Wi-fi público no Rio funciona mal

17/08/2015 08:12 - O Globo

Dos 12 pontos de wi-fi no Rio, mantidos pelo governo estadual, só seis funcionam. Por causa do mau serviço, barraqueiros já oferecem acesso gratuito na Praia de Ipanema. No início, o projeto parecia auspicioso: levar sinal gratuito de wi-fi a áreas turísticas do Rio e a algumas comunidades. Intitulado Rio Estado Digital, o programa da Secretaria estadual de Ciência e Tecnologia prometia atender a três milhões de pessoas. Só que, seis anos depois de sua implantação, a história é bem diferente. De doze lugares onde a rede foi instalada, apenas a metade funciona; a outra metade existe apenas na memória, e nas reclamações, de usuários frustrados. O diagnóstico do serviço foi feito por uma equipe de repórteres do GLOBO, que passou três dias, na semana passada, testando o acesso à rede sem fio de internet pública. O resultado é que ela deixa muito a desejar, embora só a manutenção, de acordo com dados do estado, custe R$ 4,5 milhões por ano.

— Já estive no Rio várias vezes nas minhas férias e, há alguns anos, a rede em Copacabana funcionava. Mas hoje em dia está impossível — queixase a empresária mineira Rayssa Dias, de 29 anos.

A dificuldade enfrentada por Rayssa não é acaso. Na orla da praia mais famosa do Rio, onde banhistas não se cansam de fazer selfies com seus smartphones, a demanda por internet não é pequena, mas publicar um instantâneo da diversão à beira-mar não está fácil para ninguém. Em primeiro lugar, é preciso paciência. O processo requer um cadastro no site do estado para se ter duas horas de internet sem fio. A página inicial demora a carregar, e, depois, é preciso preencher um formulário com dados pessoais, o que leva entre dois e sete minutos. Se em dias normais já é difícil, ontem, quando um protesto reuniu milhares de pessoas na orla, foi impossível se conectar. Pela manhã, todas as tentativas de conexão foram em vão. Aliás, o wi-fi público de Copacabana não funcionou em nenhum dos três dias em que foi testado pela equipe do GLOBO.

O Aterro do Flamengo também foi reprovado. Por lá, o sinal do serviço sequer foi localizado nos dias de testes. O cenário é o mesmo nas favelas Cidade de Deus, Cantagalo, Pavão-Pavãozinho e Providência, todas beneficiadas pelo programa estadual.

— Conseguia usar para estudar, mas agora não funciona mais — lamentava o estudante Rodrigo Moreno, enquanto tentava, sem sucesso, conectar-se à rede do Cantagalo, onde mora.

Na Praia do Leblon, no lugar onde a internet do estado teve o melhor desempenho, o tempo para conexão foi de dois minutos e 48 segundos. Na Lagoa, a lanterninha da lista, gasta-se mais de seis minutos. O usuário também precisa lidar com outro contratempo: a queda de sinal. No entorno do Maracanã e no Morro Dona Marta, é comum o usuário ficar sem rede quando tenta carregar uma página.

O serviço do Rio não resiste a uma comparação com outras cidades, bem mais conectadas. Em São Paulo, nos últimos anos, a prefeitura instalou 120 pontos de conexão. Segundo uma pesquisa feita há dois meses, apenas 12 deles apresentaram problemas de conexão. Em relação a outros países, a disparidade nos faz parecer na pré-história digital. Paris tem cerca de 200 pontos de acesso à rede wi-fi. Em Nova York, são 140. Em Seul, capital da Coreia do Sul, e Taiwan, na China, há mais de cinco mil pontos com redes de wi-fi público.

31% DOS MUNICÍPIOS DO RIO TÊM REDE ABERTA

Apesar de a capital apresentar uma rede ínfima de banda larga, no estado o panorama é melhor. Segundo pesquisa mais recente do IBGE, de 2013, dos 92 municípios fluminenses, 29 (31% do total) têm rede aberta de internet sem fio. Proporcionalmente, é o maior percentual do país. São Paulo lidera em números absolutos: 143 cidades têm wi-fi gratuito, de um total de 645 municípios.

— Essa liderança dos municípios diz respeito ao trabalho das prefeituras, não do estado. Fazer rede de wi-fi gratuito na cidade é muito caro — diz o engenheiro eletrônico Claudio Sá de Abreu. — A grosso modo, existem dois tipos de rádios wi-fi: o modelo mais em conta custa R$ 1 mil, e o outro, R$ 10 mil. O primeiro, pelo preço, é mais usado quando vão montar uma rede pública. O problema é que ele não suporta mais de 30 pessoas na rede. O segundo usa um sistema inteligente que, quando registra cem pessoas conectadas, direciona o fluxo para outro.

