Dos 12 pontos de wi-fi no Rio, mantidos pelo governo
estadual, só seis funcionam. Por causa do mau serviço, barraqueiros já oferecem
acesso gratuito na Praia de Ipanema. No início, o projeto parecia auspicioso:
levar sinal gratuito de wi-fi a áreas turísticas do Rio e a algumas
comunidades. Intitulado Rio Estado Digital, o programa da Secretaria estadual
de Ciência e Tecnologia prometia atender a três milhões de pessoas. Só que,
seis anos depois de sua implantação, a história é bem diferente. De doze
lugares onde a rede foi instalada, apenas a metade funciona; a outra metade
existe apenas na memória, e nas reclamações, de usuários frustrados. O
diagnóstico do serviço foi feito por uma equipe de repórteres do GLOBO, que
passou três dias, na semana passada, testando o acesso à rede sem fio de
internet pública. O resultado é que ela deixa muito a desejar, embora só a
manutenção, de acordo com dados do estado, custe R$ 4,5 milhões por ano.
— Já estive no Rio várias vezes nas minhas férias e, há
alguns anos, a rede em Copacabana funcionava. Mas hoje em dia está impossível —
queixase a empresária mineira Rayssa Dias, de 29 anos.
A dificuldade enfrentada por Rayssa não é acaso. Na orla da
praia mais famosa do Rio, onde banhistas não se cansam de fazer selfies com
seus smartphones, a demanda por internet não é pequena, mas publicar um
instantâneo da diversão à beira-mar não está fácil para ninguém. Em primeiro
lugar, é preciso paciência. O processo requer um cadastro no site do estado
para se ter duas horas de internet sem fio. A página inicial demora a carregar,
e, depois, é preciso preencher um formulário com dados pessoais, o que leva
entre dois e sete minutos. Se em dias normais já é difícil, ontem, quando um
protesto reuniu milhares de pessoas na orla, foi impossível se conectar. Pela
manhã, todas as tentativas de conexão foram em vão. Aliás, o wi-fi público de
Copacabana não funcionou em nenhum dos três dias em que foi testado pela equipe
do GLOBO.
O Aterro do Flamengo também foi reprovado. Por lá, o sinal
do serviço sequer foi localizado nos dias de testes. O cenário é o mesmo nas
favelas Cidade de Deus, Cantagalo, Pavão-Pavãozinho e Providência, todas
beneficiadas pelo programa estadual.
— Conseguia usar para estudar, mas agora não funciona mais —
lamentava o estudante Rodrigo Moreno, enquanto tentava, sem sucesso,
conectar-se à rede do Cantagalo, onde mora.
Na Praia do Leblon, no lugar onde a internet do estado teve
o melhor desempenho, o tempo para conexão foi de dois minutos e 48 segundos. Na
Lagoa, a lanterninha da lista, gasta-se mais de seis minutos. O usuário também
precisa lidar com outro contratempo: a queda de sinal. No entorno do Maracanã e
no Morro Dona Marta, é comum o usuário ficar sem rede quando tenta carregar uma
página.
O serviço do Rio não resiste a uma comparação com outras
cidades, bem mais conectadas. Em São Paulo, nos últimos anos, a prefeitura
instalou 120 pontos de conexão. Segundo uma pesquisa feita há dois meses,
apenas 12 deles apresentaram problemas de conexão. Em relação a outros países,
a disparidade nos faz parecer na pré-história digital. Paris tem cerca de 200
pontos de acesso à rede wi-fi. Em Nova York, são 140. Em Seul, capital da
Coreia do Sul, e Taiwan, na China, há mais de cinco mil pontos com redes de
wi-fi público.
31% DOS MUNICÍPIOS DO RIO TÊM REDE ABERTA
Apesar de a capital apresentar uma rede ínfima de banda
larga, no estado o panorama é melhor. Segundo pesquisa mais recente do IBGE, de
2013, dos 92 municípios fluminenses, 29 (31% do total) têm rede aberta de
internet sem fio. Proporcionalmente, é o maior percentual do país. São Paulo
lidera em números absolutos: 143 cidades têm wi-fi gratuito, de um total de 645
municípios.
— Essa liderança dos municípios diz respeito ao trabalho das
prefeituras, não do estado. Fazer rede de wi-fi gratuito na cidade é muito caro
— diz o engenheiro eletrônico Claudio Sá de Abreu. — A grosso modo, existem
dois tipos de rádios wi-fi: o modelo mais em conta custa R$ 1 mil, e o outro, R$
10 mil. O primeiro, pelo preço, é mais usado quando vão montar uma rede
pública. O problema é que ele não suporta mais de 30 pessoas na rede. O segundo
usa um sistema inteligente que, quando registra cem pessoas conectadas,
direciona o fluxo para outro.
