Desde os primeiros dias deste
ano, o MPL – Movimento Passe Livretem organizado passeatas e manifestações contra o aumento das tarifas dos
sistemas de transporte coletivo (ônibus, metrô e trens), responsáveis pelo
deslocamento diário da população paulistana. Como esses movimentos têm afetado
o dia-a-dia do cidadão que trabalha e circula pela cidade, todos os meios de
comunicação acabam dando uma ampla cobertura jornalística a esses eventos, com
informações, análises, críticas e sugestões de toda ordem.
Ao discorrer sobre o tema ou
comentar sobre os acontecimentos que estão afetando o cotidiano da cidade,
alguns formadores de opinião acabam derrapando nas informações e nos números
que são passados aos cidadãos e usuários.
Só para contextualizar, o sistema
de transporte por ônibus, sob responsabilidade da São Paulo Transporte S/A –
SPTrans, é operado por, aproximadamente, 14 mil veículos, sendo quase 8 mil
ônibus pertencentes às 14 empresas concessionárias, associadas ao SPUrbanuss, e
outros 6 mil de propriedade das 12 empresas permissionárias (antigas
cooperativas). Essa frota opera em mais de 1,4 mil linhas, realiza cerca de 10
milhões de viagens e percorre quase 3 milhões de quilômetros, todos os dias.
É oportuno dizer, também, que
produzir serviços de transporte por ônibus numa cidade como São Paulo é
extremamente complexo. A qualidade do serviço, tão clamada pela população e tão
criticada pelos formadores de opinião, depende, na essência, do seguinte:
1)
Características do material rodante, ou seja, tipologia,
idade, segurança e conforto dos veículos;
2)
Mão de obra qualificada, com motoristas,
cobradores e pessoal de manutenção bem treinados;
3)
Infraestrutura disponível, incluindo a
priorização da circulação dos ônibus, as condições de manutenção dos
logradouros, bem como a sinalização e a semaforização das vias por onde
circulam os ônibus;
4)
Sistema de controle e monitoramento da operação,
com o acompanhamento do serviço de cada linha, em tempo real;
5)
Equipamentos de apoio, como terminais, estações
de transferência, abrigos e pontos de parada;
6)
Sistema de informações aos usuários, indicando
itinerários, intervalos entre os ônibus, horários de partida e avisando sobre quaisquer
intercorrências na operação dos ônibus.
Nem é preciso ressaltar a
necessidade e conveniência de se analisar as responsabilidades de cada agente –
público ou privado – envolvido na prestação dos serviços. Há fatores que
dependem única e exclusivamente do poder público e outros que são de
competência da iniciativa privada, mais precisamente, das empresas operadoras.
Resumidamente, o poder público
demanda a quantidade de serviço, especifica a qualidade desejada e oferece as
condições em que a operação deve ser realizada. Às empresas operadoras compete
disponibilizar os veículos, devidamente tripulados, e cumprir a OSO – Ordem de
Serviço Operacional, emitida pela SPTrans, para cada uma das linhas do sistema.
Do ponto de vista da arrecadação,
desde 1991, todo o dinheiro obtido com a venda de bilhetes é depositado numa
conta bancária, administrada pela SPTrans que, posteriormente, é utilizado para
o pagamento das empresas operadoras. Em outras palavras, a tarifa paga pelos
usuários não vai diretamente para o caixa das empresas; mas, é parte dos
recursos que são utilizados para o pagamento dos serviços prestados.
A remuneração de cada empresa,
individualmente, é calculada com base no número de passageiros transportados
multiplicado por uma tarifa de remuneração, que é aferida em função da
característica operacional de cada linha. Basicamente, o cálculo leva em conta
a topografia da região, o tipo de veículo utilizado na operação, as condições
de oscilação da frota, bem como a extensão e o horário de funcionamento da
linha. A título de esclarecimento, as empresas operadoras são remuneradas pelo
serviço prestado, com base na quantidade de passageiros transportados. Elas não
são subsidiadas e, tampouco, subvencionadas.
Atualmente, o valor da tarifa de
remuneração, por passageiro transportado, varia de R$ 2,35 a R$ 3,31, para as
empresas concessionárias, e de R$ 1,55 a R$ 2,27 para as empresas
permissionárias.
O custo anual da produção dos
serviços de transporte por ônibus, em 2015, foi de quase R$ 7 bilhões, sendo que
nesse valor estão incluídas despesas extra operacionais, ou seja, a gestão dos
terminais e a operação da rede de comercialização de bilhetes, que totalizam R$
240 milhões, por ano.
Para fazer frente ao montante
anual de R$ 7 bilhões, a Prefeitura arrecada R$ 5,1 bilhões com o pagamento das
passagens e aporta R$ 1,9 bilhão, a título de subsídio, para cobrir as gratuidades
(idosos com mais de 60 anos, estudantes de baixa renda, desempregados, bilhetes
temporais, integrações com o bilhete único e transporte de deficientes).
É preciso deixar claro que a
Prefeitura subsidia os usuários do sistema, que usam os ônibus sem pagar ou
pagando parte da tarifa de utilização, hoje, fixada em R$ 3,80.
Considerando o valor atual de
todos os insumos (pessoal, investimento, depreciação, administração, combustíveis,
pneus, tributos, etc.) e as despesas com serviços acessórios (gestão de
terminais e rede de comercialização) necessários à operação da frota de ônibus
que circula em São Paulo, o custo total do passageiro pagante deveria ser de R$
5,71. Em outras palavras, esse deveria ser o valor da tarifa de utilização,
para cobrir o custo de produção dos serviços, conforme consta do relatório
técnico elaborado pela SPTrans e enviado à Câmara Municipal, em 31/12/15.
Ainda a título de explicação, em 2014,
após oito meses de intenso trabalho, a empresa Ernest & Young fez uma
verificação minuciosa das contas das empresas concessionárias e permissionárias,
responsáveis pelo transporte por ônibus na cidade de São Paulo. Examinou, à
exaustão, lançamentos e resultados contábeis, bem como procedimentos
operacionais e questões relacionadas à gestão das frotas e das instalações
fixas, durante a vigência dos contratos, ou seja, desde 2003.
O resultado dessa auditoria
mostrou que o cálculo do custo de produção de serviço de transporte por ônibus
é meramente uma questão de engenharia e de economia e que os valores, mesmo
levando-se em conta a complexidade dos cálculos e a dimensão dos números,
refletem a realidade dos fatos e das condições operacionais.
Assim, é de suma importância que se
conheça, mesmo que de forma superficial, o resultado dos trabalhos realizados
pela empresa de auditoria Ernest & Young, que serviram para enterrar alguns
mitos e preconceitos e, também, ajudaram a desmistificar a chamada "caixa
preta” do sistema de ônibus de São Paulo.
Em resumo, operar uma frota de 14
mil ônibus, em condições adversas, não é tarefa fácil. Propor medidas
miraculosas e não reconhecer os esforços que vêm sendo realizados, pelo poder
público e pelas empresas operadoras, com o propósito de produzir serviços de
melhor qualidade e ao menor custo possível, torna o desafio ainda mais difícil.
Francisco Christovam - presidente do Sindicato das Empresas de
Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo – SPURBANUSS,
vice-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do
Estado de São Paulo – FETPESP e vice-presidente da Associação Nacional de
Transportes Públicos - ANTP.
Este artigo
é a versão mais detalhada de artigo publicado no jornal
Folha de SP em 20/01/2016