A Secretaria estadual de Ciência e Tecnologia admite que o serviço, que hoje conta com 562 rádios de transmissão, não está funcionando "a contento”. Segundo o secretário Gustavo Tutuca, o plano de wi-fi será remodelado em duas etapas: a primeira visando aos Jogos Olímpicos, no ano que vem; a outra será concluída até o fim de 2018.

— Tivemos muitos problemas e optamos por remodelar. Vários locais da cidade não estão com a rede disponível. Continuamos fazendo manutenção, mas, neste momento, estamos conversando com parceiros que queiram investir na área — afirmou Tutuca, sem detalhar como será a estrutura para atender ao público nas Olimpíadas e no período pós-Jogos. — O que posso prometer é que teremos uma rede melhor, que ficará de legado para a população.

O projeto de acesso à internet sem fio nas arenas olímpicas também não foi definido pelo Comitê Rio 2016, que informa ainda estar conversando com patrocinadores. Procurada, a prefeitura do Rio informou que não fornece wi-fi público.

Barraqueiros veem filão e oferecem acesso gratuito a excluídos digitais

Consumindo uma cervejinha, banhistas ganham código para entrar na rede. E o serviço funciona

Sentada na cadeira de praia de costas para o mar de Ipanema, a estudante Larissa Mendes, de 16 anos, passa a maior parte do tempo com o queixo inclinado para baixo. Segurando firme o celular, ela digita sem parar na tela do dispositivo. Estava assim, ontem, trocando mensagens com uma amiga pelo WhatsApp.

— Eu sei que estou na praia e deveria curtir o sol, mas depois que descobri o wi-fi da Barraca da Baiana fica difícil resistir. O wi-fi é muito bom, perfeito para postar foto toda hora no Facebook — diz a estudante, soltando uma gargalhada.

Entre os postos 8 e9, a Barraca da Baiana resolveu inovar para atrair público. Desde o último verão, os clientes podem usar rede de internet sem fio. A senha, segundo Viviane Almeida, dona da barraca, não é compartilhada. Quem quer se conectar precisa entregar o smartphone a ela, que digita o código de acesso ao serviço.

— Se não for assim, vira bagunça — diz Viviane, contando que decidiu apostar no negócio depois de ouvir muitas queixas de clientes sobre a falta de conexão na areia. — Nós fomos os primeiros a instalar o sistema. Meu faturamento aumentou cerca de 40%. Com sol ou chuva, o wi-fi faz sucesso.

— São R$ 140 mensais bem investidos. Mas, se quiser usar, tem que consumir — avisa.

O sucesso, claro, chamou a atenção da concorrência. Atualmente, mais cinco barraqueiros passaram a oferecer o serviço. Wellerson Cardoso, dono da Barraca do Nelis, diz que sucumbiu à "pressão” dos próprios banhistas que estavam migrando para points com rede.

— O estado fornece, mas o serviço é muito instável. Como notei que as barracas ao lado começaram a ficar mais cheias do que a minha, fui atrás do sistema — justifica Wellerson. — Sinceramente, acho estranho alguém vir para praia e ficar no celular, mas essa é uma realidade. Por enquanto, é só aqui no posto, nesse pedaço da praia. Logo vai se alastrar por todo o Rio.

SERVIÇO SERÁ AMPLIADO NO VERÃO

A empresária Andreia Macedo, de 31 anos, afirma que o wi-fi deveria ser garantido pela prefeitura ou pelo estado.

— O Rio, como cidade turística, deveria disponibilizar o serviço nos locais mais visitados. Como não oferece, as pessoas interessadas começaram a buscar alternativas. Isso é resultado da economia criativa. Quando há uma lacuna no mercado, logo alguém surge para explorá- la — observa Andreia. — Eu mesma aderi. Quando meu 3G cai, peço ao barraqueiro para usar o wi- fi dele.

O presidente da Associação dos Barraqueiros da Zona Sul, Paulo Juarez Vargas, explica que está desenvolvendo um planejamento para que mais barracas das praias da região ofereçam o serviço já no próximo verão.

— Estamos conversando com empresas, porque já identificamos que a demanda é muito alta. Quero ter o serviço sendo oferecido também no Leblon e em Copacabana no próximo verão. E, claro, quanto mais barraqueiros em Ipanema com internet, melhor. Esperamos ter alguma novidade até dezembro — diz Juarez.

Vizinho das barracas que oferecem wi- fi, Yuri Reis, de 31 anos, afirma que não vê a hora de ter o seu modem. Segundo ele, o problema será resolvido ainda esta semana, quando o equipamento deverá ser instalado em sua barraca.

— Para você ter uma ideia, a clientela me pede mais wi-fi do que cerveja gelada. Estou pensando em abrir uma barraca exclusiva só para sinal de wi- fi — brinca Yuri. — Já mandei fazer um folheto informando que aqui tem cerveja, caipirinha e internet sem fio. Nenhum cliente meu ficará desamparado.