tatto, mencionou o exemplo de Shanghai (que, em 20 anos, implantou 500 km de
metrô!).
Arrisco algumas hipóteses sobre o que nos tem feito perder
tempo e desviar do caminho das soluções:
1) Talvez o óbvio não
seja tão óbvio assim. Na hora de fazer, talvez o consenso seja menor que
aparenta ser. Ouvi do embaixador e ex-ministro Ricupero: Em meados do Século
XIX já havia razoável consenso quanto ao fim da escravidão no Brasil. Os que
"mandavam no País” resolveram se reunir para estabelecer um plano para tanto:
Abrangidos, eventuais indenizações, formas de inserção social (dos
ex-escravos), instrumentos legais etc. Foi quando descobriram que havia muito
mais divergências que consensos! P.ex: Propostas de cronograma ia desde "amplo,
geral, irrestrito e já” até "gradualmente” e "até 1930”! Só para registro: A
lei veio 40 anos depois e há indícios de escravidão até hoje...
2) Não existe solução
mágica! Como com a "Geni” de Chico Buarque, muitos imaginam (e esperam),
outros "vendem” a ideia, de que um novo tipo veículo, uma nova tecnologia, um
novo leiaute solucionará o problema de uma hora para outra. Não! Ele é complexo
e demanda ações articuladas, diligentemente aplicadas. Adianta pouco passar desodorante
sem tomar banho!
3) Não há 2 pautas; 2
agendas: Custo e qualidade. Elas estão intimamente associadas. E mais; a
não ser em condições muito especiais, diretamente correlacionados: Mais
qualidade, maiores custos!
4) Não nos enganemos;
nem queiramos enganar os outros! É uma ilusão; um desserviço vender-se (ou
deixar-se veicular acriticamente) a ideia de que é possível melhorar a
qualidade do TC mantidas as tarifas vigentes. Menos ainda reduzí-las! Um ou
outro caminho requer que, além dos usuários do TC, também seus beneficiários
participem do "funding” do setor (custeio e investimentos): empregadores,
concedentes de gratuidades (idosos, estudantes, etc.) e, principalmente,
usuários de transporte individual (que também se beneficiam de um transporte
público de boa qualidade). Esse é o conceito que fundamenta, p.ex., o
Vale-Transporte e a destinação da CIDE para o TC.
5) Sentido de
urgência: O problema (e soluções) não é para 2040, 2025, 2022, 2020 ou,
mesmo, só para depois das eleições. Os riscos de desorganização dos sistemas de
TC nas cidades brasileiras estão aí. Como a esfinge, "decifra-me ou te
devoro!”. Assim, as soluções precisam ser adotadas neste 2014. Por que é
preciso esperar o fim da Copa? E isso não é impossível:
a) A CIDE tem mecanismos
operacionais já testados. E, associado, p.ex., à "Conta-Sistema”,
em SP (e congêneres em diversos outros municípios), é um mecanismo extremamente
confiável e pronto para operacionalização imediata. Seria como
"glicose-na-veia”! E está à mão.
b) O Congresso Nacional tem o
REITUP e um extensor cardápio de medidas que podem ser adotadas. Muitas delas
em fase final de deliberação. O que trava?
Ou seja, parodiando uma grande marca de artigos esportivos: "Just do it!”.
Frederico Bussinger, ex-secretário de Transportes de São Paulo; presidente da CPTM e SPTRANS; e diretor do Metrô/SP
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