A Secretaria estadual de Ciência e Tecnologia admite que o
serviço, que hoje conta com 562 rádios de transmissão, não está funcionando "a
contento”. Segundo o secretário Gustavo Tutuca, o plano de wi-fi será
remodelado em duas etapas: a primeira visando aos Jogos Olímpicos, no ano que
vem; a outra será concluída até o fim de 2018.
— Tivemos muitos problemas e optamos por remodelar. Vários
locais da cidade não estão com a rede disponível. Continuamos fazendo
manutenção, mas, neste momento, estamos conversando com parceiros que queiram
investir na área — afirmou Tutuca, sem detalhar como será a estrutura para
atender ao público nas Olimpíadas e no período pós-Jogos. — O que posso
prometer é que teremos uma rede melhor, que ficará de legado para a população.
O projeto de acesso à internet sem fio nas arenas olímpicas também não foi definido pelo Comitê Rio 2016, que informa ainda estar conversando com patrocinadores. Procurada, a prefeitura do Rio informou que não fornece wi-fi público.
Barraqueiros veem
filão e oferecem acesso gratuito a excluídos digitais
Consumindo uma cervejinha, banhistas ganham código para entrar na rede.
E o serviço funciona
Sentada na cadeira de praia de costas para o mar de Ipanema,
a estudante Larissa Mendes, de 16 anos, passa a maior parte do tempo com o
queixo inclinado para baixo. Segurando firme o celular, ela digita sem parar na
tela do dispositivo. Estava assim, ontem, trocando mensagens com uma amiga pelo
WhatsApp.
— Eu sei que estou na praia e deveria curtir o sol, mas
depois que descobri o wi-fi da Barraca da Baiana fica difícil resistir. O wi-fi
é muito bom, perfeito para postar foto toda hora no Facebook — diz a estudante,
soltando uma gargalhada.
Entre os postos 8 e9, a Barraca da Baiana resolveu inovar
para atrair público. Desde o último verão, os clientes podem usar rede de
internet sem fio. A senha, segundo Viviane Almeida, dona da barraca, não é
compartilhada. Quem quer se conectar precisa entregar o smartphone a ela, que
digita o código de acesso ao serviço.
— Se não for assim, vira bagunça — diz Viviane, contando que
decidiu apostar no negócio depois de ouvir muitas queixas de clientes sobre a
falta de conexão na areia. — Nós fomos os primeiros a instalar o sistema. Meu
faturamento aumentou cerca de 40%. Com sol ou chuva, o wi-fi faz sucesso.
— São R$ 140 mensais bem investidos. Mas, se quiser usar,
tem que consumir — avisa.
O sucesso, claro, chamou a atenção da concorrência.
Atualmente, mais cinco barraqueiros passaram a oferecer o serviço. Wellerson
Cardoso, dono da Barraca do Nelis, diz que sucumbiu à "pressão” dos próprios
banhistas que estavam migrando para points com rede.
— O estado fornece, mas o serviço é muito instável. Como
notei que as barracas ao lado começaram a ficar mais cheias do que a minha, fui
atrás do sistema — justifica Wellerson. — Sinceramente, acho estranho alguém
vir para praia e ficar no celular, mas essa é uma realidade. Por enquanto, é só
aqui no posto, nesse pedaço da praia. Logo vai se alastrar por todo o Rio.
SERVIÇO SERÁ AMPLIADO NO VERÃO
A empresária Andreia Macedo, de 31 anos, afirma que o wi-fi
deveria ser garantido pela prefeitura ou pelo estado.
— O Rio, como cidade turística, deveria disponibilizar o
serviço nos locais mais visitados. Como não oferece, as pessoas interessadas
começaram a buscar alternativas. Isso é resultado da economia criativa. Quando
há uma lacuna no mercado, logo alguém surge para explorá- la — observa Andreia.
— Eu mesma aderi. Quando meu 3G cai, peço ao barraqueiro para usar o wi- fi
dele.
O presidente da Associação dos Barraqueiros da Zona Sul,
Paulo Juarez Vargas, explica que está desenvolvendo um planejamento para que
mais barracas das praias da região ofereçam o serviço já no próximo verão.
— Estamos conversando com empresas, porque já identificamos
que a demanda é muito alta. Quero ter o serviço sendo oferecido também no
Leblon e em Copacabana no próximo verão. E, claro, quanto mais barraqueiros em
Ipanema com internet, melhor. Esperamos ter alguma novidade até dezembro — diz
Juarez.
Vizinho das barracas que oferecem wi- fi, Yuri Reis, de 31
anos, afirma que não vê a hora de ter o seu modem. Segundo ele, o problema será
resolvido ainda esta semana, quando o equipamento deverá ser instalado em sua
barraca.
— Para você ter uma ideia, a clientela me pede mais wi-fi do
que cerveja gelada. Estou pensando em abrir uma barraca exclusiva só para sinal
de wi- fi — brinca Yuri. — Já mandei fazer um folheto informando que aqui tem
cerveja, caipirinha e internet sem fio. Nenhum cliente meu ficará desamparado.